Exclusivo: Advogada da União explica nova lei de contratações públicas no Brasil
Dra. Michelle Marry é advogada da União e concedeu entrevista ao blog Negociando com o Governo
O cenário da Administração Pública está passando por mudanças significativas, e uma das mais notáveis é a proximidade da implantação definitiva da Lei nº 14.133/2021, que tem potencial para definitivamente revolucionar as contratações públicas no Brasil. Para entender melhor os impactos dessa legislação e as implicações para os órgãos governamentais, tive o privilégio de entrevistar uma renomada advogada, especialista em contratações públicas, que tem acompanhado na prática essas transformações.
Apresentando Nossa Entrevistada
Nossa entrevistada é uma profissional com um currículo impressionante. A Dra. Michelle Marry, Advogada da União desde 2007, acumula uma vasta experiência em questões relacionadas à legislação de contratações públicas. Atualmente, atua como Coordenadora-Geral do Departamento de Assuntos Extrajudiciais da CGU/AGU e Diretora substituta.
Além disso, nossa convidada possui uma sólida formação acadêmica, sendo pós-graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Sua busca pelo conhecimento não parou por aí, pois ela também é Mestre em Direito Constitucional pelo IDP.
Sua contribuição para a área vai além da atuação no serviço público. Ela é co-autora do livro "RDC - Regime Diferenciado de Contratações" e do livro "Tratado da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 14.133/21 Comentada por Advogados Públicos". Além disso, é autora de diversos artigos relacionados ao tema e uma respeitada professora e palestrante.
A seguir, você terá a oportunidade de conferir esta entrevista exclusiva, na qual nossa especialista abordará questões essenciais sobre a nova legislação licitatória e seus impactos na Gestão Pública.
Acesse a página pessoal da Dra. Michelle Marry clicando AQUI.
Entrevista:
Considerando a sua expertise em capacitação no âmbito das contratações públicas, como você avalia a importância da participação de autoridades públicas, agentes de contratação e procuradores em eventos como o 1º Congresso de Contratações Públicas do Nordeste?
Dra. M. Marry: Levando em consideração os artigos 191 e 193, inciso II, da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, a partir de 30.12.2023 sua vigência será plena, portanto, é fundamental a participação de autoridades públicas, agentes de contratação e procuradores em eventos como o 1º Congresso de Contratações Públicas do Nordeste para que possam aplicar a nova lei de licitações e contratos com segurança, especialmente, a jurídica.
É importante ressaltar também que o artigo 11, parágrafo único, da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, estabelece que a alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações, que no âmbito federal foi regulamentada pela Portaria SEGES/ME nº 8.678, de 19 de julho de 2021, a qual no seu art. 2º, inciso III, define governança das contratações como sendo um “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações públicas, visando a agregar valor ao negócio do órgão ou entidade, e contribuir para o alcance de seus objetivos, com riscos aceitáveis.” E no inciso I a alta administração sendo considerada como os “gestores que integram o nível executivo do órgão ou da entidade, com poderes para estabelecer as políticas, os objetivos e conduzir a implementação da estratégia para cumprir a missão da organização". Inclusive, o Tribunal de Contas da União já passou a responsabilizar a alta administração pela não implementação da governança das contratações (Acórdão nº 1270/2023), dessa maneira, não há dúvidas que saber aplicar a nova lei de licitações é fundamental não apenas para sua utilização com segurança jurídica, mas também, para evitar responsabilização dos gestores públicos.
Qual inovação da Nova Lei de Licitações você considera mais significativa quanto à atuação dos agentes públicos responsáveis pela operacionalização das licitações?
Dra. M. Marry: O papel do Estado na efetivação das políticas públicas vai ser alterado, e sua intensidade será medida de acordo com o modelo de Estado que venha a ser adotado.
Dessa maneira, no modelo atual de Estado, a sociedade civil passa a realizar, em parceria com o Estado, a prestação de serviços. Consequentemente, o que se observa hoje é a existência de um compartilhamento de responsabilidades pela efetivação das políticas públicas com a sociedade.
Assim, o Estado não deixa de atender à sua responsabilidade constitucionalmente prevista, como agente das políticas públicas, mas, agora, no papel de um Estado regulador das políticas públicas.
De um modo geral pode-se dizer que a Nova Lei de Licitações adotou como modelo de Administração Pública o gerencial, que está associada às transformações sofridas pelo Estado de acordo com o acima pontuado, isso quer dizer que ela parte do modelo de governança, no qual a preocupação é voltada para os fins a serem atingidos. Esse tipo de Administração Pública busca o controle de resultados dos agentes do Estado, que deve ser direcionado para os resultados pretendidos pelo Estado.
Nesse modelo existe a consagração do princípio da eficiência. Procura-se atuar em parceria com a sociedade civil e dar uma maior autonomia para as entidades da Administração Pública.
Nesse sentir, a adoção de meios alternativos de resolução de controvérsias, tais como, a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem podem ser considerados como inovações por terem sido incorporados ao texto de uma Lei de Licitações, bem como, o procedimento de manifestação de interesse (art. 81), o diálogo competitivo (art. 32), a possibilidade do prazo de vigência inicial nos contratos de serviços e fornecimentos contínuos ser de até 5 (cinco) anos de vigência podendo haver prorrogações de até 10 anos (arts. 106 e 107), o seguro-garantia com cláusula de retomada (arts. 99 e 102) que pode evitar as obras inacabadas mostram uma abertura maior da lei não só para o diálogo com o privado, mas, para que o foco seja no alcance do resultado vantajoso para a Administração Pública com o contrato firmado, o que resulta no atendimento ao interesse público.
