Negociando com o governo

Administração pública, negócios públicos, licitações e temas sobre gestão. Por Fabio Monteiro.


Exclusivo: Supervisor de Licitações do Ministério Público Federal na Paraíba esclarece diretrizes de interesse social presentes na Lei nº 14.133/2021

Leonardo Mota mergulhou em tópicos da Nova Lei de Licitações ainda pouco discutidos, mas que interferem significativamente nas políticas sociais e ambientais desenvolvidas através das contratações públicas

Por Fabio Santos 01/11/2023 08h08
Exclusivo: Supervisor de Licitações do Ministério Público Federal na Paraíba esclarece diretrizes de interesse social presentes na Lei nº 14.133/2021
Blog negociando com o governo entrevistou Leonardo Mota Supervisor de Licitações do Ministério Público Federal na Paraíba - Foto: Divulgação

O atual diploma normativo das licitações públicas no Brasil estabelece novas diretrizes para as contratações governamentais, abrindo portas para a incorporação de práticas inovadoras que visam não apenas a eficiência administrativa, mas também a promoção de valores sociais e ambientais. A Lei nº 14.133/2021 ineditamente insere as políticas de preservação ambiental e as preferências para grupos sociais entre as regras licitatórias submetidas a este novo regime normativo.

Para explorar essas inovações e compreender seu impacto nas contratações públicas, conduzimos uma entrevista exclusiva com o especialista em direito público e administração, Prof.º Leonardo Mota. Ao longo deste artigo, iremos mergulhar nas complexidades da Lei nº 14.133/2021 e nas implicações de suas disposições no contexto das contratações sustentáveis e da promoção da igualdade de gênero.

Apresentando Nosso Entrevistado

Leonardo Mota (leonardomotam_desempenha múltiplos papéis fundamentais no Ministério Público Federal na Paraíba (MPF/PB), onde é Supervisor de Licitações e Disputas Eletrônicas, Pregoeiro e Presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL). Sua atuação abrange uma ampla gama de responsabilidades no âmbito das contratações governamentais, incluindo a condução de processos licitatórios, o que o coloca na vanguarda das mudanças e desafios enfrentados por profissionais nesse campo em constante evolução.


Além de suas funções desenvolvidas no MPF/PB, Leonardo Mota também se destaca como instrutor, compartilhando seu conhecimento e experiência em temas relacionados à área de licitações e contratos. Sua contribuição como membro do Grupo de Gestão Ambiental do MPF/PB reflete seu compromisso com práticas de contratação sustentável e responsável, alinhadas com as novas diretrizes da Lei nº 14.133/2021.

Sua atuação abrange diversas esferas institucionais, incluindo o Escritório de Processos do MPF/PB e o Planejamento Estratégico Institucional do MPF. Além disso, sua participação como professor no MBA Licitação e Contratos do Instituto de Pós-Graduação (IPOG) e como palestrante na área de licitações e contratos demonstra seu comprometimento com a disseminação do conhecimento e a formação de profissionais qualificados neste campo.

Sua sólida formação como especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública confere-lhe a base necessária para abordar questões complexas e dinâmicas que envolvem o cenário das contratações públicas no Brasil.

O que pode-se destacar sobre as inovações dispostas na Lei nº 14.133/2021 quanto às adequações de impacto e preservação ambiental, sobretudo em obras e serviços de engenharia?

A sustentabilidade na nova lei de licitações e contratos administrativos possui um papel de maior importância, sendo sua abordagem mais específica do que a que consta na Lei n° 8.666/93, apesar dessa, no art. 3°, prever, como objetivo da licitação, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

Na Lei n° 14.133/2021, além de ser objetivo, constante em seu art. 11, inciso IV, o desenvolvimento nacional sustentável é um princípio.

Importante, também lembrar que, especificamente, quanto ao impacto e preservação ambiental, consta como princípio constitucional da atividade econômica a defesa do meio. O que é reforçado com a aplicação do conceito ESG (Ambiental, Social e Governança) nas contratações públicas.

Mas, voltando à Lei n° 14.133/2021, podemos destacar essa preocupação em alguns temas relevantes.

Primeiro, a lei determina que, na construção da fase de planejamento da contratação, especificamente, nos estudos técnicos preliminares (inciso XII, § 1º, art. 18), a administração estude e descreva os possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável. O que demonstra a preocupação acerca de quais impactos ambientais aquela solução pode gerar e, com isso, impactar na escolha do que será contratado, que será refletido na construção dos demais artefatos da fase de planejamento.

