Governo é refém da ganância gerada pelos $ bilhões das ‘emendas’
A incessante batalha por emendas parlamentares mostra como funciona a relação entre o governo da República e o Congresso Nacional.
Décadas atrás, a liberação de dinheiro 'para os deputados' era bem diferente. Projetos muito bem elaborados eram encaminhados às mesas das Casas Legislativas, que analisavam os pedidos e, cumpridos os critérios de transparência, solicitavam a liberação dos recursos. Às claras, os autores das emendas ao Orçamento da União eram identificados, os projetos eram divulgados, os valores empenhados eram do conhecimento da mídia e do público. Mas, com o passar dos anos, a composição do Parlamento sofreu contínua deterioração moral e a relação com o Executivo mudou radicalmente.
O dinheiro em jogo aumentou espantosamente, enquanto a transparência dos processos foi diminuindo até desaparecer. Sumiu de vez com o esquema de liberação processado sem o mínimo de clareza, até ganhar o rótulo de 'orçamento secreto'.
Mais crítico, mais penoso, o novo método de relação entre os Poderes mostrou que a ganância por dinheiro atingiu proporções patológicas, beirando chantagem. O volume de recursos destinados aos parlamentares também choca a sociedade. Substituíram o M de milhões pelo B de bilhões. De reais. E o mais grave: ninguém sabe de onde vem nem para onde vai.
Em nome dos parlamentares, e para manter influência e poder na hora de 'negociar' com o governo, o comando de cada Casa Legislativa - sobretudo da Câmara - deixou a cerimônia de lado e passou a lançar ameaças: "Se o dinheiro não sair, os projetos (do governo) não serão votados”. Pouco importando se se tratam de matérias de alto interesse da nação e da sociedade.
Até que um ministro do Supremo Tribunal Federal decidiu agir: Flávio Dino baixou regras de transparências para liberação das emendas. Em reforço aos critérios fixados para mostrar 'quanto, para quem e para o quê', a Corte inteira referendou a decisão. A reação veio instantânea: paralisia total no Congresso. O presidente Lula até que havia mandado liberar cerca de oito bilhões de reais, mas o processo estancou diante da barreira erguida por Flávio Dino. Transparência ou nenhum centavo.
Estupefata, a parcela mais bem informada da sociedade reage deixando transparecer um desejo de interrogação: "Até quando?". Pois é, até quando congressistas vão insistir na obtenção de dinheiro público, dinheiro descontado do salário do povo, sem normas de controle e de transparência? Até quando uma relação que transforma o governo federal em refém inapelável diante de parlamentares sedentos por mais e mais dinheiro?
Em tempo: o governo cedeu, e os congressistas arrastaram R$ 7 bilhões.