Os impactos da guerra da Ucrânia no Brasil
A perspectiva global dos mercados financeiros é a busca por ativos que gerem segurança
A escalada da guerra entre Rússia e Ucrânia vem preocupando o mundo. Seja do ponto vista do flagelo humano que uma guerra provoca com perdas de vidas, seja pela destruição de famílias, valores, cultura, fome e a destruição patrimonial, ainda há o impacto na economia global, com sanções oriundas não só da Europa, mas de países que mantinham acordos comerciais com a Rússia.
Temos um claro risco de haver uma grande contaminação da economia mundial pela redução da atividade econômica, pelo enorme conjunto de interferência no suprimento global de produtos e dos seus preços. Segundo a pesquisa Sondagem da América Latina, divulgada nesta semana pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), as turbulências na Ucrânia vão agravar as incertezas causadas pela pandemia da Covid-19 que pairavam sobre a economia global nos últimos meses. No Brasil, os impactos deverão ser ainda mais intensos, pois temos uma maior exposição aos fluxos financeiros que o restante da América Latina e uma trajetória fiscal bem debilitada, com o dólar subindo e a bolsa caindo mais que na média do continente europeu.
A Rússia é a terceira maior produtora de petróleo do mundo e é o principal fornecedor de gás para a Europa. Como o Brasil adota política de alinhamento de preços ao mercado mundial, sofreremos repercussões diretas da subida de preços causada pelo conflito. O barril do petróleo já ultrapassou a barreira dos 100 dólares, o que não ocorria desde 2014. Analistas já expõem que, se o conflito bélico persistir por muito tempo, poderá atingir os 150 dólares. Em meio à alta do petróleo também teremos uma elevação no preço do gás.
A União Europeia é dependente da Rússia no fornecimento de gás. O conflito militar já impacta o fornecimento de gás natural da Rússia para a Europa no meio do inverno! O preço do gás natural no Brasil já subiu bastante nos últimos meses por estratégia da Petrobras de aumentar suas margens neste produto, apesar de muitos estados terem reagido a esse movimento.
A crise no mercado de petróleo também vai pressionar os preços dos alimentos e os custos da produção agropecuária brasileira, além do fato de a Rússia ser o maior produtor mundial de fertilizantes. Atualmente, o Brasil compra 20% dos fertilizantes do mercado russo e importa 65% de outros países, totalizando 85%. Já o trigo, importamos 60%, sendo a Ucrânia um fornecedor expressivo. Rússia e Ucrânia colocam, juntas, quase 60 milhões de toneladas de trigo em exportações no mundo. Além disso, a Ucrânia é o quarto maior exportador de milho do mundo.
A perspectiva global dos mercados financeiros é a busca por ativos que gerem segurança. Assim, o dólar vira vedete! O efeitos combinados relatados acima junto com a potencial valorização do dólar, causariam ainda mais pressão inflacionária e poderiam dificultar a já frágil retomada da economia brasileira.
E aí, obviamente, quanto mais durar esse conflito o impacto no câmbio poderá ser cada vez mais negativo ao Brasil em relação à inflação. Ele também tem seu impacto direto na volatilidade dos ativos do mercado financeiro como um todo. Sem falar nos mais diversos tipos de consequências econômicas relativas das políticas de retaliação adotadas pelo mundo em face da Rússia. Até o congelamento de ativos do Banco Central deles foi feito. Nunca antes medidas tão duras foram tomadas. Os ativos das reservas russas simplesmente não valem mais nada, asfixiando financeiramente o país. Dessa forma, o sistema bancário deles perderá sustentação, pois não poderá recorrer às reservas não conseguindo ressarcir os depositantes dada uma provável corrida aos bancos pela população. Cria-se assim uma crise bancária clássica na Rússia que, se demorar a ser revertida, pode trazer o caos social. Estes instrumentos têm impactos não só na solvência financeira das empresas e no governo russos, mas, também, em investimentos e negócios no mundo todo que tem a participação deles. O rublo está derretendo bem rapidamente. E não há sinais aparentes de socorro a eles, nem mesmo da China.
Adicionalmente, os EUA vêm colocando no horizonte um aumento da taxa de juros devido ao seu processo inflacionário, o que poderá afetar diretamente o Brasil que está com suas contas públicas fragilizadas e com perspectivas fiscais cada vez piores. Assim, esse conflito, mesmo que termine em breve, ainda terá repercussões diversas nos custos de insumos para produção de alimentos e na logística nos próximos meses. Sem falar na consequente subida dos preços de alimentos e combustíveis. O aumento do diesel irá interferir indiretamente no preço da comida ao ser repassado por meio de fretes mais caros. Ou seja, não tem nada de bom que possa sair de uma situação dessa.
E não será com medidas totalmente desestruturadas promovidas pelo Governo Federal e pelo Congresso no sentido de desonerar tributos, como a redução de 25% do IPI já editado ou medidas para desoneração total ou parcial de combustíveis fósseis que iremos conseguir segurar a subida da taxa de inflação. Medidas que só servem para fazer demagogia política e aumento do endividamento público.
A crise da Covid-19 e agora do conflito Rússia versus Ucrânia nos trazem lições importantes de logística e desenvolvimento tecnológico. Não se pode ficar absolutamente dependente de importações, como no caso dos fertilizantes, cuja a produção nacional foi absolutamente abandonada após a desoneração das importações deste produto através do convênio Confaz 100/97. Precisamos desenvolver programas e projetos de políticas públicas com base em estudos e planejamentos, que é diferente do intervencionismo econômico cucaracho que sempre vivemos no país. Assim, estaremos mais preparados para uma próxima crise e nosso povo sentirá menos.
George Santoro
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Advogado, professor, Mestre em Administração Pública pela Fucape Bussiness School, com especialização em Economia Empresarial e em Direito do Trabalho e em Previdência pela Universidade Candido Mendes, e em Administração pela Fundação Getúlio Vargas. Atua na gestão fiscal e financeira de Estados e Municípios há 28 anos tendo exercido diversos cargos de gestão superior.