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Mercado de carnes no Nordeste busca profissionalização

Novas plantas de abate, procura por maior qualidade dos produtos e certificações movimentam a cadeia produtiva da região, mas exportações ainda têm pouca representatividade

Por Redação 19/04/2022 16h04
Mercado de carnes no Nordeste busca profissionalização
Divulgação - Foto: Reprodução

*Por Kristhian Kaminski*
Especial para o Investindo por Aí

A região Nordeste ainda tem uma pequena representatividade quando se trata de exportação de proteína animal. Na lista dos maiores exportadores da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), o Maranhão figura em 11º lugar, com cerca de 2.300 toneladas de gado vendidas ao mercado externo no acumulado de 2022 – o equivalente a pouco mais de 9 milhões de dólares em valor FOB (sigla para Free on Board, medida usada para exportações e importações). A Bahia vem na 14ª posição, com 800 toneladas e 3 milhões de dólares em receita. Na 18ª posição está Alagoas, com apenas cinco toneladas exportadas no ano. Líder no ranking, o estado de São Paulo exportou mais de 115 mil toneladas, com receita de aproximadamente 700 milhões de dólares.

A região Nordeste ainda é importadora de carne bovina, especialmente da região Norte. Quando se trata de carne de aves e de suínos, a produção é ainda menos representativa. Já no tocante ao rebanho leiteiro, alguns estados como Alagoas já são autossuficientes na produção de leite e inclusive abastecem outros estados brasileiros.

Mas algumas iniciativas regionais podem colocar os estados nordestinos numa posição de maior destaque no médio e longo prazo. Como o mercado consumidor da região é enorme, com 60 milhões de consumidores, a produção ainda é praticamente toda voltada para o consumo interno e com ênfase no chamado mercado retalhista. Diversas empresas, porém, estão “profissionalizando” a produção na região e conquistando certificações e selos estaduais e nacional de inspeção, o que as credencia para atender não só outros estados como também o mercado externo.

É o caso da Masterboi, empresa com sede no Recife, que hoje possui duas unidades de abate de gado com capacidade instalada de 1.700 animais por dia. Todas suas unidades frigoríficas possuem SIF (serviço de inspeção federal) e são habilitadas a exportar para mais de 40 países. A Masterboi começou a operar este ano uma terceira planta em Canhotinho, município no agreste meridional pernambucano. Com um investimento de R$ 120 milhões, o empreendimento deve gerar 800 empregos diretos e mais 3.000 indiretos quando estiver operando a plena capacidade. A empresa está em processo de cadastramento de produtores de gado para abastecer a nova planta, o que contribui também para estimular a profissionalização da cadeia produtiva como um todo.

A Frango Favorito, empresa com sede em Alagoas, iniciou suas operações em 2015. Hoje, a empresa possui toda a cadeia de produção avícola que vem desde as reprodutoras, incubadoras e fábricas de rações, até granjas de frango e aves de postura de ovos comerciais, garantindo um controle de qualidade e rastreabilidade de todo o processo. Atualmente, a Frango Favorito atende os estados de Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte, através das suas duas unidades de abate. A empresa acaba de se tornar a primeira do estado a obter o selo SIF, o que lhe permitirá exportar seus produtos.

“O Nordeste está pelo menos 10 anos atrasado em relação ao Sul e Sudeste no que diz respeito à produção, industrialização e exportação de carnes”, comenta George Santoro, secretário da Fazenda do estado de Alagoas. “Acho importante a formalização e profissionalização do mercado. Nesse contexto, é muito bom vermos iniciativas de alguns empreendedores, saindo do mercado eminentemente retalhista para algo mais formalizado, com todo um controle sanitário”, acrescenta.

Atenta a isso, a Alagoas Ativos, autarquia estadual responsável por parcerias público-privadas e concessões, realizou em 2021 o leilão de um frigorífico na região de Viçosa, que passa ser operado pelo Grupo Campo do Gado. Além de Viçosa, o abatedouro frigorífico vai beneficiar a população e os pequenos, médios e grandes criadores de animais de outros onze municípios da região: Anadia, Boca da Mata, Cajueiro, Capela, Chã Preta, Maribondo, Mar Vermelho, Paulo Jacinto, Pindoba, Quebrangulo e Tanque D’Arca.

