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Grifes Nordestinas apostam nas tradições locais para escapar da crise

Apesar da recessão no setor, grifes de luxo vem abrindo espaço para o rústico e artesanal para lançar tendências

Por Redação 12/04/2022 16h04
Grifes Nordestinas apostam nas tradições locais para escapar da crise
Divulgação - Foto: Reprodução

Por Ana Clara Rangel

O Nordeste está ON. Sua moda, gastronomia, turismo e artesanato estão chamando a atenção do mundo por conta da franca expansão econômica que vem sendo registrada nos últimos anos. A região virou tendência no mundo da moda, inclusive entre as marcas de luxo mais famosas do mundo.

A clássica sandália de couro nordestina recentemente foi lançada pela Prada por 850 euros. O calçado é idêntico aos que são produzidos por artesãos do agreste de Pernambuco e vendidos em feiras por 60 reais. Mas, muito além das peças já reconhecidas pelo artesanato local, a moda nordestina também revela nomes de estilistas que ganham mercados e geram visibilidade para a região, como é o caso de Weider Silveiro, Isaac Silva e Martha Medeiros.

As criações desses estilistas e de itens que representam o Nordeste pode ser uma saída para a grave crise que se arrasta no setor de vestuário desde 2017. As indústrias brasileiras do segmento, em geral – e as do Nordeste, em particular – vinham se recuperando de uma recessão acumulada por pelo menos dois anos quando, em 2020, foram nocauteadas pela pandemia de Covid-19.

O Ceará foi o mais afetado nacionalmente, com uma queda de 30,5% de sua produção mensal, enquanto que a redução nacional média foi de 17% e 11,7% em 2020 e 2021, respectivamente, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). O desempenho do Estado é sintomático do que acontece em toda a região no setor da moda. O polo têxtil cearense é o maior exportador de vestuário do Nordeste, mas ainda tem baixa representatividade nacional tanto na produção (13% do país), quanto nas vendas externas (2% do total nacional destinado ao estrangeiro). Na média, o Ceará responde por metade do volume exportado pelo Nordeste.

A Paraíba é outro estado que se destaca na região, tanto na produção quanto nas exportações de itens de moda praia, jeans, fitness e lingerie. Segundo o Sebrae, que também reúne indicadores do setor, cerca de 7% de todas as empresas registradas na Paraíba se dedicam à moda.

As perspectivas da Abit para 2022 continuam sombrias para o setor, diante de um ano cheio de incertezas políticas (frente às eleições gerais no segundo semestre) e de inflação em alta, o que compromete o orçamento familiar e restringe as compras não-essenciais (além de itens de alimentação e saúde). A Associação projeta um modesto aumento de 1,2% da produção no setor em 2022, na comparação com 2021. O prognóstico é ainda pior para as empresas menores, diante das dificuldades de negociação com fornecedores. O setor experimenta um problema de desabastecimento de insumos, o que eleva os preços da matéria-prima – e, com isso, crescem também os valores dos itens que chegam no varejo. Em economias duramente afetadas pela crise econômica, como a do Nordeste, o baque na produção e nas vendas pode ser ainda maior.

Representatividade


Diante dos desafios que o setor ainda tem a enfrentar, a produção autoral na moda continua tentando encontrar caminhos próprios. É o caso de Weider Silveiro, um dos grandes nomes da moda do Nordeste e que vem conquistando o Brasil. O estilista é natural do Piauí e dono de uma marca homônima. Ele passou a figurar entre as principais revelações do mercado ao fazer parte do line-up da Casa de Criadores, em São Paulo, onde pôde exercitar sua criatividade e amadurecer por 15 anos.

A Casa de Criadores, criada pelo jornalista e estilista André Hidalgo, completa 25 anos de fundação em 2022. O evento promove desfiles em locais icônicos da capital paulista, além de debates que inauguram tendências na moda. Weider Silveiro sempre esteve em contato com esse mundo, graças à convivência com a avó. “Minha primeira inspiração ainda é ela, que era uma exímia costureira”, conta o designer.

Sua marca nasceu em 2002 a partir de um trabalho acadêmico na Universidade Federal do Ceará. Um dos principais incentivos recebidos por ele veio do governo cearense, por meio de projetos como o Dragão Fashion Brasil, maior festival de moda autoral da América Latina, realizado em Fortaleza.

