Cooperativismo

Cooperativas de crédito ampliam cardápio de investimentos para disputar com corretoras

As cooperativas são enormes no país e, apesar de estarem sendo incorporadas por outras, estão ampliando as agências, os cooperados e a representatividade no sistema financeiro

Por Valor Investe 17/06/2024 09h09
Cooperativas de crédito ampliam cardápio de investimentos para disputar com corretoras
Cooperativas de crédito avançam cada vez mais no Brasil - Foto: Reprodução

Com os brasileiros mais interessados por investimentos e os assessores e influenciadores desse segmento chegando ao interior do país, as cooperativas de crédito estão ampliando o cardápio de investimentos para não perder os 19 milhões de associados e conquistar novos. A ideia é deixar de ser apenas a fonte principal de empréstimos dos cooperados e ser também a sua principal plataforma de investimentos.

As cooperativas de crédito são instituições financeiras que prestam serviços exclusivamente aos seus associados. Os cooperados são os donos e ao mesmo tempo os usuários dos serviços, que são parecidos com os disponíveis nos bancos, como conta, cartão de crédito, empréstimos, financiamentos e investimentos. O atendimento em geral é mais personalizado e as condições dos produtos e serviços, melhores e com taxas mais atraentes.

Os associados participam da gestão das cooperativas, que não visam lucro. Os resultados positivos das instituições, conhecidos como sobras, são repartidos entre os cooperados. Contudo, os associados estão sujeitos a participar da divisão das eventuais perdas.

As cooperativas são enormes no país e, apesar de estarem sendo incorporadas por outras, estão ampliando as agências, os cooperados e a representatividade no sistema financeiro. O Brasil conta com dois bancos cooperativos e 616 cooperativas, que alcançam R$ 953 bilhões em ativos (na carteira de crédito e nas demais operações) e 19 milhões de cooperados, segundo o último relatório do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop).

Historicamente, as cooperativas disponibilizam como investimentos os recibos de depósitos cooperativos (RDCs), títulos de renda fixa equivalentes aos certificados de depósitos bancários (CDBs) dos bancos, além de letras de crédito agrícola e imobiliário (LCAs e LCIs). Eles são cobertos pelo FGCoop, que garante os depósitos em caso das instituições não pagarem os investidores, até R$ 250 mil por CPF, assim como o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) faz quando um banco quebra.

Como as cooperativas captam dinheiro por meio desses papéis, elas sempre tiveram receio que oferecer outros investimentos diminuísse a sua captação via esses primeiros ativos. Acontece que, com os assessores das corretoras se disseminando pelo interior do país e os influenciadores de finanças divulgando conteúdo na internet, o tema de investimentos está chegando nas cidades menores, exatamente onde estão a maioria das cooperativas. Aumentou a competição entre as corretoras e essas instituições, para ver quem conquista os investidores. E, no final, quem se deu bem foram os brasileiros.

O que cada cooperativa oferece

A cooperativa de crédito que está mais adiantada em investimentos é a Unicred, dedicada a profissionais da saúde. A terceira maior cooperativa do Brasil, com R$ 28 bilhões em ativos como um todo (não apenas investimentos) e 300 mil associados, está prestes a ganhar o aval do Banco Central para atuar como uma distribuidora de investimentos. A operação deve começar ainda este mês.

É a primeira vez que uma cooperativa terá uma plataforma de investimentos aberta, ou seja, distribuirá investimentos do mercado todo, como fundos de investimentos e papéis de renda fixa de outras instituições financeiras, além de ações, fundos imobiliários e Tesouro Direto. A plataforma será uma intermediária do banco BTG Pactual e esse modelo é denominado de “corretora light”. Isso significa que todos os produtos da plataforma do BTG estarão acessíveis aos associados da Unicred.

Atualmente, cerca de 35% dos cooperados da instituição são investidores e essa parcela está aumentando ano a ano. “Os associados da cooperativa são poupadores também e percebemos que havia uma demanda deles por investimentos” afirma Patricia Palomo, diretora executiva da distribuidora da Unicred. “As cooperativas possuíam os seus produtos próprios, mas com a sofisticação do mercado de investimentos e dos investidores, notamos uma saída de recursos das contas deles em direção às plataformas de investimentos, especialmente em busca de investimentos de maior risco”, diz.

Achando que esse movimento não seria passageiro, a Unicred agora contará com a estrutura própria para oferecer os investimentos que os cooperados estavam buscando em outras corretoras. Na análise de Palomo, uma das vantagens principais de investir por meio das cooperativas é o alinhamento de interesses entre a instituição e os investidores. Nas corretoras e bancos, os assessores de investimentos ganham comissões conforme os produtos vendidos, ou seja, recebem incentivos para estimular a compra de aplicações financeiras, que não necessariamente são as melhores para os clientes.