Nos últimos anos, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Alagoas (Faeal) vinha cobrando do Governo de Alagoas uma política de incentivo à construção de abatedouros públicos. O Governo do Estado investiu então R$ 9,6 milhões na construção do abatedouro frigorífico, que está disposto numa área de 26,4 hectares, com 2.341 m² de área construída. A capacidade de abate diário é de 50 bovinos, 50 suínos e 40 ovinos/caprinos.

“Fizemos um estudo de viabilidade desse abatedouro regional e entendemos que o melhor modelo seria o de concessão pública”, afirma Antônio Tenório Cavalcante Neto, diretor-presidente da Alagoas Ativos. Pertencente a uma tradicional família produtora de carne bovina no estado, ele considera a iniciativa uma “primeira onda” para colocar Alagoas numa posição de maior destaque em termos de produção de carnes. “Existe toda uma preparação da cadeia produtiva para a obtenção dos selos de inspeção estadual (SIE) e federal (SIF). Com isso, pode-se começar a estipular valores pagos pela qualidade da carcaça no Nordeste, e não por preço fixo, como é hoje. No Sul, por exemplo, o preço varia de acordo com a qualidade”, compara.

Cavalcante Neto também destaca o novo empreendimento da Masterboi em Pernambuco como um marco. “A empresa está cadastrando fornecedores e para atender a planta são necessárias várias certificações, o que instiga o produtor a ter qualidade”, avalia. Segundo ele, o estado de Alagoas já é uma referência em genética animal e se destaca por uma pecuária menos extensiva, com semiconfinamento com ração específica de alta qualidade, o que já permite aos produtores uma remuneração pela qualidade do produto.

O presidente da Associação dos Criadores de Alagoas (ACA), Domício Arruda Silva, concorda com a avaliação de Cavalcante Neto. “O mercado de exportação de carnes do Nordeste ainda está muito concentrado no Maranhão e na Bahia. Alagoas é um estado pequeno, mas tem se especializado em genética de gado de corte, leite e ovinos”, comenta. Ele acrescenta que a cana-de-açúcar sempre foi o principal produto de exportação do estado. Mas com a crise enfrentada pelo setor sucroalcooleiro nos últimos anos, diversas áreas estão migrando da produção de cana para a pecuária. A tendência de curto prazo, na avaliação de Silva, é que o abastecimento do mercado interno deva continuar sendo a prioridade. “Ainda há um espaço grande para crescer. Muitas redes varejistas, especialmente os chamados atacarejos, estão ampliando suas operações no Nordeste”, afirma.

A dependência do mercado interno tem seus desafios. Em função do atual cenário, o custo dos insumos está alto e os produtores se queixam por não estarem conseguindo repassar isso ao consumidor, que já reclama dos altos preços da carne nos mercados. Aumentar ainda mais os preços nesse contexto de crise poderia provocar uma queda significativa no consumo.

Por outro lado, o mercado nordestino reage bem sempre que há algum tipo de incentivo à economia, como o pagamento do auxílio emergencial pelo governo federal durante a pandemia da COVID-19. “O Nordeste tem um potencial gigantesco e qualquer medida de incentivo tem grande impacto no consumo da região. Uma coisa que falta, na minha opinião, é que os estados do Nordeste ajam mais integrados como um bloco de consumo, porque muitas vezes o mercado regional ainda é abastecido por produtores do Sudeste”, comenta o presidente da ACA.

Aloisio Barros Correia é um exemplo de produtor de gado que se especializou em rebanhos de alta qualidade. Há mais de 40 anos ele atua com seleção genética de gado nelore e, com isso, consegue uma precificação pela qualidade superior do produto. Junto com isso, ele defende o manejo sustentável da produção, com manutenção de reservas de matas nativas e a compensação da geração de carbono, entre outras medidas.

Para ele, no entanto, o mercado externo ainda está um pouco distante da realidade da maioria dos produtores no Nordeste. “Acho que estamos longe ainda da fase de exportação em Alagoas, somos importadores de carne oriunda da região Norte. Mas a região pode ser, sim, um polo exportador via Suape”, avalia. Sobre o atual cenário, Barros também destaca a alta do custo de insumos como um fator de preocupação. “O preço da arroba do boi está há 10 anos achatado e os custos só aumentaram nesse período. Eu vendo meu boi a cerca de R$ 20 o quilo, enquanto o preço chega a R$ 100 no varejista. Nesse mercado, ganha quem está no meio da cadeia – que tem a carne, o couro etc –, mas o consumidor muitas vezes acha que é culpa do produtor”, lamenta.

*Por Kristhian Kaminski

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