Adalberto Souza

CULTURA

Que tipo de homem escreve uma história de amor?

06/07/2015 07h07

“Te falo de cadeira: largar emprego pra ser escritor é uma bobagem do século XIX. Romantismo decadente. É ridículo. Ninguém mais quer ler livro. Muito menos escrever. É difícil, chato, dói e não serve para nada. Se tava de saco cheio, por que não inventou um programa de aventura ou se candidatou a editor de um programa de esporte?” (p. 15)

Um livro dentro de outro livro, um romance poético ou um livro de poemas em forma de romance. Confesso que quando vi o título do livro de Luciana Pessanha, fiquei intrigado, Que tipo de homem escreve uma história de amor? (Rocco, 2015). É bastante curioso. Afinal sou desses que tem uma extrema curiosidade, sempre quero saber das coisas. 

Atirei-me ao livro com voracidade e em nenhum momento consegui parar de ler. Não sei se gostei da forma cativante do personagem principal, meio bêbado, derrotado, convicto de sua falta de importância, mas mesmo assim confiante de sua veia artística e crente de seu talento literário para escrever o melhor livro já visto ou da intromissão muitas vezes em forma de poemas de um outro personagem que nunca aparece, apenas seus diários são desbravados ou seus telefonemas mais enigmáticos do que esclarecedores que servem para enlouquecer ainda mais o protagonista.

Da extrema angústia e conformismo de Daniel (jornalista recém demitido, em busca de algo para sustentar sua absoluta falta de vontade com tudo que o cerca) a aparição fantasmagórica e providencial de Ana (antiga namorada, sempre presente nas coisas do apartamento emprestado providencialmente ao instável ex-namorado), o livro é um ótimo exercício lírico. Os poemas incidentais são belíssimos, dariam outro livro. Podem ser lidos separados do texto e isso não faria diferença na forma em que eles foram escritos. Frutos dos diários de Ana, de sua busca por sentido e lugar dentro de sua própria vida, acabam servindo de bússola para o romance combalido de Daniel.   

“A vida sempre lá.
Eu indo com as coisas como se não quebrassem.
Vou indo. Já vou.
Não escrevo, não penso, não dói.
Frivolidade tão humana
Instinto de sobrevivência
Quase angustia. Só quase.
Sempre.” (p.56)

Ao longo do livro outras pessoas vão aparecendo e trazendo outros desarranjos ao protagonista. Cria-se uma verdadeira órbita onde eles transitam e destilam suas verdades suspeitas e às vezes mais perturbadoras para o já não tão normal ex-jornalista. Aos trancos, ele vai escrevendo e para sua total falta de ideia para o tal livro que tenta escrever, vai aos poucos se valendo de um subterfúgio não tão ético. E ao longo da escrita o dilema vai num crescendo em proporção igual. 

“O que fazer com o mofo, que cresce do lado de dentro?
Como se evita a morte, ainda no embrião?
Eu, que morro todo dia,
quero perder a consciência.
Quero ganhar a corrida, a aposta, a briga.
Uns minutos de alegra,
Dois ou três, por dia, bem mendiga,
bastaria.” (p.68)

Em um momento da narrativa, Daniel, lança a seguinte pergunta “Quantas camadas de olhar são necessárias para contar uma história?”. Dependendo da trama, para tanto seriam abertas várias portas e em todas elas inúmeras possibilidades para desenrolar o destino de suas personagens. E eles são facetados para criar uma empatia imediata com o leitor. 

Um livro interessante, para ser lido aos poucos, degustando as várias nuances que são apresentadas. Leve, denso e um pouco inquietante, duvido que se você já tentou escrever algo e ficou horas olhando aquele papel em branco sem lhe dizer nada, não se identifique com o Daniel. Uma dica, depois da leitura, volte ao início e leia apenas os poemas, uma experiência interessante.

http://www.rocco.com.br/index.php/livro?cod=2592

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