Cooperativismo
Histórias de sucesso no cooperativismo transformam realidades pelo país
Relatos mostram como o modelo de negócios contribui de maneiras distintas para alterar a realidade dos cooperados
José Alberto dos Santos, 37 anos, tem orgulho de participar do crescimento da Coopmego (Cooperativa dos Condutores de Motocicletas do Estado de Goiás). Em março, ele completou 16 anos como associado na cooperativa. “Já fiz parte do conselho administrativo, conselho fiscal, já fui comercial da cooperativa, já estive no cargo de supervisão. Participo muito ativamente de tudo”, conta.
Ao olhar para trás, José Alberto avalia que a história de sua vida se confunde com a da cooperativa. “A minha história de crescimento pessoal caminha lado a lado com o crescimento da cooperativa. Aqui eu me sinto um dos donos”, atesta.
Mas nem sempre foi assim. Antes de abraçar o cooperativismo como uma filosofia de vida, aos 20 anos, o jovem goianiense José Alberto iniciava a carreira de corretor de imóveis, adiando o sonho de fazer a faculdade de Direito. Para ele, foi preciso começar a trabalhar cedo, aos 13 anos, o que dificultou a conclusão do ensino médio. Então, primeiro ele trabalhou em uma panificadora e depois como office boy, fazendo entregas de documentos e outras encomendas em cima de uma bicicleta.
A carreira de corretor não começou da melhor maneira. Vender imóveis não era nada fácil e os rendimentos, muito instáveis. “Em um mês entrava dinheiro, em outro não”, conta. As dívidas se acumulavam e era preciso buscar um novo rumo.
Tudo começou a mudar depois que um amigo o convidou para se associar a uma cooperativa, a Coopmego. “Eu estava bem apertado de dinheiro quando cheguei à cooperativa”, lembra.
Na Coopmego, além de conseguir estabilidade financeira, José Alberto aprendeu as regras, conceitos e características do cooperativismo e gostou do negócio. “A cooperativa me deu mais segurança, uma estrutura financeira para ganhar dinheiro. No começo, eu não sabia como funcionava o cooperativismo, mas à medida que fui participando das assembleias e da vida da cooperativa, foi apaixonante”, relata.
As dívidas dos tempos de corretor de imóveis ficaram para trás. Com o trabalho na cooperativa, José Alberto conta que conseguiu a casa própria, carro e moto quitados. Nesse meio tempo, casou-se e hoje tem dois filhos, de 12 e 1 ano de idade. “Hoje consigo proporcionar escola particular para o meu filho, plano de saúde”, cita.
Coopmego
Atualmente, a Coopmego possui cerca de 500 cooperados motociclistas. Em fevereiro, a cooperativa inaugurou um tanque de armazenamento com capacidade para 15 mil litros de combustíveis – 10 mil para gasolina e 5 mil para etanol. A medida proporcionou uma economia de cerca de 50 centavos no litro de combustível abastecido pelos cooperados.
Recentemente, a cooperativa expandiu seus serviços e passou a atender, além de Goiânia, a cidade de Anápolis. Na capital, uma nova sede da Coopmego está em fase de construção e funcionará como ponto de apoio ao cooperado. A área, que fica no Setor Pedro Ludovico, tem aproximadamente 500 metros quadrados e vai concentrar escritório, oficina e o posto de combustível, que será transferido do Jardim Santo Antônio para o local.
O investimento da cooperativa para aquisição do terreno e realização da obra foi de R$ 1 milhão. A inauguração está prevista para julho.
Direito
A estabilização da vida financeira e a segurança que o trabalho na cooperativa proporcionaram a José Alberto, reativaram nele o antigo sonho de estudar Direito. Hoje, cursa o 8º período na PUC Goiás. “Sinto que o crescimento da cooperativa me fez procurar algo para eu crescer também”, avalia.
A graduação em Direito significa um novo caminho profissional para José Alberto. Mas se engana quem pensa que o futuro será longe da cooperativa. “O curso superior, essa nova profissão, é algo para agregar aqui dentro da cooperativa, que está numa crescente grande. Depois que me formar em Direito, terei demandas dentro da cooperativa e pretendo participar como advogado, atuando na parte jurídica. A cooperativa nos últimos dois anos dobrou de tamanho, várias oportunidades estão sendo criadas aqui dentro, sem ter a necessidade de exercer a advocacia lá fora”.
Antônio Rael: o cantor da reciclagem
Antônio Rael, 66 anos, compreende bem o papel importante das cooperativas de reciclagem na chamada economia circular, principalmente nos aspectos pertinentes à reutilização. E, de sua maneira simples, explica como todo esse processo funciona. “É um movimento, vai e volta. A pessoa compra o produto e joga fora. Nós pegamos o material, separamos e vai para outra empresa produzir de novo. Aí fica velho, nós pegamos e começa tudo de novo”.
Quando chegou a Goiânia, em 2003, vindo da cidade de Acopiara, no sertão do Ceará, o seu Antônio, como é chamado, realizava um antigo sonho de “conhecer os estados do sul”. “Alguns amigos me falaram que Goiânia era bom demais. Aí plantei um algodão lá na minha terra, vendi e consegui o dinheiro pra vir”, lembra.
