O SUCESSO DA INOVAÇÃO EM ALAGOAS: AS REDES VÃO ALÉM DE QUALQUER ECOSSISTEMA
Não podemos imputar a responsabilidade da inovação apenas a um empresário, a um político, ou mesmo a uma empresa ou a uma secretaria estatal. Seria desconsiderar as redes que produzem esses próprios atores já interessados.
Ecossistema. Inovação. Quem assiste ao noticiário na TV, no rádio ou tem seu perfil nas redes sociais, já deve ter visto ou ouvido falar nessas palavras. A primeira, a partir dos ecossistemas digitais, ou até ecossistemas de segurança; a segunda, como algo novo, ou sinônimo de uma nova tecnologia.
Tudo hoje em dia parece ser sistemático e sustentável. Por isso estão na moda. Que perigo, diriam os donos da razão. Faz parte, silenciariam os donos do poder. Independentemente, é comum dizer que um ecossistema de inovação é um sistema ou ambiente sustentável cuja estrutura reúne diferentes atores interligados em ciência, tecnologia e inovação (CT&I), como universidade, governo, empresa, indústria, mercado financeiro e sociedade civil.
Na mídia tradicional, você pode ter visto algo sobre os ecossistemas de inovação localizados no Vale do Silício, nos Estados Unidos da América. Lá se encontram algumas instalações da Meta, empresa dona da redes sociais Facebook e Instagram. Mas se você acompanha vídeos no TikTok, talvez tenha visto algo sobre os ecossistemas de inovação que ficam em Pequim ou em Xangai, na China. Ou ainda, que o governo de Alagoas, junto com a SECTI e a FAPEAL, conseguiu investir cerca de 68 milhões de reais, em 2023, para impulsionar o chamado “ecossistema inovador do estado”.¹
Sim! É preciso saber que o estado de Alagoas possui, de fato, um ecossistema de inovação. Caso duvide, sugerimos que “dê um google”. Certamente encontrará algo sobre o Ecossistema de Inovação de Alagoas na página da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), um mapa geográfico desse ecossistema estadual na página da Secretaria de Estado da Ciência, da Tecnologia e da Inovação (SECTI), ou os Ecossistemas Locais de Inovação em Alagoas na página do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
Além de qualquer ambiente físico localizado em uma região, ou estruturas globalizadas no mundo, esses ecossistemas são arranjos político-econômicos e sociotécnicos que visam a Pesquisa e o Desenvolvimento, a partir de pesquisas científicas, produção industrial e tecnológica, financiamentos, negócios e comercialização. Mas, devemos reconhecer que nem sempre foi assim.
Um dos pioneiros do tema, o economista e cientista político austríaco Joseph Schumpeter, ressaltava que o sucesso da inovação tinha duas principais causas interdependentes: o caráter do empresário com sua paixão pelo empreendedorismo que o convencia a surpreender seus concorrentes; e, que isso o levava a imaginar novas combinações produtivas que gerassem lucros extraordinários, embora fossem tão logo eliminadas por todos os tipos de imitadores, já que a economia e a política dependem de combinações.²
No entanto, que tipo de combinação seria capaz de resultar no sucesso de inovações, tal como sistemas e ambientes sustentáveis? O próprio J. Schumpeter chamou isso de “produção social cuja relação ocorre entre forças e coisas que estão ao nosso alcance”. Nota-se a distinção que essas combinações produzem, seja por meio de forças subjetivas ou coisas materiais.
Então, essas combinações seriam um produto de dualidades, como natureza x sociedade, política x economia, tecnologia x cultura, humano x não-humano. Mas, será que isso pode resultar num sistema ou ambiente sustentável de CTI, haja vista a capacidade dos próprios atores agirem conforme seus próprios interesses?
É só lembrarmos da pandemia, da situação climática e da regularização das big techs. Logo, saberemos como funcionam certos ambientes que parecem naturalmente sustentáveis, equilibrados e sem contradições entre os atores reunidos em espaços comuns de interesse.
Nesse sentido, não se trata tão somente da vontade de poder do empresário estadunidense ou chinês, nem mesmo do político alagoano, muito menos das fontes de desejo de suas instituições privadas ou públicas. Mas, sim, efeitos de interesse.
Opa! Interesse não é uma coisa inteiramente subjetiva, algo puramente da vontade humana. Quer dizer “inter-esses”, ou seja, “estar entre esses”. É uma ação comum cujo produto reúne pessoas, coisas e mundos diferentes.
