Agro
Como a tensão no Oriente Médio pode afetar o mercado agrícola
Tendência é de elevação dos preços de grãos, com suporte do petróleo, e de manutenção do "sobe-e-desce" no café no curto prazo
A guerra no Oriente Médio ganhou um novo e tenso capítulo no sábado (13), quando o Irã realizou um ataque a Israel. A ofensiva colocou o mundo, mais uma vez, em alerta. E, enquanto líderes internacionais discutem os rumos da situação, agentes de mercado pelo mundo devem calibrar suas posições em torno dos possíveis efeitos econômicos de uma nova escalada do confronto.
“Haverá estresse nos ativos esta semana, mas, no médio prazo esta situação se normaliza”, avalia o economista André Perfeito.
No curto prazo, diz ele, um dos principais efeitos dos acontecimentos do fim de semana deve ser uma forte alta dos preços do petróleo no mercado internacional. E os Estados Unidos tendem a não baixar as taxas de juros, contrariando expectativas do mercado e fortalecendo o dólar.
Na sexta-feira, quando a ação militar do Irã ainda estava no campo da ameaça, a moeda americana teve um dia de valorização global. No Brasil, o câmbio comercial fechou a R$ 5,12, alta de 0,61%, depois de variar de R$ 5,10 a R$ 5,14 ao longo da sessão. O Dólar Index, que relaciona a divisa a uma cesta de moedas, subiu 0,7%.
“Provavelmente, o primeiro impacto deve ser o do petróleo, que reflete nas commodities. O ambiente mudou por favores externos aos grãos que, provavelmente, devem influenciar neste começo de semana”, pontua o consultor de mercado Vlamir Brandalizze.
Na sexta-feira (12/4), o contrato de soja para maio na bolsa de Chicago subiu US$ 0,14, cotado a US$ 11,74 por bushel, mesma variação dos lotes para julho, que encerraram a sessão a US$ 11,86. Na semana, o grão acumulou baixa de 0,84% e, na parcial do mês, de 1,53%, de acordo com o levantamento do Valor Data, com referência no contrato de segunda posição no painel da bolsa, atualmente, julho de 2024.
Para o milho, a sexta-feira também foi de valorização em Chicago. O contrato com vencimento para maio de 2024 subiu US$ 0,06 e fechou cotado a US$ 4,35 por bushel. Os lotes para julho também tiveram alta de US$ 0,06, encerrando a US$ 4,47. Os números do Valor Data, também com base no contrato de segunda posição (julho de 2024) apontam alta semanal de 0,11% e queda de 1,6% na parcial do mês.
Brandalizze avalia que uma alta nos preços do petróleo, em um primeiro momento, as cotações dos grãos. Assim, o cenário mais provável é de valorização nos contratos de soja e milho, em vez de uma eventual correção de preços relativos em função de uma alta do dólar.
“O impacto deve ser positivo sobre as cotações. O efeito do dólar seria maior se o dólar frente ao Yuan (moeda chinesa) sofresse uma alteração, como as demais moedas. Mas, na China, ela não flutua. Então, o maior importador mundial é a China e, para ela, reflete pouco a pressão sobre o dólar”, explica o consultor.
Ele pontua também que o mercado de trigo pode seguir a tendência dos demais grãos e subir na bolsa de Chicago. O ponto principal de atenção é a Rússia, maior exportador global do cereal. “Eles (russos) têm uma relação mais próxima com o Irã e podem sofrer uma pressão grande. E como a Rússia vendeu muito no ano passado, está sentindo a inflação no trigo”, diz.
Neste cenário, o produtor brasileiro de grãos deve ficar atento, opina Brandalizze. A alta do dólar e das cotações na bolsa de Chicago significa uma reação positiva de dois dos principais componentes de formação do preço interno. Mas, de outro lado, a elevação da taxa de câmbio tende a encarecer os insumos, como fertilizantes e defensivos, o que pressiona os custos de produção.
“O produtor tem que começar a se preparar, porque a fase de baixa de custos com insumos está passando e pode ter reação. E, com o petróleo, tem ainda os preços de combustíveis. A Petrobras já está carregando defasagem em relação ao mercado internacional. Mais cedo ou mais tarde, vai ser repassado ao produtor”, alerta.
Café
Especialista no mercado de café, Eduardo Carvalhaes avalia que a ação do Irã contra Israel agrava uma situação que já estava confusa. Especialmente em relação às rotas comerciais. O transporte marítimo de mercadorias pelo Canal de Suez está prejudicado desde o início das ações de rebeldes Houthis, do Iêmen, na região.
“O quadro mundial é grave há bastante tempo. O ataque do Irã mostra claramente que não é tão cedo que essa situação do Mar Vermelho, do Canal de Suez, vai ser resolvida. E o mundo depende dali para suas trocas de mercadorias”, diz ele.
Na sexta-feira (12/4), o contrato de café arábica para maio na bolsa de Nova York (ICE Futures US) teve alta de 430 pontos e fechou a US$ 2,2465 por libra-peso. Os lotes para julho de 2024 subiram 310 pontos, valendo US$ 2,2045 ao final da sessão. Levantamento do Valor Data, com base no contrato de segunda posição (julho/2024) mostra uma valorização semanal de 4,48% e de 17,23% na parcial do mês.
Para Eduardo Carvalhaes, o confronto militar no Oriente Médio acontece em um momento que considera de “transformação” no mercado internacional de café. Além das questões geopolíticas, os estoques do produto estão em níveis considerados baixos e o consumo segue aumentando, especialmente na Ásia.
"Como as torrefadoras achavam que a safra brasileira seria maior neste ano e em 2025, utilizaram seus estoques, que já eram baixos, e foram surpreendidas pelos preços, que não caíram. O mundo está sem estoques, o consumo está crescendo e a indústria tem dificuldades de se abastecer”, analisa.
Na bolsa de Londres (ICE Futures Europe), o café robusta também subiu. Na sexta-feira, o contrato para maio teve alta de US$ 57 e fechou a US$ 3.900 por tonelada. Nas contas do Escritório Carvalhaes, o acumulado das últimas três semanas é de US$ 542 de valorização neste vencimento.
O contrato de café robusta para julho de 2024 fechou a sexta-feira com ganhos de US$ 62, cotado a US$ 3.852 por toneladas. Com base no vencimento de segunda posição na bolsa (atualmente, o de julho de 2024), o Valor Data aponta uma alta semanal de 4,3% e de 13,43% na parcial mensal.
A valorização do robusta está ligada, principalmente, à situação do Vietnã, segundo maior produtor mundial de café - atrás somente do Brasil – e principal fornecedor desta variedade ao mercado internacional. O clima desfavorável prejudicou o desenvolvimento dos cafezais, que sofreram perdas de produção.
“Os problemas climáticos não acabaram. E as incertezas estão aí, trazendo esses eventos extremos. É um problema mundial seríssimo”, ressalta Eduardo Carvalhaes.
Neste cenário, diz ele, a tendência, pelo menos neste primeiro momento, é de continuar o sobe-e-desce dos preços internacionais de café arábica e robusta.
“O único jeito de não ter um sobe-e-desce tão rápido, seria ter estoques de segurança para três, quatro, cinco meses. Sorte que o Brasil está conseguindo embarcar. Embarca e a situação continua a mesma. Sinal de que nossos concorrentes não estão conseguindo”, avalia.