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Sem tempo para o tempo: Maceoenses não demonstram interesses em museus do Jaraguá

Por Dayvson Oliveira 11/11/2018 16h04
Sem tempo para o tempo: Maceoenses não demonstram interesses em museus do Jaraguá

Um dos bairros mais antigos da cidade, conhecido por seus prédios arquitetônicos, conserva boa parte da história de Maceió. Atualmente o Jaraguá abriga o Museu Théo Brandão, o Museu da Imagem e Som de Alagoas, o Memorial à República, o Museu da Tecnologia do Século XX, o Museu do Comércio, o Arquivo Público de Alagoas e ainda a Casa do Patrimônio, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Não é de hoje que as autoridades vêm tentando fazer os maceioenses voltarem a atenção para o Jaraguá. Um dos mais recentes programas, o Projeto Jaraguá Vivo da Prefeitura de Maceió, não tem sido suficiente para despertar o interesse da população. Os museus realizam parcerias entre eles como uma tentativa de manter uma programação diversificada e atrair os maceioenses, mas a maioria dos visitantes continuam a ser turistas. Uniformidade, falta de apoio do Governo, desatenção das empresas de turismo, poluição e ausência do auxílio de tecnologia dentro e fora dos museus, são apenas alguns dos fatores que fazem com que os números sejam tão baixos.

De quem é a culpa?

Falta de tempo, de interesse, ter que pagar para visitar, as justificativas para não visitar os museus de Maceió são as mais variadas possíveis. Mas, todos parecem concordar em algo: nossos museus estão debilitados.

Patrícia Nascimento, técnica de enfermagem, estava visitando o Memorial à República no Jaraguá com a filha e o marido e ficou desapontada. A climatização do ambiente não estava funcionando, as atrações não estavam restauradas, não havia um guia para direcionar os visitantes e as paredes internas e externas precisam de reparação. A carioca Ana Paula também reclama do abandono: “As bandeiras estão destruídas. Não há atualização das informações. Pararam no primeiro mandato do presidente Lula. Falta cuidado”, afirmou. A recepcionista do local diz que o melhor atrativo do museu é a vista e revela que a maioria das pessoas vão apenas para tirar fotos, já que o acervo não é atraente.

É preciso sair do convencional

David Oliveira, morador do Jaraguá, diz já ter visitado todos os museus do bairro, mas não tem planos de realizar novas visitas. “É tudo a mesma coisa, não trazem nada novo e quando você entra, deixam você largado, isso quando tem alguém para receber”, lamentou. O morador também reclama da falta de destaque para os artistas atuais, que, segundo ele, precisam morrer para que as obras venham a ser reconhecidas. David também acredita que a localização dos museus, próximo ao riacho Salgadinho – um dos vários pontos onde o esgoto é lançado em direção ao mar – afasta os turistas. “Eu prefiro visitar a orla da Praia de Pajuçara, que tem vários artistas pelo calçadão. Não é preciso ir a um museu para ver arte”, complementou.

Está faltando o diferencial. O turismólogo Samyr Lopes diz que o circuito museográfico precisa acrescentar inovações. “Uma pipoca para a criança que acompanha os pais ou um espaço para brincar, são várias as formas de agregar valor”, exemplificou. Samyr também critica a monotonia dentro dos museus. Sem atualização do acervo, não há motivação para retornar. Fábio Lessa, professor universitário, também diz faltar melhorias. “[Falta] um museu de alto nível, que pudesse servir de estímulo para o fortalecimento de um turismo cultural em Alagoas”, apontou. Ainda de acordo com Fábio, o estabelecimento de um bom museu poderia fazer com que os turistas trocassem a praia por cultura. Assim, a cidade poderia começar a deixar de ser sinônimo apenas de praia.

Visão dos responsáveis pelos museus

Gilberto Leite, historiador e pesquisador responsável pelo Misa, culpa principalmente as empresas responsáveis por pacotes turísticos. A maioria dos roteiros costuma passar por praias como a Praia do Francês, alguns até incluem a Catedral Metropolitana, mas os museus acabam ficando de fora. Os turistas que costumam visitar, o fazem de forma independente.

