A realeza nas páginas da revista
O Brasil já foi governado por uma monarquia diferente. Sim, houve uma época em que reis e rainhas eram eleitos pelos seus fãs. Ganhava a tão sonhada coroa quem tivesse o fã clube mais fervoroso ou um patrocinador de peso. Nessa época, a televisão era coisa de outro mundo, e quem tinha voz era rei, ou rainha, os trinados eram o passaporte para a elite radiofônica carioca, que trazia prestígio e popularidade num país de dimensões continentais como o Brasil. Mas, me perdoem os marmanjos, toda a graça estava mesmo nas Divas.
O Rádio produzia as verdadeiras musas. Luxo, glamour e fãs enlouquecidas, tudo isso fazia parte do séquito das cantantes. Marlene e Emilinha, uma rivalidade digna das mais altas cortes, uma Favorita da Aeronáutica, a outra, Favorita da Marinha. As forças armada tomando partido de suas soberanas. Dalva de Oliveira e sua voz de pássaro ferido em canções emocionadas. Carmem Miranda antes de ser a Bombshell. As Irmãs Batistas, Linda e Dircinha, preferidas por presidentes. E tantas outras vozes que enchiam as salas onde as pessoas estariam juntas em torno da peça mais importante da sala: sua majestade, O Rádio.
A família reunida, esperando seu programa preferido, esperando ouvir: "a minha, a sua, a nossa... Emilinha Borba" que era o sinal para a entrada de um mundo mágico e inacessível para a maioria. Ao célebre bordão, utilizado para chamar a maior de todas (ops, que não me ouçam os fãs da outra), seguia-se entre rivalidades, auditórios, casting estrelados, a grande Rádio Nacional, a casa dos maiores artistas da época.
De tantos astros, era fremente a necessidade de dar corpo àquelas vozes. Surge aquele que seria o arauto da diversão e informação. Algo que serviria a todas as classes, dando plumas e brilhos às intérpretes daquelas canções que embalavam todos os ritmos, desde as deliciosas marchinhas de carnaval até a mais tenebrosa dor-de-cotovelo.
Rodrigo Faour, jornalista, pesquisador, escritor e produtor musical, nos brinda com a carreira daquele que foi o meio de maior divulgação dos artistas na época: A Revista do Rádio. O livro traça o panorama de vida do periódico, desde seu número de lançamento, que começou a circular em 1948, até o último, editado em 1970. São história e mais histórias, algumas pitorescas, outras que hoje são ingênuas, outras tantas inventadas para manter o mistério e a aura de fama dos astros e estrelas. Um brilho fabricado e mantido todas as semanas, alimentando e aumentando o frenesi dos admiradores.
Um registro moral e artístico de uma era de ouro. A precursora de todas as revistas de celebridades, da ferina Candinha (protótipo das colunistas de fofoca da atualidade), ao singelo Diário da Emilinha (e de outras), a Revista do Rádio era um guia para toda a programação e rotina dos artistas. Ser capa da revista era sinônimo de prestígio.
Num país que muitas vezes prefere não ter memórias, ou apagar os vestígios da história, o autor nos brinda com esse registro verídico, leve e divertido. É a radiografia de uma era pulsante, de brilhos e talentos, uma época de esplendor.
Fechando o livro, num final rápido demais, tal qual o apagar dos refletores, numa última e inebriante cena, deixa aquela saudade do não vivido, tão forte, nos convidando a fechar os olhos e viajar nas ondas do rádio, num auditório enfumaçado, olhos vidrados na cortina que se descerra aos poucos, ansiosos, esperando, coração aos pulos... e como diria a Candinha: "Vocês não acham?"