Concorrência desleal: setor produtivo relata prejuízo com importação de leite em pó
Movimento realizado em Minas Gerais chama a atenção do país para a importação do leite em pó da Argentina e do Uruguai; entidades do setor produtivo do agro de Alagoas participaram e apoiam a mobilização
Um movimento realizado por produtores de leite de Minas Gerais, intitulado de “Minas grita pelo leite” e que contou com o apoio de representações do agro de demais estados da federação, chamou a atenção para a importação do leite em pó da Argentina e do Uruguai e que tem causado prejuízos ao setor nacional. A mobilização contou com a participação do presidente da Associação dos Criadores de Alagoas (ACA), Domício Silva. Entendidas do agro alagoano reforçaram o apoio ao movimento.
Em 2023, as importações de leite em pó cresceram quase 70% em comparação com 2022, totalizando 2,2 bilhões de litros. Somente em janeiro deste ano, foram importados 206 milhões de litros, um aumento de quase 36% em relação ao mesmo período do ano passado.
O movimento mineiro, que contou com a participação de aproximadamente set mil produtores, lideranças locais e nacionais, teve a finalidade de chamar a atenção do Governo Federal quanto a reinvindicação da categoria com o propósito de “salvar” o produtor de leite brasileiro.
De acordo com André Ramalho, o presidente do Sindicato Rural dos Produtores de Leite de Alagoas – Sindileite, a pecuária de leite passa por um momento difícil, sendo penalizada com a importação do lácteo.
“Esse leite vem de um mercado onde o produtor é subsidiado e que passa por uma situação econômica complicada, onde a população não tem, no momento, poder aquisitivo. Com isso, eles têm que exportar já que não há consumo interno. Como a moeda deles está desvalorizada, o preço do leite em pó está muito barato. Isso vem prejudicando o produtor brasileiro. A vaca não dá leite, ela produz leite e isso tem custos altíssimos com os insumos”, afirmou.
Segundo Ramalho, o maior custo do produtor está na alimentação dos animais e o segundo em mão-de-obra, seguido de reposição de rebanho, onde o produtor também tem um gasto de manutenção. “Outra questão são os impostos que são cobrados dos nossos insumos. Enquanto nos países vizinhos, a exemplo da Argentina, tudo é muito mais barato. Em resumo, somos penalizados pelos dois lados. Vendendo o produto com preço menor por estar chegando leite mais barato aqui que é subsidiado, além de estamos comprando insumos mais caros por que os nossos impostos são mais altos”, declarou Ramalho, lembrando que o sertor emprega mais que a indústria automobilística no Brasil.
Para Domício Silva, presidente da Associação dos Criadores de Alagoas (ACA) e da Associação Brasileira dos Criadores de Girolando, o movimento – liderado pela Federação de Agricultura de Minas Gerais – destacou a falta de ações efetivas para estancar a importação do leite. “Afinal, ela ocorre de forma desordenada pelo Brasil. A reivindicação principal é a suspensão das importações com foco no leite que vem subsidiado de outros países, Argentina e Uruguai. O produtor brasileiro está quase um ano em uma crise sem precedentes por conta desse leite importado sem muito critério. Muitos têm desistido da atividade”, alertou.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária no Estado de Alagoas (Faeal), Álvaro Almeida, também reforçou o apoio ao movimento em favor dos produtores de leite. “Parabenizamos a atitude dos produtores de leite de Minas Gerais. E aqui em Alagoas, em conjunto com a Associação dos Criadores, nós também já procuramos o governo do Estado e vamos tomar as mesmas providências”, afirmou.
Diante das importações, que têm impactado negativamente no preço pago aos produtores de todo o Brasil, dados colhidos junto a Faeal apontam que o litro do leite está sendo comercializado em Alagoas, em média, a R$ 2,20.
Laticínios
De acordo com o Arthur Vasconcelos, presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Estado de Alagoas (Sileal), deve ser feita uma análise do mercado consumidor como um todo, especialmente, a lei da oferta e da demanda. “Isso mexe nos preços, tanto nas gondolas, quanto da matéria-prima, insumos. No caso da cadeia produtiva, o leite in natura é o principal afetado que tem a maior participação no custo de todos os produtos lácteos. Nesse caso, com a importação subsidiada da Argentina e do Uruguai e com o livre comércio no Mercosul, que não existe tarifas, faz com o leite em pó entre no Brasil bem mais barato. Nos últimos anos esse volume aumentou bastante”, reforçou.
Alagoas
De acordo com Vasconcelos, em Alagoas, nenhum laticínio faz a importação do leite vindo do exterior, utilizando-o como matéria-prima. “A gente consome o leite que é produzido no estado. Porém, o mercado da gondola reflete na baixa de preços que vem de outros estados, que utilizam esse leite importado. Se as indústrias em Minas Gerais estão utilizando este produto e estão mandando-o para Alagoas, com um preço menor, com certeza, terá reflexo no estado. Com isso, a gente tem que reduzir o custo para poder vender. Isso tudo reflete no mercado. Para reduzir custo de produto existe a necessidade de adequação do custo da matéria-prima. De acerta forma, a indústria não consegue fazer isso tão fácil. A gente sabe da necessidade do produtor e ao mesmo tempo a gente recebe a pressão do mercado”, reforçou.
O presidente do Sileal destacou ainda a importância do movimento realizado em Minas Gerais. “A gente tem que proteger o mercado local. Não se produz queijo com leite em pó. Tem que existir uma visão mais crítica com relação ao cenário atual”, afirmou ele, lembrando que Alagoas recebe produtos de outros estados subsidiados, através de grandes
atacadistas. “Esses têm um incentivo do estado para comprar produtos com regime de tributação especial, a exemplo de derivados do leite que pode ser que tenham em seus ingredientes o leite em pó importado”, declarou.
Arthur salientou ainda que, além do leite em pó, os queijos também entram no mercado nacional. “Estes atacadistas, que compram com incentivo, adquirem esses queijos argentinos e uruguaios com subsídios, chegando em Alagoas mais barato que os produzidos aqui. Isso prejudica diretamente a indústria e os produtores locais. Eles chegam até ser 30% mais barato que o custo da produção local. Isso tudo força o mercado a reduzir o preço do leite”, declarou.
Vasconcelos destacou ainda que o estado de Alagoas - com as indústrias de laticínios - tem uma das melhores políticas tributárias do Brasil. “Hoje, na verdade, a gente tem um crédito presumido de ICMS que se iguala ao de saída, ou seja, não é pago. O governo está regulamentando o ICMS de entrada que ainda é cobrado, mas foi publicado um decreto que consegue isentar também com algumas condicionantes. A gente está aguardando a regulamentação. Vale destacar também que vários atacadistas, pequenos e médios, compram os produtos alagoanos, mantendo a economia girando e o produto da terra valorizado”, destacou ele, reforçando que são os grandes que fazem a importação.
O presidente do Sileal acrescentou ainda que há também em Alagoas algumas empresas que importam de outros estados, que muitas vezes são subsidiados, envazando o leite em pó, fracionando e colocando o produto no mercado. “Essas empresas muitas vezes têm incentivos do governo. São os famosos entrepostos, são beneficiadoras que não compram leite de Alagoas, mas de outros estados adquirem o leite de outros países”, finalizou.