Desse modo, a releitura da teoria das nulidades retirada do texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias e trazida para a Nova Lei de Licitações foi uma inovação significativa possibilitando que contratos que venham a ser reputados como nulos possam ser mantidos desde que o interesse público seja demonstrado e considerado maior que a própria invalidação do contrato (art. 147), o que pode também ser útil no caso das obras inconclusas.
Considerando as linhas de defesa previstas no art. 169, o que muda na atuação das unidades de assessoramento jurídico dos órgãos públicos?
Dra. M. Marry: De acordo com o art. 169 da Nova Lei de Licitações a segunda linha é exercida por análise feita por unidades de consultoria, assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade.
Com isso, a leitura que pode ser feita da atuação dessa linha em relação às unidades de consultoria e assessoramento jurídico é de apoio ao desenvolvimento, monitoramento para a mitigação de riscos nas contratações públicas por meio da análise de juridicidade que deve ser feita relacionada à conformidade com as leis, com os regulamentos e com a Constituição Federal.
Para que se possa entender o que muda na atuação das unidades de consultoria e assessoramento jurídico a leitura do dispositivo em comento deve ser feita em conjunto com os seguintes dispositivos:
Art. 8º, § 3º da NLLC - Apoio dos órgãos de consultoria e assessoramento jurídico à atuação do agente de contratação e sua equipe de apoio;
Art. 10 da NLLC – Representação Judicial e Extrajudicial das autoridades competentes e dos servidores públicos;
Art. 19, IV - Instituir, com auxílio dos órgãos de consultoria e assessoramento jurídico e de controle interno modelos de minutas de editais, TR e contratos;
Art. 53 da NLLC – Análise de juridicidade da contratação;
Art. 72, inciso III, da NLLC: Necessidade de parecer jurídico na contratação direta;
Art. 117, § 3º: Auxílio aos fiscais de contrato;
Decreto nº 11.246, de 27 de outubro de 2022: Auxílio aos agentes de contratação, gestores e fiscais
Art. 168, parágrafo único, da NLLC: Auxílio na análise de pedido de reconsideração e recurso.
Assim sendo, pode-se dizer que para os órgãos de consultoria e assessoramento jurídico que não haviam implementado as práticas expressamente delimitadas pela Nova Lei de Licitações a atuação dessas unidades sofrerá significativa alteração.
Na prática, como as inovações legislativas que aqui citamos trazem maior segurança nas contratações públicas, tanto para a contratante como para o contratado?
Dra. M. Marry: A maior abertura ao diálogo com o setor privado por meio do procedimento de manifestação de interesse (art. 81), do diálogo competitivo (art. 32), por exemplo, resulta em uma melhor especificação do objeto da contratação e faz com que o contratado possa sentir que faz parte da implementação de determinada política pública.
O prazo de vigência dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos mais elastecidos resulta para a Administração Pública a possibilidade de fazer gestão e fiscalização do contrato com uma única empresa em todo o período, já para o contratado ele tem a segurança de que naquele tempo determinado estará assegurado a ele a prestação do serviço, claro, desde que não sobrevenha nenhum evento significativo que leve à necessidade de rescisão antes do tempo determinado, o que não não faz com que não seja considerada positiva essa inovação.
O seguro-garantia com cláusula de retomada resulta para a Administração Pública maior segurança com a inclusão da seguradora no contrato que pode vir a assumir a execução da obra ou serviço de engenharia, aumentando as chances de sua finalização e para o contratado a seguradora passando a fazer parte do contrato como interveniente será chamada para concluir a obra ou serviço de engenharia caso o segurado não o faça.
A teoria das nulidades torna mais segura a execução dos contratos administrativos até sua finalização, já que aqueles que tenham interesse público maior a ser considerado mesmo que venha ser considerado nulo, se o interesse público exigir deverá ser mantido, o que resulta em maior segurança também para o contratado, pois não será qualquer fato superveniente à sua formalização que vai invalidar o contrato levando à sua rescisão.
Concluindo nossa entrevista com essa notável especialista em contratações públicas, fica claro que a Lei 14.133/2021 representa um marco importante no cenário da Administração Pública no Brasil. As mudanças propostas têm o potencial de melhorar a eficiência dos processos de contratação e, consequentemente, a qualidade dos serviços prestados à sociedade.
Fique atento para as próximas entrevistas nesta série, nas quais continuaremos a explorar temas relevantes da Administração Pública com os especialistas participantes deste 1º Congresso de Contratações Públicas do Nordeste. Não perca a oportunidade de se manter atualizado sobre as transformações que moldarão o futuro do nosso país.
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Fabio Monteiro é administrador, consultor, instrutor e palestrante. Possui experiência de 10 anos como gestor de licitações e patrimônio público. Graduando em Gestão Pública. Atua na empresa Moura Treinamentos e Desenvolvimento Profissional (Ribeirão Preto/SP). Consultor técnico na empresa Wap Express (Maceió/AL) e Administrador da empresa FMS Office (Ribeirão Preto/SP). Atuou no setor público como Diretor de Compras, Presidente de Comissão de Licitações e Pregoeiro qualificado. Possui artigos publicados em revistas e portais direcionados à capacitação no âmbito das contratações públicas, como a Revista Eletrônica de Licitações e Contratos do INAP (SP), o Portal Solicita e o Portal Migalhas. Pesquisador e idealizador de métodos práticos para aplicação da Lei de Licitações nos órgãos públicos e para capacitação de empresários em contratações governamentais.