Agro
Hortas urbanas abastecem restaurantes e projetos sociais
Na capital paulista, Urban Farm Ipiranga atende restaurantes premiados; na periferia de Santos, a Bons Frutos vende a preços mais acessíveis
Foi em 2016 que Cesar Bisconti começou a flertar com a agricultura orgânica. Na época viajava com frequência a Socorro, a 130 km da capital paulista, para visitar feiras orgânicas organizadas por produtores locais. Nessas ocasiões lembrava de sua avó falecida. “Ela tinha uma casa no [bairro do] Ipiranga, onde mantinha uma pequena horta e alguns pés de banana. Era amante da culinária e gostava de ter no quintal os temperos que usava para cozinhar”, lembra.
Foram dois anos de pesquisa sobre o tema, com a ideia de instalar na antiga casa da avó uma horta urbana. Até que, em 2018, Bisconti criou a Urban Farm Ipiranga, que nasceu a fim de mudar o uso de espaços ociosos dos grandes centros para a produção de alimentos sem agrotóxicos. Quase seis anos depois, a Urban fornece a restaurantes reconhecidos pelo guia Michelin.
“Nosso projeto propõe a valorização da biodiversidade regional e o resgate e preservação de hábitos culturais e alimentares”, afirma.
A horta ocupa um espaço de 6 mil metros quadrados, onde se colhem 1,2 mil quilos por mês de temperos, pepino, tomate, abóbora, e frutas como goiaba e amora, tudo em sistema agroecológico.
A iniciativa chamou a atenção de estabelecimentos da alta gastronomia. “Tudo começou com a Gabriela Barreto, proprietária do Chou e do Futuro Refeitório. Ela nos apresentou à Paola Carosella, que compra nossas cestas para abastecer sua casa e seus restaurantes”, conta Bisconti.
Além do Arturito, da chef argentina, a Urban Farm também fornece hortaliças, legumes e raízes aos ‘hits’ da culinária saudável Fitó, Banana Verde e Carrito Organic. Uma semana antes da colheita, disponibiliza uma lista com os produtos da estação para que os cozinheiros façam seus pedidos, entregues na semana seguinte à colheita. Segundo Bisconti, a segurança alimentar e a garantia da entrega são diferenciais que atraem estabelecimentos até a Urban.
Em paralelo ao cultivo de alimentos, o projeto tem um clube de compostagem em conjunto com os moradores do bairro do Ipiranga. “Em 2023, compostamos 120 toneladas de resíduos orgânicos que seriam destinados a aterros e transformamos em adubo. Há um ano utilizamos só o [adubo] que produzimos”, diz.
O que não é produzido na horta urbana, como alimentos de ciclo mais longo, é coletado com uma rede de 100 agricultores parceiros. Hoje, a Urban tem até opção de entregas semanais de cestas compostas por frutos, legumes, raízes e hortaliças da estação.
A cerca de 75 km dali, na periferia de Santos, um outro espaço de agricultura urbana gera renda e educação ambiental à comunidade do bairro de São Manoel. Implantada em 2014 por um grupo de voluntários, a horta comunitária Bons Frutos revigorou os fundos de um barracão abandonado — e cedido pela CPFL Energia há dez anos.
O espaço se tornou quintal de hortícolas e ervas, além de prover renda para aposentados ou desempregados da região. Diferentemente da Urban, a Bons Frutos produz para abastecer o mercado local e a população em situação de vulnerabilidade.
A voluntária Vilma Novetti conta que os preços são mais “justos e acessíveis” do que os de supermercado para estimular o consumo e a ideia da agricultura urbana.
Hoje, os 1,28 mil metros quadrados divididos entre as plantas e a composteira passam pela transição agroecológica, conta o professor e também voluntário Vinícius Sakamoto. “Educação ambiental e agricultura urbana são os pilares fundamentais do projeto. A ideia é que a comunidade tome posse, cuide e vá usufruindo do que produz na horta”, acrescenta.
Mais de 50 pessoas são envolvidas ativamente no manejo, colheita e comercialização. “O bacana da agricultura urbana é fomentar os circuitos alimentares de proximidade. A gente consegue fazer com que aquilo que é produzido na horta gere elo afetivo”, afirma.
A Bons Frutos tem auxílio da prefeitura de Santos, com assistência técnica na produção. Segundo Vilma, “a horta era o sonho do bairro” (...) “Minha expectativa é que se torne pedagógica, estimulando a alimentação mais saudável”, destaca.