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Protocolos de produção de carne reduzem em até 15% a emissão de gás de efeito estufa

Além disso, os protocolos permitiram ganhos superiores de peso dos animais, entre 2% a 5% em relação ao manejo tradicional

Por Ascom Embrapa 25/01/2024 10h10
Protocolos de produção de carne reduzem em até 15% a emissão de gás de efeito estufa
Os protocolos permitiram ganhos de peso dos animais, entre 2% a 5% superiores em relação aos do manejo tradicional - Foto: Giovana Maciel

A aplicação dos protocolos Carne Carbono Neutro (CCN) e Carne Baixo Carbono (CBC) em uma área comercial demonstrou que os sistemas reduzem em 12% e 15%, respectivamente, a emissão de metano entérico pelos animais durante a fase de recria a pasto. O metano entérico é um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa, que provoca o aquecimento global.

Além desse benefício, os protocolos permitiram ganhos superiores de peso dos animais, entre 2% a 5% em relação ao manejo tradicional. Essa é a primeira vez que esses protocolos são aplicados em um rebanho de alto padrão genético. O estudo foi realizado na Fazenda Experimental Orestes Prata Tibery Jr., em Uberaba (MG), em parceria com a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).

“Comprovamos que a atividade pecuária, com recria a pasto e terminação em confinamento, seguindo as práticas corretas, proporciona a redução das emissões e tem viabilidade. O sistema, no caso da Carne Carbono Neutro, não é capaz de neutralizar todas as emissões, mas a redução é significativa. E o que é muito importante para o pecuarista, o desempenho animal é muito bom”, afirma a pesquisadora Giovana Maciel, da Embrapa Cerrados (DF), responsável pela condução do experimento.

Considerando as fases de recria e terminação, o uso dos protocolos CCN e CBC promoveu a redução na emissão de metano entérico, de 2% a 5%, e o aumento na produtividade, de 4% a 8%, respectivamente, em relação ao manejo tradicional.

Com esses resultados, o pesquisador Roberto Giolo, da Embrapa Gado de Corte (MS), ressalta a importância do manejo de pastagem, com a aplicação dos protocolos CCN e CBC, e que mesmo em rebanhos de alto padrão genético se mostrou eficiente, com melhoria na produtividade e redução das emissões de metano entérico no pasto.

Marcas com sustentabilidade

As marcas Carne Carbono Neutro (CCN) e Carne Baixo Carbono (CBC) atestam que a produção de bovinos de corte em sistemas pecuários neutraliza ou reduz, respectivamente, a emissão do metano entérico.

A primeira, com introdução obrigatória de árvores no sistema de produção (ILPF ou silvipastoril), considera o carbono sequestrado e armazenado nos troncos e sua utilização como produtos de madeira com valor agregado.

A segunda produz animais cujas emissões de metano foram mitigadas pelo próprio processo produtivo, por meio da redução na idade do abate, da melhoria da dieta e do aumento do estoque de carbono no solo, resultante da adoção de boas práticas agropecuárias envolvendo recuperação e manejo sustentável das pastagens e sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP).

O Protocolo CBC deverá ser disponibilizado ao público na plataforma Agri Trace Rastreabilidade Animal, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em 2024. Para aderir à certificação, a propriedade deverá, já na auditoria inicial, estar em conformidade com os 20 requisitos mínimos obrigatórios para sua implantação, de um total de 67, que serão requeridos progressivamente ao longo de auditorias bienais. O CCN está disponível nessa mesma plataforma desde 2020, à disposição dos pecuaristas interessados.

Ao final de 385 dias de prova, o ganho de peso final do rebanho foi elevado: 346 quilos para os animais na área de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), dentro do protocolo Carne Carbono Neutro; 359 quilos para os animais na área de ILP, no protocolo Carne Baixo Carbono, aos 21,5 meses de idade – um aumento de 4,2% e 8,1%, respectivamente, em relação ao rebanho em manejo padrão da ABCZ.