Já nas cooperativas, os funcionários não ganham comissões conforme os produtos vendidos, o que reduz esse potencial conflito de interesses ao recomendar os melhores investimentos. “Nas cooperativas, o interesse está em oferecer os investimentos adequados aos associados, porque o que mais importa é o relacionamento com eles”, diz a diretora da distribuidora da Unicred.

A Sicredi, a maior cooperativa do Brasil, com R$ 350 bilhões em ativos como um todo e 8 milhões de associados, ampliou os investimentos oferecidos também. Embora a sua plataforma de investimentos não seja aberta, ela dá acesso a ações e fundos imobiliários, além de 40 fundos de outras gestoras e da cooperativa. Apenas não entram na plataforma o Tesouro Direto e os títulos de renda fixa emitidos por bancos. Isso é possível porque a Sicredi tem uma parceria com a corretora Genial, mas não são todos os produtos dessa plataforma que são oferecidos aos cooperados.

“Somos muito focados em crédito, mas à medida que o mercado financeiro foi evoluindo e democratizando as informações, entendemos que dar assistência em investimentos é também um ponto importante na inclusão financeira”, afirma Dionatan Severo, gerente de negócios de investimento da Sicredi. “Vimos uma oportunidade de melhorar o portfólio de produtos e a capacitação dos colaboradores para atenderem lá na ponta”, diz.

Ele acrescenta que a cooperativa escolheu oferecer menos produtos para diminuir a complexidade da escolha para o investidor, mas que dá acesso a fundos de gestoras renomadas como Alaska, Capitânia e Verde, quando eles estão abertos para investimentos novos.

Severo destaca ainda como benefícios para o investidor o atendimento mais próximo e as taxas menores dos fundos. “Não queremos rentabilizar em cima dos associados agressivamente. Precisamos de resultados positivos nas cooperativas, mas existem formas mais saudáveis de alcançá-los, sem conflitos de interesse na oferta”, afirma.

A Sicoob, a segunda maior cooperativa do Brasil, com R$ 280 bilhões em ativos como um todo e 8 milhões de associados, também passou a dar mais importância aos investimentos, mas é a cooperativa com menos opções entre as maiores. A sua plataforma de investimentos não é aberta, mas dá acesso a bolsa, fundos da gestora da Sicoob e Tesouro Direto.

“Discutimos a ideia de uma plataforma aberta e cedo ou tarde pode ser que ela vire realidade, mas esse não é um assunto que estamos em vias de resolver”, afirma Marcos Vinicius Viana Borges, diretor de operações da Sicoob. “Mais de 78% dos cooperados que também são investidores aplicam em papéis emitidos pela cooperativa, o que mostra que eles são mais conservadores e confiam nessa aplicação”, diz. Ele acrescenta que a decisão de incluir investimentos de renda variável na plataforma não foi trivial, mas que a cooperativa concluiu que era necessário dar esse passo para se manter competitiva.

Os benefícios e as desvantagens


As vantagens principais de investir por meio de uma cooperativa são: atendimento mais personalizado e o conflito de interesses menor na oferta de produtos, afirma Myrian Lund, planejadora financeira certificada pela Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar), coordenadora de pós-graduações em gestão de cooperativismo de crédito e atuante em cooperativas de crédito.

É claro que a cooperativa tem um interesse maior que o investidor aplique no RDC (os Recibos de Depósitos Cooperativos, condizente aos CDBs dos bancos) da instituição, mas o conflito de interesses é menor na oferta dos outros produtos que não são emitidos pela cooperativa, porque os especialistas não ganham incentivos para indicar investimentos. Já as maiores desvantagens, diz Lund, são: a menor oferta de produtos e de profissionais especializados para orientar o cliente.

As taxas de retorno oferecidas nas aplicações são parecidas com as do mercado em geral. As remunerações dos papéis de renda fixa não são altas demais porque o risco de investir nas cooperativas é relativamente baixo, mas também não são muito baixas porque elas necessitam ser atrativas para conquistar os investidores.

"As cooperativas que não disponibilizam mais produtos estão perdendo cooperados ou a chance de atrair associados novos", afirma a planejadora financeira. “As cooperativas que oferecem investimentos de terceiros [leia-se produtos de gestoras de recursos ou até de plataformas] aumentam a captação de dinheiro e o número de cooperados”, diz.

Ela acrescenta que antigamente existia uma ideia de que os investidores presentes nas cooperativas eram conservadores e que os papéis de renda fixa bastavam para eles, mas que esse entendimento está lentamente mudando com as novas gerações chegando aos conselhos de administração das instituições. Os mais jovens aceitam correr mais riscos ao investir, se interessam por uma diversidade maior de aplicações e provocam as instituições a evoluir.