O Coordenador de Cultura e Patrimônio da Associação Comercial diz que a comunidade não possui o hábito de visitar museus, não buscam conhecimento. Por sua vez, o bolsista Wellington Gomes, do Arquivo Público de Alagoas, fala que o problema é a falta de influência dos professores. Se as escolas não criam o hábito de buscar cultura quando os alunos ainda estão no fundamental, eles não vão se interessar depois que estiverem no ensino médio.

 

Estrutura: Casa do Patrimônio dá o exemplo

Fundada no ano de 2010 em Maceió, a Casa do Patrimônio foi criada com o propósito de aproximar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico – Iphan e a comunidade. A instituição investiu quase R$ 85 milhões em Alagoas nos últimos 10 anos. Em nível nacional, são 80 anos de valorização do patrimônio cultural brasileiro.

O ambiente climatizado, conservado e com uma boa iluminação é mais que convidativo. Assim como os museus da cidade, o local também recebe exposições de curto prazo. Mas o grande destaque são as mostras permanentes. A atual, nomeada de A Invenção da Terra vai permanecer na sede local até 2030. A artista plástica e colecionadora Tânia de Maya Pedrosa emprestou suas esculturas para o Iphan por 20 anos.

Além da ótima estrutura, a casa fica aberta durante o final de semana, justamente para atrair os cidadãos, que costumam ficar livres aos sábados e domingos. O foco do Iphan está em alunos de escolas públicas. A equipe estadual entra em contato para convidar grupos e costuma receber uma média de 15 a 20 escolas por mês. As visitas são guiadas e os visitantes ainda contam com monitores digitais que fornecem todas as informações sobre as peças.

O professor universitário e advogado Fábio Lins levou o filho para uma visita e elogiou a estrutura do local e a ótima qualidade do acervo. Leozinho, de 3 anos, ficou encantado com os brinquedos feitos pelos artistas populares e não pôde deixar de notar os monitores digitais, que permite uma experiência mais completa. Fábio também visitou o Museu da Imagem e Som de Alagoas – Misa, mas recomenda o Iphan para os que estão acompanhados dos filhos. “Se tiver que escolher um dos dois para levar crianças, acho que a Casa do Patrimônio sai na frente”, sugeriu. Ele também lamentou o fato de que o local é pouco conhecido pelo público alagoano.

Afinal, é museu ou não?

Alguns sites costumam classificar as casas do patrimônio como museus. A definição de museu, de acordo com o Google é: “instituição dedicada a buscar, conservar, estudar e expor objetos de interesse duradouro ou de valor artístico, histórico etc”. Sim, a sede regional do Iphan certamente se encaixa nesta descrição, mas segundo o instituto, estas se constituem em um “projeto pedagógico, com ações de educação patrimonial e de capacitação”. O papel da entidade vai muito além de exposição.

Raphael Von Sohsten, estagiário de jornalismo na instituição, costuma guiar os grupos escolares. Segundo ele, a responsabilidade do Iphan em preservar parte do patrimônio pesa e é preciso passar essa ideia adiante, para que a população venha a colaborar. “Não basta apenas visitar. Costumamos conversar com os estudantes e orientá-los a refletir e se conscientizar”, afirmou. Raphael também reforça que há uma abordagem diferente para cada grupo recebido, pois os grupos costumam ir de crianças do fundamental até alunos do ensino médio.

União que garante melhorias

Se a população não vai até os museus, é preciso ir até elas. O Museu Théo Brandão esteve presente na 8ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas com parte de seu acervo e alguns produtos para venda. Outros museus, como o Museu do Comércio de Alagoas e o Museu de Tecnologia do Século XX têm seus projetos divulgados no periódico da Associação Comercial.

Aparentemente, os projetos de extensão já estão colhendo alguns frutos. A professora Gislene Rocha, de Arapiraca, estava com um grupo de estudantes de uma escola privada visitando os museus no Jaraguá. Segundo ela, o interesse surgiu após a diretora visitar o estande do Museu Théo Brandão na última bienal.

Exposições das mais variadas acontecem com o objetivo de garantir que a novidade esteja sempre presente e, assim, não só os turistas, mas a população local visite o espaço. Algumas delas são realizadas em parceria com outros museus, como a exposição atual no Iphan, que acontece com o apoio do Museu Théo Brandão. Essas mostras temporárias também acabam deslocando a proposta de preservação histórica para a valorização do artístico.