“O maior benefício dos dois protocolos é, sem dúvida, a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e, ainda, com um aumento no desempenho individual. Apesar de não ter árvores no sistema ILP, o ganho de peso foi ligeiramente superior ao alcançado no sistema ILPF e os dois foram superiores ao rebanho-testemunha que mantivemos nas outras áreas de pastagens da fazenda”, afirma a pesquisadora.

Lauro Almeida, gerente de melhoramento da ABCZ, conta que, no período em que ocorreram os testes, a média de idade de abate no Brasil ainda era de quatro anos. “Nesse programa, obtivemos o peso ideal antes de 22 meses, o que mostra que é possível reduzir esse prazo para menos da metade em relação ao que se emprega no País”, complementa.

Da entrada no pasto às avaliações de carcaça


As avaliações dos rebanhos fizeram parte do Programa Zebu Carne de Qualidade (PZCQ), desenvolvido pela ABCZ desde 2020. Na terceira edição da prova, realizada entre 2022 e 2023, foi acrescentada a mensuração da emissão do metano entérico.

Os cálculos foram feitos seguindo a equação desenvolvida pela Rede Pecus, da Embrapa, utilizada para os protocolos CCN e CBC. Para estimar a emissão de metano entérico, são considerados a qualidade da dieta (pasto + ração), a ingestão de alimento e o ganho médio diário dos animais.

Para a prova, foram recebidos 147 animais, todos resultados de cruzamentos entre Nelore e outras raças: 32 Brahmanel (Brahman/Nelore); 32 Guzonel (Guzerá/Nelore); 25 Sindinel (Sindi/Nelore); 26 Tabanel (Tabapuã/Nelore), adquiridos por sua excelência genética.

“Seguimos as diretrizes dos dois protocolos: CCN e CBC. Apenas as etapas que não interferem no sistema de produção, como a rastreabilidade do produto, não foram realizadas”, explica Maciel.

Desses animais, foram selecionados 32, oito de cada cruzamento, e divididos em dois grupos – um para a área de ILPF e outro para a de ILP. A fazenda, com 20,3 hectares de pasto de braquiária brizantha BRS Paiaguás, foi dividida em oito piquetes. A área de lavoura e pecuária foi implantada com milho para silagem consorciado com capim.

Já a área de integração lavoura-pecuária-floresta foi composta por quatro espécies arbóreas: teca, eucalipto, mogno e nim. Os demais animais continuaram nas áreas comuns, seguindo o manejo rotineiro da ABCZ e os dados gerados a partir de seu desempenho foram utilizados para comparação dos resultados.

Os animais entraram no sistema com idade entre seis e oito meses, logo após a desmama. No início da estação seca, em maio de 2022, foram iniciadas as avaliações no pasto, onde ficaram por 280 dias, sendo metade desse tempo no período da seca e, a outra metade, no período das águas.

Após esse período no pasto em recria, os animais seguiram para a etapa de confinamento, com duração de 105 dias. Os bovinos foram alojados em currais de confinamento compostos por cochos eletrônicos e balanças de pesagem. Todo o período do teste durou 385 dias.

Para Almeida, os resultados foram muito positivos: “Os trabalhos científicos da ABCZ mostram ao mundo a eficiência e a sustentabilidade da genética zebuína para a pecuária tropical. Conseguimos bons resultados em uma fazenda eficiente. Esse modelo se mostra viável economicamente e pode ser replicado em todo o Brasil.”

O técnico da ABCZ enfatiza que o principal ponto para melhorar a eficiência produtiva da atividade pecuária é um bom planejamento que garanta a suplementação da dieta do rebanho no período da seca. “O pecuarista tem que trabalhar com a previsão de volumoso para seca, que pode ser silagem de milho, sorgo, cana-de-açúcar ou capim, além de animais com boa genética. Durante os três anos do programa, conseguimos resultados muito positivos. Os criadores podem adotar um manejo na fase de pasto e outro em confinamento para obter 1 kg de ganho de peso por dia, o que já é um excelente resultado”, explica.