Por isso, algumas pesquisas questionam de onde vem a chave do sucesso da inovação. Se resulta do poder individual do empreendedor apaixonado, de uma estrutura econômica empresarial, de um sistema político estatal – construindo relações naturalmente coerentes, ou se tudo isso já não são produtos per si combinados. A inovação passa a ser um efeito de interesses que, por sua vez, mobilizam diferentes atores, como pessoas, leis e finanças, entre outros atores humanos e não-humanos, já presentes em suas redes de produção – seja científica, tecnológica, industrial, política, econômica, cultural, etc.
Por exemplo, pesquisadores do Centre de Sociologie de l'Innovation (CSI), localizado em Paris, na França, vêm afirmando ser necessária uma mudança de rota para entender o espectro CT&I. Para mostrar de onde vem o sucesso da inovação, em vez de falar da racionalidade das ações de cada ator ou entidade, deve-se discutir a agregação dos interesses onde as decisões são capazes e incapazes de produzir qualquer agência, tal como a própria inovação. E, por isso, ela é a arte de interessar um número cada vez maior de aliados que a tornarão mais forte.³
De outra maneira, em pesquisa de pós-doutorado* vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), observamos algo que reivindica o poder de um sistema social, ou ambiente natural que seria capaz de centralizar o sucesso da inovação em Alagoas. A partir de entrevistas com agentes representantes das instituições ligadas ao ecossistema de inovação de Alagoas, os dados mostram que é impossível inovar sem financiamento, que não se faz CT&I sozinho, e nem mesmo há um ecossistema de inovação alagoano.
O que existe são ações de agregação (até contraditórias) entre diferentes atores interessados, em meio a múltiplos desinteresses, que, paradoxalmente, estão reunidos em torno da inovação no estado e sociedade afora. São procedimentos de destinação de recursos públicos e privados tanto pela FAPEAL quanto pelo SEBRAE; a articulação político-econômica deste último com diferentes outros ecossistemas (no plural); a formulação de políticas públicas da SECTI, sem deixar de ouvir o setor privado via ASSESPRO; a manutenção e lutas por compliance entre a FUNDEPES e algumas empresas parceiras; a execução e disseminação de projetos tecnocientíficos em Alagoas e até fora do país, como faz o LaCCAN, enquanto laboratório universitário na UFAL; e, a formação acadêmica e técnico-profissional por meio da UNCISAL e SENAI.**
O aparente ecossistema de inovação precisa reconhecer as diferenças e contradições que compõem a CT&I. É a reunião entre esses atores que resulta em diferentes interesses. Não podemos imputar a responsabilidade da inovação apenas a um empresário, a um político, ou mesmo a uma empresa ou a uma secretaria estatal. Seria desconsiderar as redes que produzem esses próprios atores que mobilizam diferentes interesses ligados à inovação e outras agências, como ciência, tecnologia, política e economia
Portanto, o sucesso da inovação em Alagoas não é fruto de nenhuma instituição, nem de uma combinação natural ou social. Os próprios atores já o são combinações, de algo público-privado, político-econômico e sociotécnico. Resta-nos reafirmar o que disseram, também, os pesquisadores do CSI: “Quem quiser gerir a inovação deve concordar em mergulhar neste mundo comum entre múltiplos interesses. A gestão da inovação começa com o confronto dos diversos discursos de acusação que regem as decisões estratégicas”.
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Notas e Referências
* Projeto de pesquisa de pós-doutorado em andamento que trata sobre as "Fontes de informação e a inovação em Alagoas", com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL) e financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
** Siglas: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL), Laboratório de Computação Científica e Análise Numérica (LACCAN), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES), Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL) e Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (ASSESPRO).
¹ MIRANDA, Geysa; VIRTUOSO, Valdenys. Ciência e Tecnologia têm o melhor ano da sua história em Alagoas. GazetaWeb.Com, Maceió, 30 dez. 2023. Disponível em: https://www.gazetaweb.com/noticias/maceio/ciencia-e-tecnologia-tem-o-melhor-ano-da-sua-historia-em-alagoas. Acesso em: 28 ago. 2024.
² SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Nova Cultura, 1997.
³ AKRICH, Madeleine; CALLON, Michel; LATOUR, Bruno. The key to success in innovation [Part I]: the art of interessement. International Journal of Innovation Management, [s.l.], v. 6, n. 2, 187-206, 2002. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1142/S1363919602000550. Acesso em: 24 abril 2024.
Biografia e contatos de e-mail do autor:
Bibliotecário e Professor.
Docente no Curso de Biblioteconomia da UFAL.
Doutor em Gestão e Organização do Conhecimento pela UFMG.
Mestre em Ciência da Informação pela UFPB.
Bacharel em Biblioteconomia pela UFAL.
[email protected] ou [email protected]