A realidade em Goiânia não foi tão fácil no começo, mas seu Antônio conseguiu um emprego para fazer a limpeza no Ceasa. A ocupação não durou muito tempo. Foi quando ouviu uma frase que reflete a dificuldade de muitas pessoas acima de 50 anos em obter recolocação no mercado de trabalho. “Me disseram: gente de idade, a gente não quer”, cita.
Sem emprego, seu Antônio conseguiu uma renda recolhendo material para reciclagem nas ruas de Goiânia. “Comecei a catar na rua, às vezes capinava lotes também. Mas meu filho disse que não queria me ver na rua e me chamou para trabalhar na cooperativa”, conta.
“Quando chegamos em Goiânia, eu tinha acabado de completar 17 anos. Chegamos em 15 de junho de 2003. No Ceará, eu trabalhava na roça durante o dia e estudava à noite, foi em Goiânia que comecei a trabalhar com a coleta de material para a reciclagem”, conta Daniel Rael da Silva, filho de seu Antônio. “Fui trabalhar em uma cooperativa, que hoje já nem existe mais. Convidei meu pai para ir para lá também”, acrescenta.
Participar da rotina da cooperativa e a socialização com outros associados ajudou a melhorar o ânimo de seu Antônio, que havia se separado da esposa. “Minha mulher foi se desgostando, se afastando de mim. Separamos em 2010. Fiquei largado”, relembra.
Enquanto começava a aprender como era o trabalho na cooperativa, seu Antônio decidiu afastar para longe qualquer tipo de melancolia. Uma sabedoria de quem também sabe reciclar o que a vida oferece, ressignificando em sorrisos e canções. “Eu falei, não vou amarrar minha alegria, vou soltar minha alegria. Comecei a fazer música. Eu sou compositor”, orgulha-se.
Durante o trabalho na cooperativa de reciclagem, seu Antônio é conhecido por separar os tipos diferentes de materiais enquanto canta o tempo todo. “Eu não tenho estudo. A minha educação foi ser alegre, respeitar os outros e trabalhar. Vim de uma família alegre. O meu gosto é cantar, por onde ando é cantando. Trabalhando e cantando”.
Família
Depois que a primeira cooperativa da qual fizeram parte se desfez, Daniel se associou à Cooprec (Cooperativa de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis Dom Fernando), com sede em Goiânia. E seu pai, Antônio, também foi para lá.
“Na cooperativa nós somos uma família, todos dão valor ao trabalho dos outros. Aqui nós lutamos e o ganho é dividido. A vantagem na cooperativa é que mais gente consegue ter renda e não só um, mesmo que trabalhando na rua ele consiga tirar mais dinheiro sozinho”, aponta seu Antônio.
Apoio
Daniel confirma que o sentimento dos cooperados na Cooprec é de união. “A convivência é um lado bom. Acaba sendo um trabalho muito social e aí você pega amor por aquilo que você faz”, diz.
Apesar disso, Daniel, que hoje é presidente da Cooprec, explica que muitas pessoas que fazem a coleta de material nas ruas, ainda preferem trabalhar sozinhos. “A cooperativa de reciclagem tem muitos custos. É preciso ter uma estrutura com muito espaço, para algumas é preciso pagar aluguel, por exemplo. Isso acaba diminuindo o valor que é dividido entre os associados”, pondera.
Daniel acredita que pelo trabalho fundamental que as cooperativas de reciclagem fazem de separação e destinação de toneladas de resíduos, o setor ainda precisa de mais apoio do poder público. “A gente busca apoio dos governantes para contratar os catadores pelo trabalho que a gente faz, que é dar destino ao material que, por exemplo, ia parar nos aterros sanitários. Hoje as cooperativas reciclam e dão um destino correto”, argumenta.
Bom para a cooperativa, bom para a comunidade
De forma direta, o cooperativismo está presente na vida de 18,8 milhões de pessoas no Brasil. Histórias como a de José Alberto, da Coopmego e também de Antônio Rael, da Cooprec, mostram como o modelo de negócio contribui de maneiras distintas para alterar a realidade de cada um desses cooperados. Mas como é baseado em um empreendimento coletivo, por consequência, os mesmos benefícios alcançam um número grande de pessoas. Resultados positivos que vão até mesmo além dos limites da cooperativa, chegam à comunidade na qual ela está inserida.
É o caso da Cooperafi (Cooperativa de Agricultura Familiar de Itapuranga), em que uma ação de ganha-ganha realizada em seu município, forneceu cestas básicas para famílias carentes afetadas pela pandemia de Covid-19.
Com a necessidade de distanciamento social, não havia mais a feira para que os agricultores comercializassem sua produção. “Então, decidimos instalar uma banca perto da igreja, oferecendo nossos produtos, hortaliças, rapadura, mel e muitos outros”, conta o presidente da Cooperafi, Ilmon José de Queiroz.
Detalhe: na banca da cooperativa não havia vendedores. Tudo era feito na base da confiança entre comerciantes e consumidores. “A pessoa escolhia, pegava o produto e deixava o dinheiro”, afirma Ilmon.