Avaliação completa dos sistemas


O Programa Zebu Carne de Qualidade (PZCQ) também contou com a implantação de um sistema de gestão de custos da produção. “Durante os três anos do programa, foi feito o controle dos custos e das receitas, com o intuito de, além do resultado global, obter o resultado econômico, para saber quanto foi o custo por arroba produzida, a receita obtida e, consequentemente, o lucro”, conta Ricardo Brumatti, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), responsável pela atividade.

Na análise, foram computados os seguintes desembolsos: nutrição animal, entre silagem e suplementos minerais e proteicos; adubação dos pastos; sanidade dos animais; energia e combustível; folha de pagamento; e consultoria técnica.

Os resultados mostram que os sistemas CBC e CCN apresentam menores custos por arroba para o pecuarista, de R$ 252,44 e R$ 255,48, respectivamente, quando comparados ao rebanho-testemunha, com manejo adotado pela ABCZ, com custo de R$ 261,08. “Essa diferença se deve, basicamente, ao melhor desempenho produtivo do rebanho no CBC, uma vez que os animais foram mais eficientes no uso dos insumos, que foram os mesmos para todos os rebanhos”, informa o professor.

Os animais no regime CCN sentiram mais desconforto térmico na fase de confinamento (com sombreamento artificial) em relação à fase de pasto, pois durante a recria estavam em condição mais favorável em sistema ILPF (com sombreamento das árvores), conforme esclarece Giolo, o que se refletiu no custo de produção e no peso vivo final.

Brumatti destaca a abrangência do programa, visto que engloba a avaliação de diversos aspectos, como da genética, essencialmente zebuína, do sistema produtivo mais intensivo em pequena área, da questão econômica e, agora, da emissão de carbono: “Nós temos um pacote tecnológico com aspectos técnicos e a confrontação econômica muito próxima da realidade do produtor rural”, defende.

Após o abate, os animais foram avaliados em relação aos indicadores de qualidade da carcaça e da carne. Amostras de contrafilé foram analisadas pelo professor Sergio Pflanzer, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA/Unicamp).

Os resultados comprovaram o bom rendimento da carcaça, 56,1% (55% é considerado um bom índice); cobertura de gordura desejada pela indústria; bom desenvolvimento muscular; bom índice para carne aproveitável total, além da idade de abate – todos animais jovens.

A avaliação considerou a quantidade e a qualidade dos produtos. Como indicadores de quantidade, foram utilizados peso vivo do animal sem jejum; peso da carcaça quente; espessura de gordura subcutânea; área do olho do lombo; e carne aproveitável total. Já em relação à qualidade, os parâmetros se referem à idade de abate do animal, ao acabamento de cobertura, à gordura intramuscular e à maciez.

Emissão de GEE durante a pesquisa


As fases avaliadas com a aplicação dos protocolos foram a recria e a terminação. Entretanto, quando computadas as estimativas de emissões na fase de cria, durante os 595 dias do ciclo de produção, os animais do programa da ABCZ apresentaram uma intensidade de emissão (IE) de 142,36 gramas de metano por quilo de ganho de peso, enquanto no protocolo CCN e no CBC a IE foi de 99% e 97% desse valor, respectivamente. Ou seja, emitiram 1% e 3% menos nesses sistemas.

De modo geral, a média anual de emissão de metano entérico (CH4) dos animais dos três sistemas foi de 46,5 kg ou cerca de 17% abaixo do parâmetro utilizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que é de 56 kg de CH4/ano, indicando que todos os sistemas foram eficientes na redução da emissão de metano entérico.

“As emissões foram menores na fase de recria, o que evidencia o uso dos protocolos no manejo do pasto. Depois, na terminação/confinamento, a diferença diminui um pouco. De qualquer forma, nosso foco maior é no pasto (fase de recria), onde ficou bem clara a diferença em favor do uso dos protocolos”, comenta Giolo.