Essa parceria é essencial, levando em consideração que a cultura não é prioridade para o Governo. Segundo a historiadora Isabel Gomes, funcionária da Secretaria de Cultura, o Ministério fica com apenas 1,5% do orçamento total. “O problema não é a falta de dinheiro para inovação em si, mas a própria manutenção dos museus”, afirmou. Restaurações apenas em um longo espaço de tempo acaba custando mais dinheiro aos cofres públicos.

Existem também parcerias com grandes empresas, como a Caixa Econômica Federal e a Braskem que fornecem o apoio cultural, bem como investimento em dinheiro. O prédio da Associação Comercial, que abriga dois museus, também teve sua última restauração graças a colaboração de outras corporações.

Para ajudar na manutenção, a Associação Comercial cobra uma taxa de entrada de 2 reais para estudantes e de 5 reais para os demais visitantes. Museus mantidos pelo Governo não podem cobrar taxa de entrada, mas utilizam outras alternativas. O Museu Théo Brandão, por exemplo, possui uma loja de artesanato e outros projetos.

É necessário, também que as equipes de comunicação à frente desses museus estejam atentas às oportunidades para divulgar seus acervos. Um exemplo é o Iphan, que procura as escolas para organizar visitas e tenta fazer com que os guias turísticos insiram os museus da cidade na rota dos visitantes.

Velho também pode ser moderno

A sociedade está cada vez mais conectada e a visita de um museu sem o auxílio de tecnologia pode parecer uma perda de tempo. Museus internacionais estão deixando seus visitantes cada vez mais independentes. No Museu do Louvre, na França, fones de ouvidos e aparelhos individuais permitem que o turista seja guiado de forma eletrônica e escolha qualquer obra. É claro que esta, infelizmente, é uma realidade distante no Brasil.

Em Maceió, no entanto, nem mesmo o básico de tecnologia está presente. Os museus da Associação Comercial sãos os mais preparados para receber deficientes visuais, mas, apesar de possuir alguns painéis digitais ao longo da visita, todos eles estavam desligados. Os objetos expostos possuíam apenas simples identificações em pequenos papéis. Por sua vez, o Memorial à República, que dispõe de muitas informações em texto – o que pede alguma forma de interatividade para tornar a visita mais interessante – não tinha sequer um painel eletrônico.

O empresário Welligton Silva foi fazer uma visita com a família e achou entediante a forma como as informações são expostas. “Esse museu mostra mais sobre história e basicamente o que a gente tem são textos acompanhados de algumas imagens. Eu senti falta de algum vídeo, alguma outra forma de absorver essas informações”, observou. E Wellington não está sozinho. Um grupo de estudantes que visitou o local logo em seguida não passou mais que 2 minutos no ambiente. Tiraram fotos na área de cima e saíram. Apenas o espaço de exposições do Iphan estava com praticamente todos os painéis eletrônicos em perfeito funcionamento. A historiadora Isabel Gomes, da Secretaria de Cultura, justificou-se: “O espaço do Iphan é muito recente. O Museu Théo Brandão, por exemplo, foi fundado em 1975”, defendeu.

Se adaptando à geração conectada

O Misa não dispõe de painéis, mas tem computadores à disposição dos visitantes. São aproximadamente 12 mil fotos antigas de Maceió e 95% deste material está digitalizado, segundo o responsável pelo museu. Quando estivemos no local, os computadores estavam desligados, o que inibe o interesse do visitante em pesquisar estas imagens. Já o Arquivo Público de Alagoas possui quase 5 mil caixas, recebe cerca de 100 pesquisadores por mês, e apesar de tudo estar devidamente catalogado, nada desse material está digitalizado, o que facilitaria tanto para os estudantes e cidadãos que vão em busca de informações como para os funcionários.

Perfil do MTB no Instagram

Não basta utilizar a tecnologia dentro dos museus, é preciso utilizar a internet para atrair os visitantes. O Museu Théo Brandão mantém seus perfis nas redes sociais sempre ativos, facilitando para que a população possa estar atenta a todos os eventos realizados, mas sobre a reforma pela qual o prédio vem passando não há qualquer informação no site nem nas páginas oficiais em redes sociais.