Cooperativismo
Cooperativas protagonizam novo momento para a sustentabilidade brasileira
Devido àgrande importância ambiental e política dos biomas nacionais, o governo brasileiro instituiu a Amazônia Legal nos anos 50
É fato que o Brasil é um país de dimensões continentais com uma riqueza natural imensurável. Mas saindo de uma “visão de satélite” que destaca apenas a proporção desses fatores em larga escala, é preciso enxergar o que – e quem – realmente faz a diferença nesse contexto.
Devido à grande importância ambiental e política dos biomas nacionais, o governo brasileiro instituiu a Amazônia Legal nos anos 50, um recorte geográfico idealizado para desenvolver e integrar a região da bacia amazônica por meio de incentivos fiscais e políticas públicas específicas para a região.
A área que representa 59% do território brasileiro abrange nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão) e protagoniza uma bioeconomia com potencial global.
Segundo dados do IBGE, a diversidade agrícola no bioma amazônico é enorme, com uma agricultura que responde pela produção de 65 culturas diferentes e preserva até 80% de suas propriedades. Produções sustentáveis que chegam aos quatro cantos do país e do mundo.
IMPACTO COMPARTILHADO
Além de números e porcentagens, quem está por trás do desenvolvimento econômico e social dessa região do país? Quem une tudo isso a preservação?
Buscando entender melhor essa dinâmica, pesquisadores se reuniram em mais uma edição do Encontro Brasileiro de Pesquisadores em Cooperativismo em 2023 para desenvolver uma pesquisa com o objetivo de analisar o papel e os desafios das cooperativas da agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais na promoção de sistemas alimentares sustentáveis na Amazônia.
Na ocasião, mais de 100 pessoas, com representação de todos os estados do norte do país, estiveram presentes para apresentar resultados preliminares da pesquisa, especificamente sobre o panorama do cooperativismo a partir de dados estatísticos.
A prática cooperativista é recorrente e muito presente na região, mas, como explica o professor e pesquisador na UFV e um dos integrantes do grupo, Alair de Freitas, há ainda uma ausência importante de dados consolidados a respeito. “Existem muitas pesquisas que retratam experiências cooperativas, mas são pontuais e não compreendem o campo do cooperativismo. Isso nos levou a eleger o banco de dados doCenso Agropecuário e DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf) como nossa principal fonte para dimensionar as cooperativas e sistematizar algumas de suas características”.
Entre os dados levantados, foi possível identificar 173 cooperativas com DAP Jurídica em situação ativa, totalizando 10.846 cooperados. Ao todo ainda foram encontradas 260 cooperativas com DAP Jurídica na região, porém em situação irregular, ou seja, que não estão aptas a acessar políticas públicas para a agricultura familiar do Governo Federal e limitam seu potencial de intervenção na comunidade.
Das ativas, cerca de 49,7% das cooperativas e 48,18% dos cooperados estão localizados no Pará. O segundo estado com maior número de cooperados é o Acre, contendo 14,65% do total de cooperados.
A região norte do país possui mais de 20 mil estabelecimentos agropecuários vinculados a cooperativas, considerando agricultura familiar e não familiar. Nesse montante, cerca de 83,1% têm como finalidade produtiva a comercialização, enquanto para 16,9% a finalidade é o consumo próprio das famílias. Ainda, para cerca de 70%, a renda principal é advinda das atividades agropecuárias realizadas no próprio estabelecimento cooperativado.
Quando o foco é a sustentabilidade, o cenário permanece merecendo amplo destaque. Em quase 10 mil estabelecimentos da agricultura familiar cooperativada, em cerca de 61,5% o relato é de não utilização de agrotóxico na produção, além de optarem pela adubação orgânica em 8%, contra apenas 5% de agricultura familiar não cooperativa.
Esses resultados preliminares comprovam que há um número muito significativo de cooperativas da agricultura familiar, povos e comunidades rurais constituídas no norte do país, reforçando a necessidade de atenção dos Governos a esse recorte, mas, também, acentuando a relevância das organizações cooperativistas.
“Se o futuro da Amazônia for mais cooperativo, teremos mais chances de manter a floresta viva e os rios fluindo”, Alair de Freitas, Professor e Pesquisador na UFV.
OBSERVATÓRIO DO COOPERATIVISMO
Perante o inegável impacto do cooperativismo em diversas regiões e frentes de atuação, iniciativas estão sendo criadas e mantidas com o objetivo de gerar conhecimento sobre as cooperativas brasileiras e, assim, impulsionar esse movimento tão importante para o país.