Em 2021, Silveiro foi destaque também na 51ª edição do São Paulo Fashion Week (SPFW), marcando o amadurecimento comercial da marca. Mas, segundo ele, a presença de suas criações nos principais desfiles do País ainda não é suficiente para representar a região Nordeste de maneira eloquente. O estilista se ressente da falta de apoio do Piauí a profissionais que levam o nome do estado para o Brasil e para o mundo. Nomes como o do estilista baiano Isaac Silva, em sua avaliação, ainda esperam por uma valorização à altura da representatividade de suas criações.

Isaac Silva, nascido em Barreiras, no interior da Bahia, se formou há dez anos em Design e Gestão de Moda e produção de vestuário em São Paulo e criou sua marca homônima em 2015. “Como a indústria não me absorveu, eu mesmo criei a minha marca depois de uma grande pesquisa e planejamento”, comentou Isaac. Sua marca é jovem e se caracteriza pelo ativismo, desafiando o preconceito racial através de suas criações fluidas e modelagem democrática. As peças vestem diferentes corpos sem distinção de gênero e são regadas de referências afro-brasileiras e indígenas.

As produções de Isaac Silva, carregadas de mensagens e símbolos relacionados à espiritualidade, ganharam também visibilidade ao vestirem celebridades como Elza Soares, Taís Araújo, Djamila Ribeiro e Gaby Amarantos. Na edição 2021 do São Paulo Fashion Week, Isaac Silva apresentou uma coleção inspirada na Bahia, com um casting regional e diverso. Foi quando também revelou sua segunda colaboração com a marca Havaianas, após ter criado modelos exclusivos com inspirações afro-indígenas na coleção “Axé, boca da mata!”. A primeira cocriação com a marca de chinelos foi intitulada “Jacira, Flores para Iemanjá”, em que Isaac usou a clássica sandália branca de tiras azuis.

Outro nome em alta na moda autoral nordestina é o da alagoana Martha Medeiros. Ela confeccionava e vendia roupas de bonecas para suas amigas desde os oito anos de idade ao lado de sua avó, de quem puxou o dom para os trabalhos manuais.

Sua marca também homônima, nasceu em 2004. As rendas feitas à mão e produzidas exclusivamente por artesãs de comunidades no Nordeste se tornaram sua principal matéria-prima e impulso para a expansão em pontos de vendas espalhados pelo Brasil e exterior. Os trabalhos artesanais com a assinatura de Martha são hoje referência de promoção das tradições locais.

Sua primeira butique em São Paulo foi inaugurada em 2009, na região dos Jardins. Depois disso, seus modelos foram apresentados nas lojas Bergdorf Goodman, em Nova York, e na Harrods, em Londres. Participou ainda de uma exposição de rendas em Calais, na França, e passou a vender suas peças para clientes na Inglaterra, Estados Unidos e Oriente Médio. Em 2015, Martha inaugurou um ateliê exclusivo em São Paulo para a produção de vestidos de noivas, além de manter uma linha casual com modelos para o dia a dia e eventos informais.

No universo digital, o SuperApp Magalu vem investindo no mercado da moda. Em outubro de 2021, lançou uma marca própria, o Vista Magalu, com um espaço exclusivo ao mundo fashion no aplicativo. A partir de 31 de janeiro deste ano, surgiu a parceria com um hub de conteúdos, o Nordestesse, fundado pela jornalista de moda Daniela Falcão. A plataforma funciona como um ambiente colaborativo para documentar e ampliar trabalhos de empreendedores criativos dos estados nordestinos.

A parceria leva para o SuperApp Magalu 18 marcas nordestinas com produção autoral e artesanal. São elas: Catarina Mina, De Pedro, Meninos Rei, Ateliê Mão de Mãe, Gonzalo, Ole Rendeiras, Sau, Munira, Gefferson Vila Nova, Santa Resistência, MB Conceito, Dendezeiro, Firulinha, Grão, Sillas Filgueira, Azulerde, Baba e Soul Dila. As marcas possuem origem, identidade e processos de produção distintos, mas todas querem contribuir para o registro histórico de saberes ancestrais e culturas populares como forma de levar a representatividade da região para o Brasil e o mundo.

Por Danielle Santoro

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