Política

Em 2018, sete administrações não gastaram nem R$ 1 em infraestrutura

Levantamento feito pelo Metrópoles mostra que em outras 12, os aportes para essa finalidade não chegaram a 10% do orçamento repassado

Por Metrópoles 02/12/2018 13h01
Em 2018, sete administrações não gastaram nem R$ 1 em infraestrutura

Não é preciso muito esforço para encontrar, no Distrito Federal, cidades tomadas pelo mato alto, vias esburacas, bocas de lobo entupidas e lixo em locais inadequados. Tais problemas poderiam ser minimizados caso as administrações regionais (RAs) fossem mais eficientes e direcionassem melhor seus recursos.

Levantamento feito pelo Metrópoles com base em informações colhidas no Portal da Transparência do DF aponta que as RAs têm histórico de investimento irrisório em urbanismo. Neste ano, em sete delas, não houve um só real gasto em infraestrutura. Em outras 12, os aportes para essa finalidade não chegaram a 10% do orçamento repassado.

O resultado da baixa execução orçamentária em serviços que impactam a vida da população pode ser sentido no dia a dia.

Em 2018, algumas RAs se limitaram a pagar salários de servidores e promover eventos culturais. As unidades do Jardim Botânico, Lago Norte, Lago Sul, Núcleo Bandeirante, Park Way, Sobradinho II e Sudoeste/Octogonal não destinaram recursos para a área de urbanismo.

O bairro mais nobre da capital do país, o Lago Sul, por exemplo, recebeu repasses da ordem de R$ 3.386.965 até sexta-feira (23/11), mas usou 3.177.984 só para quitar os proventos dos cerca de 120 servidores. O resquício está lançado na contabilidade como “encargos pessoais”.

Incoerência 
Os números do Núcleo Bandeirante também contribuem para reforçar um clichê: de que as administrações regionais só funcionam como cabide de emprego. A cidade que abrigou os operários da construção de Brasília torrou R$ 4.529.998,35 neste ano. Desse total, destinou R$ 5.575 para a realização de eventos culturais. Por outro lado, não aportou nenhum centavo na realização de serviços de infraestrutura.

A incoerência na aplicação do dinheiro público também se aplica às maiores cidades. Com 258 mil habitantes, Samambaia figura como a quarta mais populosa região administrativa do DF. Numa breve volta pela localidade, é possível observar toda sorte de problemas. Mesmo assim, os serviços de infraestrutura significaram somente 0,13% do total de R$ 8,1 milhões gastos pela administração regional.

Na vizinha Taguatinga , o cenário não é muito diferente. Considerando os 326 dias de 2018 — até sexta-feira (23) —, a administração aportou somente R$ 523,79 por dia na melhoria de serviços à população. Dos R$ 12.891.606,94 recebidos, insignificantes R$ 170.456,87 acabaram, de fato, se transformando em benefícios.

A destinação diminuta para áreas essenciais se reflete em cenas que o brasiliense se acostumou a assistir. No último dia 20, por exemplo, o Corpo de Bombeiros precisou interditar o trânsito na via de ligação Taguatinga-QNL, ao lado do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

Segundo a corporação, várias depressões e rachaduras surgiram na pista. Em um dos pontos, abriu-se uma cratera, que só foi tapada dois dias depois. No Gama, cujo a RA destinou só 7,68% aos serviços públicos, a chuva forte arrancou parte do asfalto, invadiu lojas e chegou a arrastar um motociclista na rua que fica às margens da Quadra 32 do Setor Leste.

Gerente de uma borracharia, o comerciante Antônio Geraldo Pereira, 56 anos, disse que, devido à força das águas, algumas pessoas desviaram seus veículos e desceram dos automóveis à procura de abrigo no estabelecimento. O local chegou a ser invadido pela água.

“É a primeira vez que vejo algo assim acontecer. Acredito que tenha sido a força da natureza somada ao fato de que aqui não tem escoamento. Ficou parecendo um rio. Muitas pessoas ficaram assustadas”, relata.

A situação nas cidades só não é pior em função da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), que faz praticamente 100% dos serviço de tapa-buraco e poda de árvores, serviços que poderiam ser divididos com as RAs.

Veja alguns exemplos nas imagens abaixo:

Em 2018, sete administrações não gastaram nem R$ 1 em infraestrutura
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Buraco Taguatinga CBM
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Em Taguatinga, falta de manutenção asfáltica contribuiu para a abertura de uma cratera na pista Reprodução
Gama michael 1
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No Setor Leste do Gama, carros ficam danificadas por cratera aberta no pavimento Michael Melo/Metrópoles
Gama michael
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No Gama, parte do asfalto foi arrancado pela força das enxurradas Michael Melo/Metrópoles
Motorista-Uber-lama Sol Nascente
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No Sol Nascente, ruas enlameadas dificultam o trânsito de veículos Hugo Barreto/Metrópoles
Buraco Taguatinga CBM
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Em Taguatinga, falta de manutenção asfáltica contribuiu para a abertura de uma cratera na pista Reprodução
Gama michael 1
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No Setor Leste do Gama, carros ficam danificadas por cratera aberta no pavimento Michael Melo/Metrópoles
Gama michael
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No Gama, parte do asfalto foi arrancado pela força das enxurradas Michael Melo/Metrópoles
Motorista-Uber-lama Sol Nascente
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No Sol Nascente, ruas enlameadas dificultam o trânsito de veículos Hugo Barreto/Metrópoles

Em nota, o GDF informou que investimentos em obras de urbanismo e infraestrutura nas regiões administrativas são feitos pelas secretarias, empresas públicas e autarquias. “As administrações regionais, até por recomendação dos órgãos de controle, fazem a gestão de pequenos valores para manutenção e pagamento de pessoal.”

Ibaneis quer mais concursados
Ao se eleger governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB) assegurou que irá trabalhar para que 70% dos cargos públicos sejam ocupados por funcionários efetivos. A tarefa exigirá coragem para pôr fim à uma cultura já enraizada no DF: de os políticos usarem a nomeação de cargos em comissão para conseguirem favores.

O Metrópoles mostrou, em janeiro último, que nas nas 31 administrações regionais o menor índice de comissionados é de 74,51%, registrado em Vicente Pires. No Cruzeiro, 95% das vagas na RA são ocupadas por pessoas que não passaram em concurso público. .

O professor de finanças públicas da Universidade de Brasília, Roberto Piscitelli, defende que as unidades sejam descentralizadas para se tornarem mais eficientes. Segundo ele, o atual modelo contribui para gastos exorbitantes e retornos inexpressivos à população.

“Com uma profunda descentralização, os administradores responderiam mais rapidamente a pequenas demandas, pois teriam autonomia para gerir um suborçamento definido para atividades específicas. Do jeito que está, só serve como cabide de emprego mesmo. São praticamente inúteis”, analisa o docente.