Adalberto Souza

CULTURA

O que esperar na sala de espera

16/10/2014 16h04

Com o passar dos anos, tenho ficado mais seletivo. Tenho perdido facilmente a paciência com livros que não me prendem logo nas vinte primeiras páginas. Olhando a pilha dos começados em comparação com a dos lidos, sempre tomo um susto.

Gosto de livros pesos pesados. Aqueles que me põe em nocaute, me desmontam e remontam. Gosto de livros que me pegam de surpresa, rajada de vento inesperado num ônibus lotado.

No rastro desse Mastodontes na Sala de Espera, (CRISALIDA, 2011),    fui pisoteado várias vezes. Na primeira leitura, apressada e nervosa, ainda sem saber muito bem o que pensar, idas e voltas, até a outra leitura, pausada e ... Ah! Era isso? Era preciso estar na sala de espera para descobrir os descaminhos, todos cheios de pista (é bom lembrar) traçados pelo poeta.
 
Labirinto de vertiginosos encontros e surpresas, onde “tudo conta ponto contra” (p.38), ou conta a favor se você não faz questão de se aventurar numa sala enganosa de espera, onde nada é apático. O autor em versos com humor e lirismo mostra que fazer poesia é dialogar com o outro, mesmo afirmando que “Há muito tempo não digo uma palavra./ Há muito tempo não ando pela rua./ Há muito tempo não sei mais o meu nome./ Há muito tempo deixei de respirar./ Minha cabeça agora boia/ numa panela de feijão.”(p.38) Como deixar de enveredar por essa imagem?
 
Bruno Brum é um tratador de versos, sua poética extrapola os limites físicos do livro. Claro, contundente, não existem excessos em sua escrita. Depois de dobrada as primeiras páginas, o desenrolar dos versos vai prendendo o leitor de forma inexorável, até mostrar que “Conforme imaginávamos, não era nada do que imaginávamos”. (p. 45).
 
E dessa surpresa, do risco de descobrir o que vem depois dessa sala de esperas, ou, para onde ir depois daqui, depois de estar sentado esperando, é nesse exato ponto onde Bruno Brum mostra que não saber é o que te dá aquela vontade de esperar o que vem na próxima página.
   
O autor brinca com as palavras. Parecem aço derretido em suas mãos. Ele as molda como bem entende em favor de sua poesia. Não existe a menor possibilidade de espera, o livro é para ser lido de um só fôlego, e depois com mais calma você vai fazendo uma análise, um rescaldo do que foi mudado no rastro desse mastodonte.

E na aventura final do quase término do livro o autor nos olha e diz, enfático e contundente, cheio da certeza que realça sua poética: “Esse mundo não é meu. / Esse mundo é dos anjos transformistas, / das crianças selvagens / e dos cachorros mancos.”

Cheio de certezas, porque, realmente esse mundo de sua escrita vai além de qualquer limite que tente conter sua força, uma força que reside em ser despojada do academicismo intragável e se impregna do sentimento que vai dialogar com o leitor, que já não é mais paciente, já não sente comodamente na sala de espera, depois da leitura de Mastodontes, ele com certeza, estará pronto para novos voos, e acima de tudo, estará disposto a ver que na maioria das vezes o maior indício de fazer ou não a menor ou maior diferença é “somente o fato / de ter sido // visto vivo”.

 


http://brunobrum.net/mastodontes-na-sala-de-espera/

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