Essa preocupação para que, mediante um planejamento eficiente, possa ser tratado o impacto ambiental da futura contratação poderá, inclusive, permitir que o contrato estabeleça remuneração variável vinculada ao desempenho do contrato, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental. Previsão que temos no art. 144 na nova lei.

Outra inovação e reflexo da importância com a sustentabilidade ambiental está na construção do edital, quando a Lei n° 14.133/2021, no art. 25, § 6º, prevê que se dê prioridade de tramitação nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) os licenciamentos ambientais de obras e serviços de engenharia licitados e contratados, sendo orientados, ainda, pelos princípios da celeridade, da cooperação, da economicidade e da eficiência.

Outro destaque está na regra de seleção do contratado, especificamente, quando se utilizar o critério de julgamento por técnica e preço. A lei, ao determinar que se considere o menor dispêndio para a Administração, permite que os custos indiretos, relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, possam ser considerados para a definição desse menor dispêndio, sempre que objetivamente mensuráveis e mediante regulamento.

A possibilidade de se exigir certificado, certificação, laudo para se provar a prova qualidade de produto, inclusive, sob o aspecto ambiental é outra possibilidade trazida pela nova lei.

Importante, ainda, destacar que já temos algumas normas de referência que tratam da sustentabilidade, inclusive, sobre a importante ferramenta para as compras públicas, que é o Plano de Logística Sustentável, a exemplo da IN SEGES nº 12/2012, do Decreto nº 7.746/2012, do Decreto nº 9.178/2017, que, em que pese tratarem das contratações regidas pela Lei nº 8.666/93, são normas referenciais. E a IN SEGES nº 73/2022, que, em seu art. 11, parágrafo único, prevê que os preceitos do desenvolvimento sustentável serão observados na fase preparatória da licitação, em suas dimensões econômica, social, ambiental e cultural, no mínimo, com base nos planos de gestão de logística sustentável dos órgãos e das entidades. Temos inclusive guias, como da CGU, acerca de contratações sustentáveis.

E, especificamente, para as licitações de obras e serviços de engenharia, a lei determina que devem ser respeitadas as normas relativas à disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas e mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental, além da utilização de produtos, de equipamentos e de serviços que, comprovadamente, favoreçam a redução do consumo de energia e de recursos naturais.

Como você avalia o impacto econômico nas contratações públicas sujeitas às diretrizes de preservação ambiental impostas pela Nova Lei de Licitações?

A sociedade, cada vez mais, tem se conscientizado de que o mundo tem que ser sustentável e que as empresas devem buscar e implementar tecnologias para produtos e serviços sustentáveis.

Não apenas produtos e serviços com material sustentável, mas adotar procedimentos sustentáveis, como logística reversa, com o descarte ambientalmente adequado.

E a administração pública não poderia ficar de fora.

Falamos anteriormente de regras de sustentabilidade previstas na nova lei de licitações e contratos que impactarão consideravelmente nas compras públicas.

Sabemos, também, que a administração pública é um comprador que movimenta consideravelmente a economia. É um vulto de recursos que, como qualquer mudança, impacta no mercado.

Então, o impacto das compras públicas na economia é bastante considerável.

A partir do momento em que a administração pública passa a planejar suas compras objetivando o desenvolvimento nacional sustentável, estará fomentando e incentivando o mercado a ser sustentável.

As empresas deverão se adequar para participar de uma compra pública sustentável. E quem não estiver preparado, estará fora da competição. Isso fará com que mais e mais empresas se adequem, considerando o vulto de recurso financeiro envolvido. E, com isso, movimenta a economia.

E, no final, quem ganha é a sociedade como um todo, inclusive, em termos econômicos, com maior oportunidade de empregos e com produtos e serviços sustentáveis, esperando-se por preços melhores e mais acessíveis. Além de termos, nas prateleiras de supermercados, mais oportunidades de produtos sustentáveis, assim como, de serviços. Já que as empresas venderão para o governo seus produtos e serviços sustentáveis, e para a sociedade como um todo.

É um ciclo positivo que retorna com resultados positivos para todos.

O artigo 25 da Lei nº 14.133/2021 preconiza sob o inc. I do §9º a exigência que um percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por mulheres vítimas de violência doméstica. Explique qual o principal motivo para o legislador inserir tal exigência em uma Norma Geral de Licitação e como a aplicação dessa diretriz pode ser regulamentada pelos órgãos?

