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Veja cartas trocadas entre Graciliano Ramos e Portinari

Google disponibiliza gratuitamente documentos transcritos

Por GazetaWeb 09/06/2019 21h09
Veja cartas trocadas entre Graciliano Ramos e Portinari
Reprodução

As conversas entre os amigos Graciliano Ramos e o pinto Cândido Portinari tratam de preocupações sobre questões sociais e até mesmo o papel da arte na transformação da sociedade. Algumas dessas cartas já foram reveladas anteriormente, mas estão disponíveis em alta qualidade e podem ser acessadas por qualquer pessoa.

Graciliano Ramos questiona o sentido da arte e se ela necessita da desgraça para ter sucesso, já que os dois artistas tratavam de universos que não tinham propriedade, ambos relatavam a miséria humana.

A disponibilização das correspondência também possibilita o acesso das conversas em qualquer lugar. O Google Arts & Culture anunciou a universalização da vida e obra de Portinari, na última quarta-feira (5), na Pinacoteca de São Paulo. A galeria virtual conta com mais de 5 mil obras e 15 mil cartas e documentos do artista, primeiro brasileiro que ganha retrospectiva na plataforma. O único filho vivo de Portinari acompanhou o processo inteiro. Quem quiser conhecer o trabalho do pintor das famosas obras Mestiço (1934) e Café (1935) pode utilizar o portal.

Leia na íntegra uma das cartas de Graciliano para Portinari

Caríssimo Portinari:
 

A sua carta chegou muito atrasada, e receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno, penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram.

O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar? Desejamos realmente que elas desapareçam ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você mostrou quando almocei no Cosme Velho pela última vez, o que mais me comoveu foi aquela mãe com a criança morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que faríamos cromos, anjinhos cor de rosa, e isto me horroriza.

Felizmente a dor existirá sempre, a nossa velha amiga, nada a suprimirá. E seríamos ingratos se desejássemos a supressão dela, não lhe parece? Veja como os nossos ricaços em geral são burros.

Julgo naturalmente que seria bom enforcá-los, mas se isto nos trouxesse tranquilidade e felicidade, eu ficaria bem desgostoso, porque não nascemos para tal sensaboria. O meu desejo é que, eliminados os ricos de qualquer modo e os sofrimentos causados por eles, venham novos sofrimentos, pois sem isto não temos arte.

E adeus, meu grande Portinari. Muitos abraços para você e para Maria.

Graciliano