Agro
Mudanças que encarecem o Proagro devem inviabilizar produção agrícola em Alagoas
Aumento da alíquota para 23% e diminuição progressiva da cobertura do seguro preocupam produtores de Sergipe, Alagoas e Bahia
A região da Sealba é composta pelos estados de Sergipe, Alagoas e Bahia e vinha crescendo a sua produção agrícola nos últimos anos. Na cultura do milho, por exemplo, a chamada terceira safra do cereal era cultivada em 511 mil hectares em 2018/19 resultando em 1,218 milhão de toneladas produzidas e tem projeção de 657,8 mil hectares e produção de 2,409 milhões de toneladas em 2023/24, de acordo com dados oficiais da Conab, um crescimento de 28,7% em área e 97,7% em volume nestes 5 anos.
Porém, todo esse crescimento pode estar fadado ao final após as novas resoluções do Plano Safra 2024/25 que elevaram as alíquotas dos antigos 8% para 23% a partir da próxima temporada, além de reduzir de 7 para 6 o número de acionamento do seguro em 10 safras e escalonar a porcentagem de pagamento de acordo com o risco de cada região no Zoneamento Agrícola.
Diretor da AgroEasy Consultoria & Soluções Financeiras, Jânio Zeferino da Silva, explica que essas alterações fazem parte de um “freio de arrumação” do Governo nas questões do seguro agrícola, tornando mais difícil o acesso ao Proagro visando diminuir o gasto público e as possíveis fraudes no sistema.
“Houve regiões que nas últimas 10 safras houve 10 acionamentos do seguro por perdas, então é uma maneira do Governo reduzir esse custo que é muito alto e evitar as fraudes, restringindo o programa à um número menor de produtores.
Antes mesmo das divulgações oficiais do Plano Safra e do Proagro, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, já adiantava, em entrevista coletiva, que haveria mudanças com estes objetivos.
“Nós tomamos seis medidas para garantir que o agricultor continue a ter o seguro, mas que esse seguro possa ser também melhor controlado para não haver vazamentos no seguro. É uma medida de gestão, estamos entregando um Proagro com melhor gestão, já que ele foi crescendo de uma maneira que o tesouro não consegue bancar esse crescimento do seguro agrícola. Nós temos que reconhecer que as mudanças climáticas estão sendo severas, nós não podemos brincar com isso e não brincamos. Por isso nós vamos fazer um seguro muito robusto, mas também com regras de gestão para que não tenha vazamento”, declarou o Ministro.
Na visão do Consultor em Seguros Agrícolas, Luiz Antônio Digiovani, essas alterações no programa realmente foram uma tentativa do readequar o Proagro e buscar diminuir o déficit deixado nos cofres públicos.
“Nos últimos anos havia um déficit grande entre o valor arrecadado pelas alíquotas e os valores destinados aos pagamentos das coberturas de seguro. Esse montante é imprevisível e acaba afetando o orçamento do governo. Quando havia esse déficit, o Banco Central precisava recorrer ao tesouro nacional para efetuar os pagamentos. Então, o Governo buscou maneiras de ajustar o programa com a alteração de algumas resoluções”, explica.
Produtor Rural no Sergipe e na Bahia, Gleiton Medeiros, acredita que a área de milho na região deva reduzir em mais de 50% para a próxima safra em 2025 após essas mudanças no Proagro e reduzir a movimentação da economia de muitas áreas nestes estados.
“Menos área implica diretamente em menos vendas de defensivos, fertilizantes e sementes. Depois, isso reflete em quedas na venda de diesel nos postos, menos circulação de dinheiro no comércio local. O preço do arrendamento e da terra também vai cair, porque vai diminuir a procura”, diz.
Anderson Souza, Produtor Rural na Bahia e no Sergipe, destaca que esses novos valores tornam a produção na região praticamente inviável e devem ter reflexos em várias etapas da economia local como, mercadinhos, borracheiros, eletricistas, pedreiros, insumos e máquinas.
“Somando esses 23% do seguro rural, mais 8% do custeio no banco e 1,5% do projetista, já são 32,5% de gasto logo de partida. Aí de cada 3 safras 1 é perdida, então vai haver um freio grande no avanço de áreas, terras do sertão que estavam avançando muito, se desenvolvendo e trazendo emprego”, pontua.
A partir dessa próxima temporada, o pagamento do seguro, caso acionado, também irá mudar, sendo pago de maneira escalonada pelo percentual de risco do zoneamento agrícola. Áreas com risco 20% continuam recebendo 100% do pagamento, mas localidades com risco de 40% vão receber apenas 50% da cobertura.
“Cada município, cultura e tipo de solo recebe uma classificação de risco pelo Zoneamento Agrícola, então esse desconto vai depender muito de região para região e de tipo de solo para tipo de solo. Do ponto de vista do produtor, uma dificuldade que surge é ele se preparar para iniciar o plantio em uma data que tem risco menor, mas a chuva atrasar e ele conseguir plantar apenas com o risco maior”, diz Digiovani.
“Se tem risco alto a possibilidade de haver perda é grande, então o governo não que pagar o total. Antes o Proagro cobria o risco sozinho e agora vai dividir o risco com o produtor”, pontua Zeferino.
Outra mudança destacada pelos produtores é a redução no número de safras em que pode haver o acionamento do seguro, especialmente no caso de áreas divididas em vários produtores. “Tem uma área que é dividia em 5 produtores, se tiver um ano ruim, os 5 Proagros em um ano já vão inviabilizar um novo pedido nos próximos”, aponta Souza.