O pesquisador afirma que há potencial de melhoria no desempenho animal e, consequente redução das emissões de metano entérico em pasto. “Todavia, é necessário aprimorar o ajuste do pastejo nos últimos ciclos, principalmente para CCN”, informa. Os próximos passos são os cálculos referentes a carbono no solo e nas árvores, assim como os dados sobre consumo de água.

Acompanhamento econômico dos sistemas de produção


Considerando os custos de produção para os sistemas adotados para produção de carne, sob os protocolos Carne Carbono Neutro e Carne Baixo Carbono, a maior despesa foi com a nutrição do rebanho. “No entanto, os estudos registraram as oscilações que ocorreram no próprio mercado, tanto dos custos quanto das receitas”, ressalta Brumatti.

Entre a safra de 2020/2021, quando foi iniciado o programa, e a de 2022/2023, houve uma queda no lucro da fazenda. “O melhor resultado foi o da primeira safra, quando estávamos no início da pandemia e os preços ainda estavam estáveis. Na segunda, houve uma pequena queda na receita, mas um incremento muito grande nos custos produtivos; foi o pior momento da pandemia, com os fertilizantes e insumos nutricionais ficando muito caros – um aumento de 26% em relação à safra anterior”, lembra o professor. Já na terceira safra, os custos se mantiveram quase os mesmos, mas houve uma grande queda no preço da arroba, mais de 21%.

Brumatti destaca que esse resultado foi reflexo do que aconteceu no mercado nesse período: “O preço do boi gordo é dado pelo mercado. Na etapa do abate, o pecuarista está à mercê do mercado e o projeto sentiu a queda do preço da arroba no último ano. O projeto refletiu o que aconteceu com o produtor rural.”

No entanto, ele enfatiza que, por ser muito realista, o programa possibilita testar ferramentas que podem auxiliar os produtores: “É muito importante que os produtores possam analisar o fluxo de caixa, controlar os custos para ajudar nos momentos drásticos e fazer projeções do valor da arroba para calcular a diária do confinamento e saber qual é a receita mínima que ele precisa para cobrir os valores gastos naquela safra. Conseguimos fazer tudo isso durante as etapas da prova da ABCZ”, acrescenta.

Qualidade da carne é garantida com CCN e CBC


Após o abate, os rebanhos da fazenda Orestes Prata Tibery Jr. foram testados para verificar seu desempenho em relação à qualidade da carcaça e da carne produzidas. O professor da Unicamp conta que o objetivo foi averiguar a qualidade da carcaça que o pecuarista está oferecendo para o frigorífico e da carne que o frigorífico está oferecendo ao consumidor.

“O produtor rural recebe pelo peso da carcaça, então é importante ele saber de quanto será o rendimento do animal após o abate. Já o frigorífico busca carne com maciez, sabor e suculência, que é basicamente o que o mercado valoriza”, observa.

Pflanzer explica que os indicadores utilizados trazem respostas para essas questões. A idade de abate tem relação direta com a maciez da carne. A gordura intramuscular, também conhecida como mármore ou marmoreio, reflete-se também nesse quesito.

Os resultados mostram que os rebanhos tiveram bom rendimento de carcaça, 56,1%, que, segundo o professor da Unicamp, é um ótimo índice; presença de gordura desejada pela indústria; bom desenvolvimento muscular, expresso pela área de olho de lombo; e boa relação entre carne, osso e gordura na carcaça, ou seja, bom índice de carne aproveitável total. Já em relação à gordura intramuscular e à maciez da carne, os resultados têm relação com a própria genética das raças zebuínas.

“Com os protocolos, conseguimos atestar as aptidões do Nelore para produção de carne e carcaça de maneira eficiente, econômica e sustentável, capaz de atender à demanda nacional e mundial dos frigoríficos por proteína animal. O Brasil é um grande produtor de carne e mostramos que esses animais têm aptidão para fornecer carne a partir de um rebanho com qualidade genética”, conclui.