Fantasmas não andam de montanha-russa: uma leitura por Sergio Veleiro
"Saltar de paraquedas, ser equilibrista em corda bamba, andar pela beirada do precipício. Ler “Fantasmas não andam de montanha-russa” é exatamente assim, uma experiência para nervos de aço e solidão de sobra. Corpo tenso, coração aos pulos. Quem nunca quis para além do infinito? Quem nunca quis mais e mais porque o pouco que havia já não bastava, já não preenchia o espaço imenso que a vida foi escavando. Me diz.
Não é um livro de passeio. É de mergulho. Não é para pensar, é para sentir. Esqueça todos os velhos conceitos, as teorias desgastadas pelo tempo, elas de nada mais servem nesse momento. Nesse livro o absurdo se instala, o caos nervoso e reparador das lembranças que nos formam aparece. E ele sou eu. E ele somos nós.
“São nos detalhes que me encontro” (pág. 24). Sim, nas pequenas coisas, a trajetória do indizível, o ponto de partida, a linha de chegada. E o que fica no meio entre essas duas extremidades? A certeza das breves palavras que o tempo não apaga e o corpo revela, ou o enigma que desafia o calor da pele (pág. 26).
E o bonde a nove pontos avança, comboio apressado, carruagem de fogo. Por alguém que “domine o meu silêncio e cale a minha boca” (pág. 31). Como ultrapassar isso? Como prosseguir depois de um verso como esse? Volto à casa dos tempos idos, ao quarto dos primeiros sonhos onde conversei com o secreto que ainda existe em mim, quando quis ser adivinhado no mais profundo desejo. O desejo de ser entendido sem nenhuma palavra por testemunha. Só o gesto, o banal gesto, o encostar de braços nas costas, o suspiro perto do ouvido e depois o silêncio. O imenso silêncio do afeto.
Eu senti logo no início da leitura que alguma coisa apontava para esse mergulho. Um verso, uma palavra, uma respiração por entre palavras. Talvez as sensações fugidias, como o cheiro que o fantasma deixa na casa, no corpo, na alma. Sim, esse fantasma, esse espectro, esse estranho (pág. 40), que também me habita, que também me olha no espelho e reflete a estranha confusão do que somos (págs. 54/55).
Caro Adalberto Souza, há em tua escrita um caminho bom a percorrer. Um caminho cheio de atalhos e desfiladeiros. Avanços e recuos. Diante do precipício olho o vazio do que ainda não foi dito, do que ainda não foi escrito, e me perturba o ruído das palavras suspensas, o barulho do silêncio da mágoa antiga que tanto lateja e tanto me envergonha (pág.70).
Saiba que tuas palavras encontraram destino por aqui. Abrigo. Caverna em noite de frio, sombra em dia de sol. E teu livro vai ficar guardado bem perto para uso, para desfrute, para redenção. Muito grato por isso, muito grato por fazer com que ele chegasse aqui onde vivo, onde sou, onde estou. E desatasse alguns nós da velha trama que construí, a que me desafia, a que também não consigo ser (pág. 92), personagens que somos. Fantasmas que somos."
Abraço forte,
Sergio-Veleiro
http://sergioveleiro.wordpress.com/2014/04/13/322/
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