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Congresso vota auxílio emergencial para trabalhadores da Cultura

Enquanto obras artísticas se mostram fundamentais para atravessar o isolamento, profissionais estão desemparados, sem alternativa de trabalho

Por O Globo 26/05/2020 09h09
Congresso vota auxílio emergencial para trabalhadores da Cultura
Foto: Arte de André Mello Newsletters

A contradição é explícita. Filmes, séries, canções e livros têm sido fundamentais para ajudar a atravessar a solidão, o medo e a ansiedade dos que podem se manter isolados em tempos de pandemia. No entanto, boa parte das pessoas por trás desses e outros produtos culturais está desamparada, sem alternativa de trabalho e ajuda das iniciativas pública e privada. Histórias como a do violonista Luís Filipe de Lima, que chegou a colocar seu instrumento à venda, conforme o GLOBO contou domingo, multiplicam-se pelo país.

Filipe conseguiu manter seu violão graças a uma vaquinha on-line criada pela comoção de fãs e amigos. Enquanto associações de artistas e instituições tentam criar formas de ajudar essa parcela de trabalhadores da Cultura, a indefinição de políticas públicas emergenciais expõe a fragilidade das legislações que norteiam o setor. Há pelo menos 60 dias, desde o início das medidas de isolamento social, artistas, produtores e técnicos sobrevivem pautados pela incerteza de seus faturamentos mensais, comprometidos com a suspensão das atividades de casas de espetáculos, centros de artes, livrarias e cinemas.

Nesta terça-feira, o Congresso vota o Projeto de Lei 1075/2020, de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e de outros 23 parlamentares. O PL, que conta com a relatoria da deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), prevê aos trabalhadores informais no setor cultural uma complementação mensal de renda no valor de R$ 600. Ainda pela proposta, os espaços culturais teriam direito a uma quantia que varia entre R$ 3 mil e R$ 10 mil até o fim da quarentena.

R$ 3 bilhões contingenciados

Caso o projeto seja aprovado, ele segue para votação no Senado e, posteriormente, à sanção do presidente Jair Bolsonaro. Há um esforço coletivo de lideranças partidárias junto ao gabinete da presidência, a fim de que a proposta seja sancionada integralmente, sem vetos.

— Esperamos aprovar hoje na Câmara, e também de forma célere junto ao Senado. O presidente terá 15 dias para sancionar a lei — destaca Jandira Feghalli.

A deputada lembra que a extensão do auxílio emergencial de R$ 600 chegou a ser proposto para artistas, técnicos, produtores e outros trabalhadores informais. Mas foram vetados pelo governo na Lei 873. Jandira apresenta ainda um dado relevante levantado por meio do relatório de execuções orçamentárias do governo: até dezembro de 2019, o Fundo Nacional de Cultura (FNC) tinha cerca de R$ 3 bilhões disponíveis. Mas o montante se encontra contingenciado.

 

Deputado federal e ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero (Cidadania-RJ) alerta para a peculiaridade do FNC, cujos recursos, segundo ele, são de natureza contábil, mas não financeira. Isso significa que, embora o valor exista legalmente, na prática ele não se encontra em caixa.

— A luta é para que esse montante seja disponibilizado, de fato, e não fique apenas descrito em um relatório orçamentário — explica Calero.

Alguns governos estaduais e municipais se mexem

Se no âmbito federal as dificuldades de compreensão da dinâmica do setor têm provocado atraso no socorro aos profissionais, no estadual e municipal alguns governos se mexem.

Em Fortaleza, a prefeitura criou um projeto de auxílio emergencial a profissionais do setor na pandemia. Até 19 de maio, 2.134 cadastros foram aprovados para análise técnica e devem receber a quantia de R$ 200. Na cidade do Rio, o cenário de retração de recursos vem gerando apreensão e desconfiança. Dois editais lançados recentemente pela secretaria de Cultura, um de música para circulação em lonas e arenas e outro de pontos de cultura, estão sem previsão de pagamento. Funcionários terceirizados foram demitidos. Responsável pela pasta, Adolpho Konder assume que está “buscando superar adversidades”, e celebra o fato de ter conseguido pagar R$ 5,5 milhões a contemplados pela Lei do ISS.

No âmbito estadual, ainda em março a secretaria de Cultura de São Paulo anunciou a liberação de R$ 275 milhões em linhas de crédito para dar capital de giro a empreendedores, incluindo os de cultura e economia criativa. Já a ação em terras fluminenses veio por meio de edital. Publicado com o valor de R$ 3,75 milhões, o mecanismo contemplou 1.500 pessoas, que receberam um prêmio de R$ 2.500. O recurso é originário do Fundo Estadual de Cultura, que ainda conta com uma reserva de cerca de R$ 23 milhões.

Danielle Barros, secretária de Cultura do estado do Rio, diz que vem buscando lançar mão de outras medidas que mitiguem os efeitos decorrentes do fechamento do espaços culturais.

 

— Estamos distribuindo cestas básicas. Temos a intenção de usar os R$ 23 milhões restantes na contratação de espetáculos por meio também de editais. Já começamos a avaliar nosso próximo passo — diz Danielle.

‘Ajuda já pinga secando’

As cestas básicas ajudam, mas não resolvem os boletos que se acumulam. Um dos expoente da nova geração do samba, João Martins é um exemplo disso. Com os palcos fechados e as rodas paradas, ele tem apoiado sua mulher, Mariana, que é cozinheira, entregando refeições na Zona Sul do Rio.

— Músico não tem poupança, renda fixa, não dá para fazer pé de meia. Peguei o auxílio de R$ 200 das arrecadadoras de direitos autorais, por exemplo, mas essas ajudas já foram embora, já pingam secando — lamenta Martins.

Apesar de trazer alento para alguns, o uso dos recursos disponíveis em editais, sejam de esferas públicas ou privadas, vem sendo alvo de crítica. Porque em geral eles beneficiam artistas, mas não abrangem os outros profissionais da cadeia produtiva. Diretor do Itaú Cultural, instituição que vem lançando seleções para escritores, músicos e outros, Eduardo Saron diz estar ciente da limitação.

— Uma das perguntas que me deixam sem resposta é como fazer os recursos chegarem na turma do backstage, que é a mais prejudicada — diz Saron. — Mas as instituições ligadas a empresas não substituem o poder público. As carências e demandas serão maiores, a escassez de recursos, também.

Saron diz que tem conversado com gestores públicos, mas sobre outra preocupação: pensar os protocolos para a reabertura segura dos espaços de entretenimento.