O retorno que a cooperativa conseguiu foi positivo e os produtores voltaram a conseguir comercializar. A relação baseada na honestidade com a comunidade, motivou a cooperativa em pensar em uma maneira de retribuir.
“Pensamos que se o consumidor está dando essa oportunidade para nós, vamos devolver 20% do que está sendo comercializado e vamos doar para quem precisa”, conta Ilmon.
A Cooperafi criou então o Peg Pag Solidário. A banca continuava montada com os produtos da cooperativa e 20% do que era vendido, era revertido em produtos para doação. “As cestas eram entregues a cada 15 dias. Eram compostas com produtos da cooperativa, como hortaliças, mel, rúcula, banana e leite. Algumas pessoas diziam que havia muito tempo que não comiam rapadura, por exemplo”, relembra o presidente da cooperativa.
Cartão Xixá
O Peg Pag Solidário ficou famoso na cidade e chamou a atenção do poder público municipal, que dentro de seu Programa Municipal de Economia Solidária e Combate à Fome criou o Cartão Xixá. Nele, as famílias cadastradas e acompanhadas pela Secretaria de Cidadania, Assistência Social, Trabalho e da Mulher podem adquirir produtos diretamente do da Feira do Produtor ou Empório Cooperafi. Atualmente, 200 famílias estão cadastradas e recebem o cartão.
Além de atender os beneficiários do cartão Xixá, o Empório Cooperafi também ganhou a preferência do público em geral na cidade. “A gente viu que havia muita gente em Itapuranga que queria comprar diretamente do produtor, produtos frescos e de qualidade”, conta Ilmon.
A Cooperafi pretende levar sua ideia para outros municípios. Para isso, tem se reunido com cooperativas de Ceres, Rialma e apresentado o projeto do Peg Pag Solidário, do Empório e do Cartão Xixá. “A ideia é também trabalhar a intercooperação com cooperativas de outros municípios. Quem sabe formar uma rede de cooperativas de agricultura familiar e assim a gente poder agregar mais produtos”, adianta Ilmon.
Crescimento
Mas a Cooperafi não proporciona apenas benefícios para a comunidade. A cooperativa vem crescendo e é fundamental para centenas de produtores da agricultura familiar de Itapuranga. Hoje eles têm à disposição a estrutura para fabricação de polpas de frutas, beneficiamento do leite, um empório para comercialização e uma loja agropecuária com insumos a preços melhores do que os de mercado.
Hoje a Cooperafi possui 430 cooperados. Mas tudo começou em 1998, com 20 associados, e a superação de uma tentativa fracassada. “Era a segunda tentativa de criar uma cooperativa, na primeira, o foco seria a suinocultura. A ideia era conseguir um recurso do Incra, mas acabamos ficando de fora por não se encaixar nos requisitos”, lembra Ilmon.
Na época, após o fracasso da primeira tentativa, os diretores da cooperativa precisavam dar uma resposta aos associados, conta Ilmon. “Então, decidimos criar uma cooperativa de leite, que era o produto que tínhamos. Começamos com três tanques e três pontos de coleta de leite. Uma média de produção de 30 litros por cada produtor”.
Apesar de pequena, Ilmon conta que com a cooperativa, os produtores se viram livres de atravessadores. “Até chegar no laticínio, tinha três ou quatro ganhando no meio disso”, diz.
Com o tempo, o número de cooperados foi aumentando, a escala do produto também, e a cooperativa conseguindo melhores condições de produção e venda. Até que chegou o momento de agarrar uma oportunidade para variar as opções de produtos da cooperativa.
Cooperativismo na prática
Ilmon conta que em 2008, a cooperativa tinha uma boa produção de maracujá. A prefeitura local construiu uma agroindústria de polpas e a Cooperafi viu a oportunidade de direcionar sua produção para o projeto. “Mas não rodou bem o projeto. De qualquer maneira, nossa cooperativa assumiu a agroindústria e decidimos
que produzir as polpas seria uma boa. Mas tínhamos perdido parte da produção de maracujá”, lembra.
A solução veio dos quintais das famílias cooperadas e os pés de acerola, cajá manga, tamarindo e outras frutas plantadas ali. “Era frutas de quintal mesmo. Quem mais embarcou nessa foram as mulheres dos produtores. Às vezes, colaboravam com 10 kg de acerola. Uma quantidade que não venderiam se não fosse a cooperativa”, conta. Assim, as famílias cooperadas começaram a ter uma nova fonte de renda. “Foi cooperativismo na prática mesmo”, conceitua Ilmon.
A Cooperafi começou a fornecer polpas de frutas para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e esse foi um fator importante para alavancar a fruticultura para a cooperativa. “Em 2018, 2019, a gente chegou a comercializar com a prefeitura cerca de 130 toneladas de polpa de fruta”, aponta.
Hoje a Cooperafi está com 430 cooperados e pensando no futuro. “A questão da sucessão é uma preocupação nossa. Queremos mostrar para nossos filhos que nossas propriedades agora se tornaram uma empresa e conseguir mantê-los aqui”, argumenta Ilmon.