Na verdade, não temos como conhecer, efetivamente, qual o motivo o legislador inseriu tal exigência na nova lei de licitações.

Mas, percebemos que a intenção segue o que já temos visto na legislação brasileira, acerca de tratar o problema que existe quanto à violência doméstica.

Ações como a Lei María da Penha (Lei n° 11.340/2006), a Lei n° 14.244/2022, que cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, a instituição da Central de Atendimento à Mulher (180), que presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência, com o objetivo de registrar e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes, e as regras do art. 25, da Lei n° 14.133/2021, que impacta nas contratações públicas, demonstram o quanto o assunto é de fundamental importância.

E, na verdade, já temos o Decreto n° 11.430/2023, no âmbito federal, como exemplo dessa regulamentação dispondo sobre a exigência, em contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica além de regulamentar a utilização do desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate em licitações, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

O decreto prevê, para as contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, com quantitativos mínimos de vinte e cinco colaboradores, que, os editais de licitação e os avisos de contratação direta prevejam o emprego de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica, em percentual mínimo de 8% das vagas.

Para cumprimento dessas regras, há a necessidade de acordo de cooperação técnica a ser firmado entre o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e o Ministério das Mulheres com as unidades responsáveis pela política pública de atenção a mulheres vítimas de violência doméstica.

Mas, veja que já é um norte para que estados e municípios possam implementar essas ações nas suas políticas públicas e faz a regra da nova lei de licitações ser aplicada.

Com base na resposta anterior, quais benefícios a Nova Lei de Licitações trará à sociedade, em aspectos sociais, com a implantação dessas novas regras de políticas sociais inseridas no regramento licitatório?

A nova lei de licitações vem trazer forte impacto na sustentabilidade social.

E a regra abordada, especificamente, tem o condão de fazer com que a mulher vítima de violência doméstica possa partir para o mercado, por meio de políticas públicas que utilizem as contratações públicas como meio.

Dessa forma, há um forte incentivo à independência dessa mulher que, por vezes, é dependente financeiramente do agressor.

As novas regras de contratação, juntamente, com demais ações do Estado, em defesa dessa mulher, que é vítima de uma situação que foge ao seu controle, oportunizará, por sua vez, o mercado de trabalho ter essa força de trabalho, devidamente capacitada, logicamente, e que, muitas vezes, está perdida, devido à realidade em que vive, de opressão.

A partir do momento em que as compras públicas evoluem nesse sentido, a sociedade evolui.

E, considerando o vulto de recursos que gira em torno das compras públicas, terá um reflexo considerável na evolução da sociedade. Retornando positivamente para todos.


Nossa entrevista com o Prof.º Leonardo Mota ofereceu uma oportunidade única para explorar sua visão e experiência em relação às inovações trazidas pela Lei nº 14.133/2021, particularmente no que diz respeito às políticas de preservação ambiental e às preferências para grupos sociais, como mulheres vítimas de violência doméstica. Entretanto, esperamos que tais inovações sejam ativamente aplicadas pelos contratantes e devidamente fiscalizadas pelos órgãos de controle externo.

Fique atento para as próximas entrevistas nesta série, nas quais continuaremos a explorar temas relevantes da Administração Pública com os especialistas participantes deste 1º Congresso de Contratações Públicas do Nordeste. Não perca a oportunidade de se manter atualizado sobre as transformações que moldarão o futuro do nosso país.

Para mais informações, siga o meu perfil no Instagram: @fabio.monteirost

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Sobre o blog

Fabio Monteiro é administrador, consultor, instrutor e palestrante. Possui experiência de 10 anos como gestor de licitações e patrimônio público. Graduando em Gestão Pública. Atua na empresa Moura Treinamentos e Desenvolvimento Profissional (Ribeirão Preto/SP). Consultor técnico na empresa Wap Express (Maceió/AL) e Administrador da empresa FMS Office (Ribeirão Preto/SP). Atuou no setor público como Diretor de Compras, Presidente de Comissão de Licitações e Pregoeiro qualificado. Possui artigos publicados em revistas e portais direcionados à capacitação no âmbito das contratações públicas, como a Revista Eletrônica de Licitações e Contratos do INAP (SP), o Portal Solicita e o Portal Migalhas. Pesquisador e idealizador de métodos práticos para aplicação da Lei de Licitações nos órgãos públicos e para capacitação de empresários em contratações governamentais.

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