“Existe uma quantidade máxima de acionamento do Proagro. Se frequentemente o produtor financia e, todo ano tem perda, o Governo começa a questionar se ele está plantando uma cultura adequada para a região e em uma data adequada. O mesmo CPF não pode ter mais de 5 comunicações ao seguro de 2020 para cá, mas as vezes, no mesmo terreno, mesmo com vários CPFs, também há esse limite”, explica Digiovani.
Em seu caso pessoal, Medeiros conta que possui lavouras em duas regiões distintas, no município baiano de Pedro Alexandre e no sergipano de Japaratuba. Agora, com essas alterações, deverá deixar de cultivar nas regiões do sertão e apostar somente nas áreas mais próximas ao litoral, que tem risco de zoneamento agrícola menor.
“É botar o pé no freio. A maioria dos produtores não tem essa estrutura para conseguir outros recursos e muitos vão sentir esse impacto. Aqui na região estavam surgindo muitas empresas para terceirizar os trabalhos de plantios e elas vão quebrar também”, lamenta.
Para Souza, que possui lavouras no município sergipano de Frei Paulo e no baiano de Paripiranga, o cenário à frente é similar.
“A região de Frei Paulo é muito boa e difícil de perder, mesmo assim, vou diminuir a parte do banco, mas o risco é mais baixo. Já a área do sertão vai ir ficando de lado. Muita gente está pensando em diminuir ou parar, devem continuar por um momento para manter os compromissos que já estão assumidos, mas a tendência é ir diminuindo e parando”, relata.
“Essas mudanças valem para o Brasil inteiro, todas as regiões e todos os municípios. Não dá para dizer que uma região vai ser mais afetada do que a outra, isso vai depender caso a caso. A alternativa nesses casos é buscar seguros privados, mas é preciso verificar a viabilidade dessas operações, já que as seguradoras também vão enxergar os altos riscos dessas localidades”, opina Digiovani.
“Na Sealba existem microrregiões de alto potencial produtivo, mas infelizmente o justo acaba pagando pelo pecador. O seguro agrícola nessa região é muito difícil porque, em geral, são pequenos produtores que não tem muita possibilidade de buscar resoluções próprias. A única possibilidade para manter a produção seria, daqui para frente, seguir sem usar a cobertura do Proagro, fazer o custeio próprio e ir se readequando para que, ao longo do tempo, o sistema girar corretamente e esperar que volte essa cobertura”, conclui Zeferino.
Por que há tanto risco na Sealba?
Como Luiz Antônio Digiovani, Consultor em Seguros Agrícolas, explicou à cima, essas mudanças valem para todas as regiões brasileiras. Mas então por que o caso dos cultivos nestes estados Sergipe, Alagoas e Bahia é tão alarmante?
De acordo com Felippe Reis, Analista de Culturas da EarthDaily Agro, a região da Sealba possui características climáticas que elevam o risco de perdas nos cultivos agrícolas.
“Comparativamente, de fato essa região recebe um menor volume de chuvas do que as principais regiões agrícolas do país, como o Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Portanto, um volume de chuvas abaixo da média para a região da Sealba pode resultar um impacto negativo maior para os produtores desta área em comparação com os produtores do Sul. Mas vale lembrar que podemos ter impactos do fenômeno climático La Niña, que resulta em chuvas acima da média para o fim do ano em diversas áreas do Norte/Nordeste do país além de, possivelmente, resultar em precipitação abaixo da média para o Sul do Brasil”, explica.
Essas condições são as responsáveis por elevar as classificações de risco dentro do Zoneamento Agrícola, como explica Pedro Ronzani, Líder de Negócios LATAM da EarthDaily Agro.
“O Zoneamento de Risco Climático no Brasil (ZARC) leva em consideração aspectos climáticos (além de fatores como tipo de solo e ciclo de duração da cultivar) para definir qual a época de semeadura mais indicada para determinada cultura em um dado local. Quanto maior a chance de haver perdas em decorrência de falta de água durante o ciclo da cultura, maior o nível de risco calculado. Este cálculo, por sua vez, é feito para decêndios de datas de plantio com base em dados meteorológicos históricos. Então no caso de boa parte da região denominada como Sealba, há uma chance razoável de perdas em função de déficit hídrico, que se traduz neste nível mais elevado na tábua de risco do ZARC”.
Na visão de Ronzani, os produtores da região precisam levar em conta essas novas dificuldades na contratação do seguro rural, mas também precisam considerar outros fatores que podem, ainda assim, viabilizar a produção rural na localidade.
“A região ainda é tida, sob vários aspectos, como uma fronteira agrícola, e embora os tetos produtivos sejam, na média dos anos, prejudicados por uma condição climática mais errática, os produtores do Sealba contam com outras vantagens competitivas para que sua produção tenha uma rentabilidade interessante, especialmente pela proximidade de centros consumidores e logística facilitada para portos, o que tende a valorizar os grãos produzidos e melhorar os custos de diversos insumos. O seguro agrícola é uma ferramenta essencial para garantir a perenidade e sustentabilidade do cultivo de grãos na região, porém deve ser analisado sob um espectro mais amplo que inclua outras técnicas de minimização de riscos para os produtores, como adequado pacote tecnológico e monitoramento de tendências climáticas trimestrais para tomada de decisão”, opina.