Agro

Primeiro caso de vassoura-de-bruxa da mandioca é identificado no Brasil

A doença é causada por um fungo de ocorrência inédita no País.

Por Embrapa 26/08/2024 09h09
Primeiro caso de vassoura-de-bruxa da mandioca é identificado no Brasil
A doença foi constatada nos plantios de mandioca das terras indígenas de Oiapoque, município do estado do Amapá, localizado na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa - Foto: Adilson Lima

A partir de análises biológicas e moleculares, a Embrapa Amapá e a Embrapa Mandioca e Fruticultura confirmaram ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) o primeiro relato da presença, no Brasil, do fungo Ceratobasidium theobromae, também conhecido como Rhizoctonia theobromae, causador da doença “vassoura de bruxa” da mandioca. O patógeno foi confirmado por laudo do MAPA, por meio de análise de identificação da espécie realizada por equipe deste Ministério.

A doença foi constatada nos plantios de mandioca das terras indígenas de Oiapoque, município do estado do Amapá, localizado na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. A presença de Ceratobasidium theobromae representa risco de significativa redução na produtividade das plantas de mandioca afetadas. Até o momento, este fungo não foi detectado em outros hospedeiros no Brasil.

A "vassoura de bruxa" tem este nome porque deixa os ramos das plantas secos e deformados incluindo nanismo e proliferação de brotos fracos e finos nos caules, parecidos com uma vassoura velha. Com a evolução da doença é comum a ocorrência de clorose, murcha e seca das folhas, morte apical e morte descendente das plantas.

A dispersão de Ceratobasidium theobromae pode ocorrer por meio de material vegetal infectado, ferramentas de corte, além de possível movimentação de solo e água. “A movimentação de plantas e produtos agrícolas entre regiões pode facilitar a dispersão do patógeno, aumentando o risco de infecção em novas áreas”, alerta a Nota Técnica da Embrapa (aqui na íntegra).

Pesquisadores do Centro Francês de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento Internacional (CIRAD/França), em parceria com o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT/Colômbia), coletaram e isolaram Ceratobasidium theobromae em áreas afetadas com sinais similares na Guiana Francesa, próximas à fronteira com o Brasil e o Suriname.

A Embrapa destaca também que a detecção de Ceratobasidium theobromae no Brasil requer cooperação imediata entre agentes de assistência técnica, órgãos de defesa vegetal estaduais, pesquisadores, agricultores e autoridades governamentais, como uma prática fundamental para implementar medidas efetivas de contenção, manejo e controle, a fim de garantir a segurança e sustentabilidade da produção agrícola. A descoberta da Embrapa pode contribuir com o avanço científico das pesquisas relacionadas para o melhoramento genético da mandioca e recomendação de medidas para o controle da doença.

Recomendações para diminuir o impacto

Para diminuir os impactos da nova doença, a Embrapa recomenda estratégias que vão desde o protocolo de detecção precoce do patógeno, uso de manivas de comprovada sanidade, boas práticas agrícolas, entre outras, envolvendo os diversos agentes que atuam nas respectivas recomendações:

1. Monitoramento e Vigilância: Intensificação do monitoramento das áreas de cultivo para identificação precoce de sintomas.

1.1. Estabelecer protocolo de detecção precoce do patógeno via PCR e/ou via sequenciamento por HTS em suporte às ações de monitoramento e vigilância

1.2. Acreditar laboratórios para a realização do diagnóstico e indexação para patógenos de importância para a cultura

2. Quarentena: Implementação de medidas de quarentena para restringir a movimentação de material vegetal de áreas afetadas.

3. Manivas sadias: Uso de manivas com comprovada sanidade, e produzidas em regiões sem a doença, ou em condições que não permitam o desenvolvimento do patógeno (ex. câmaras térmicas, viveiros e estufas)

4. Tratamento Químico: Uso de fungicidas específicos para controlar a dispersão do patógeno, conforme regulamentações locais.

5. Práticas Culturais: Remoção e eliminação por queima de plantas doentes como forma de reduzir o inóculo nas áreas afetadas e diminuir a incidência de novas plantas infectadas.

6. Assepsia / sanitização de ferramentas utilizadas para a destruição das plantas com sinais da doença. Lavagem com água e detergente e em seguida a sanitização com solução de hipoclorito de sódio a 1,25%.

7. Realizar o ensacamento e rápida lavagem de roupas, calçados e chapéus e ou bonés utilizados nas visitas em áreas afetadas pela doença, de forma a evitar a disseminação de esporos para outras regiões do país.

8. Elaborar publicações, vídeos e cartazes para o esclarecimento do público em geral sobre os sinais e modos de transmissão da doença.

Histórico de coleta do material infectado

Em março de 2023, uma equipe da Embrapa Amapá participou da 29ª Assembleia de Avaliação e Planejamento dos Povos e Organizações Indígenas do Município de Oiapoque (APIO), evento realizado pelo Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO). A instituição de pesquisa foi demandada para avaliar e realizar ações, dentro das suas atribuições, visando amenizar a ocorrência de doenças que atingem os plantios de mandioca. Na semana seguinte, uma equipe constatou in loco os sinais compatíveis com a doença ‘vassoura de bruxa’ da mandioca nas aldeias indígenas Ahumãm, Anawerá, Tuluhi e Tukay.

Posteriormente, os mesmos sinais foram detectados nas aldeias Kuahí, Ywawká, Karibuen, Kuai Kuai, Ariramba, Galibi, Lençol, Manga, Zacarias e Japiim. De acordo com a Nota Técnica da Embrapa Amapá, por ocasião da detecção dos primeiros sinais da doença, hastes de mandioca infectadas foram transportadas para o laboratório de Proteção de Plantas da Embrapa Amapá, visando o isolamento do provável agente etiológico da doença em condições de laboratório.

Análise molecular do fungo

Com a evolução dos sinais de doenças nas roças dos indígenas do Oiapoque, novas amostras de plantas infectadas foram analisadas no Laboratório de Fitopatologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura (Bahia), visando realizar a diagnose molecular do agente causal deste novo surto epidêmico no estado do Amapá.

As amostras foram então liofilizadas e preservadas em -80 °C para as análises de sequenciamento profundo (Deep sequencing) em sequenciadores de alta performance (High-Throughput Sequencing) em plataformas Illumina e Nanopore, em parceria com a Coleção Alemã de Microrganismos e Culturas Celulares (Deutsche Sammlung von Mikroorganismen und Zellkulturen - DSMZ), na Alemanha.

Em seguida foi feito o sequenciamento de amostras conjuntas (pools) com base nos diferentes tecidos coletados (folhas, pecíolos e hastes), e a comparação entre os patógenos com maior concordância entre estes, presença de patógenos endêmicos e de importância para a cultura, bem como de potenciais patógenos não relatados no Brasil.

Um conjunto grande de patógenos e organismos endofíticos foi detectado pela técnica empregada e que estão associados à cultura, mas nunca relatados associados aos sinais observados in loco, exceto para o Ceratobasidium theobromae, um fungo nunca antes relatado no continente Americano.