No Sudeste, o Observatório do Cooperativismo da Universidade de São Paulo (USP) é formado por uma rede de pesquisadores focada em cooperativas agropecuárias e financeiras que estudam estrutura, governança, gestão e impacto no bem-estar dos associados. No Centro-Oeste, o Observatório do Cooperativismo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) foi criado com o objetivo de concentrar iniciativas, dados e informações sobre a temática das cooperativas e das instituições de economia solidária existentes no Estado.
Recentemente, após visitas e contato com esses observatórios já consolidados, a OCB-AC apresentou à reitoria da Universidade Federal do Acre a proposta de criar um Observatório do Cooperativismo no Estado. O objetivo é desenvolver atividades de ensino, como cursos, capacitações, especializações e MBA, e pesquisas nas mais variadas áreas de atuação do cooperativismo, criando projetos de extensão junto às cooperativas, cooperados e seus familiares.
O projeto que pretende criar essa conexão entre meio acadêmico, cooperativista e comunidade foi recebido com muito entusiasmo e promete criar uma nova perspectiva para a região norte do país. O presidente do Sistema OCB Acre, Valdemiro Rocha, conta que o projeto de instalação do Observatório do Cooperativismo já está na fase de oficialização e a intenção também é fomentar o surgimento de outros observatórios em todos os estados da Amazônia Legal. “Nós ficamos com a missão de prospectar o interesse de outros pesquisadores de outras universidades da Amazônia Legal. Na última Assembleia Geral da OCB, em Brasília, coloquei essa proposta para o plenário, com representantes de todos os estados, e foi aprovada por unanimidade”, comenta.
Incentivando a criação de uma rede de pesquisadores para conectar nossos trabalhos e coordenar ações conjuntas, os integrantes do Encontro Brasileiro de Pesquisadores em Cooperativismo irão somar a iniciativa do Observatório no Acre, viabilizando novos espaços de interação para a produção de pesquisa aplicada sobre o movimento na Amazônia. “Produzir conhecimentos é a base para conhecer melhor a realidade e fundamentar ações para o futuro. Quanto mais conhecermos sobre o cooperativismo na Amazônia, mais será possível planejar intervenções que ampliem sua capacidade produtiva e gerencial e fortaleça sua resiliência”, complementa o professor.
“Fomentar a cultura do cooperativismo dentro do ambiente acadêmico é fundamental, mas só é potencializada se o conhecimento gerado chegar até as comunidades”, Valdemiro Rocha, presidente do Sistema OCB AC.
PROTAGONISMO EM ASCENSÃO
O território amazônico se tornou um dos holofotes do mundo, e a crescente demanda por produtos da sociobiodiversidade, associada ao aumento do consumo consciente são fatores que têm impulsionado também o cooperativismo. Entretanto, a onda de sustentabilidade também traz um alerta a respeito de valores e consciência nesse mercado. “É preciso sempre estar em evidência qual é o papel das comunidades tradicionais e suas cooperativas nas cadeias produtivas, para que elas não sejam marginalizadas e mal remuneradas no processo comercial. O valor que elas capturam precisa considerá-las como agentes da sociobiodiversidade amazônica, da resiliência da floresta e das comunidades, não apenas meras fornecedoras de uma matéria-prima”, acentua Alair de Freitas.
Na região norte, mais especificamente no Acre, o cooperativismo é, predominantemente, caracterizado por cooperativas vinculadas à agricultura familiar, incluindo extrativismo, ribeirinhos e comunidades e comunidades de povos originários. Nesse contexto, Valdemiro explica que o modelo cooperativista é fundamental para a geração de renda para as pessoas que habitam o meio rural, possibilitando a organização em estruturas que viabilizem a comercialização a produção. “No Acre, algumas das cooperativas mais importantes que nós temos dentro da agricultura familiar são as extrativistas e um dos maiores compromissos que eles assumem, seja na colheita da castanha, na coleta do látexde seringueira nativa ou do palmito, é o da preservação e conservação do meio ambiente”, destaca.
Valdemiro acrescenta que, com a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a revitalização da Conab e do Ministério da Agricultura e a reestruturação do Ministério do Meio Ambiente, a partir de 2023, passou a existir uma série de políticas de fortalecimento e fomento da organização de agricultores familiares, de extrativistas, de ribeirinhos, de cooperativas em comunidades de povos originários e quilombolas. Tudo isso mostra a importância de fomentar o fortalecimento do cooperativismo, trazendo os esforços governamentais como grandes aliados nesse processo, ainda mais no que diz respeito a atuação na Amazônia Legal.
A Amazônia é um símbolo do desenvolvimento sustentável por promover o equilíbrio de diversos ecossistemas. Essa projeção global, por sua vez, representa mais do que uma agenda a ser cumprida e traz à tona a urgência da preservação em uma conjuntura onde o que está em discussão deixou de ser apenas o futuro. Os impactos estão sendo sentidos no momento presente e a mudança também precisa estar.