Economia
Orçamento apertado: inflação impulsiona atacarejos
Disposta a fazer seu dinheiro chegar ao fim do mês, a técnica de enfermagem Luísa Macedo, de 52 anos, entrou pela primeira vez nesta quinta-feira em uma unidade do que vem sendo chamado popularmente de "atacarejo" – um supermercado que vende tanto no atacado quanto no varejo.
"Amigos haviam me dito que nessas redes poderia encontrar produtos mais baratos. Com os preços aumentando tanto, achei que podia ser uma boa forma de economizar e resolvi conferir", diz ela, depois de colocar um enorme pacote com latas de milho no carrinho.
O IBGE anunciou nesta sexta-feira que a inflação medida pelo IPCA foi de 0,71% em abril, contra 0,67% do mesmo período do ano passado e 1,32% em março. No ano, já acumula 4,56%, superando o centro da meta definido pelo Banco Central, de 4,5%.
E ao que tudo indica, Luísa não é a única que resolveu testar o atacarejo em uma tentativa de se proteger da alta de preços.
Segundo uma pesquisa da consultoria Nielsen, essa foi a modalidade de supermercado cujas vendas mais cresceu em 2014.
A expansão foi de 9,7% no segmento, quase o dobro da experimentada pelo setor como um todo (4,9%).
As vendas dos hipermercados varejistas (lojas com mais de 20 caixas para cobrança) chegaram a cair 0,7% em 2014, ano marcado por uma expansão do PIB de parcos 0,1%.
"A modalidade do atacarejo já vinha crescendo de forma acelerada nos últimos anos, mas o que segurou as vendas do setor nesse cenário de economia menos favorável foi o fato de ele ter como diferencial os preços mais baixos", diz Marco Antonio Giorgi, analista de mercado da Nielsen.
"Em um momento de estagnação da renda, maior endividamento das famílias e inflação em alta, a classe C não quer deixar de consumir os produtos aos quais se acostumou nos últimos anos. E uma forma de tentar evitar isso é comprar esses produtos mais baratos nos atacarejos."
Em 2014, o atacarejo brasileiro, que inclui redes como Assaí, Maxxi e Atacadão, se expandiu 12%. E o segmento adicionou a sua carteira de clientes um total de 1,4 milhão de novas famílias, segundo a Nielsen.
"A classe C ganhou mais espaço no setor: passando de uma participação de 47,9% para 49,2% das vendas entre 2013 e 2014", afirma Giorgi.
Compras de estoque
O analista da Nielsen também destaca que, no ano passado, os carrinhos de compras de quem frequenta os atacarejos ficaram maiores.
As compras de mais de R$ 150 passaram de 53% para 62% do total.
"Acho que podemos dizer que as pessoas estão se organizando mais e fazendo um pouco mais de estoque do que há alguns anos, embora o cenário ainda esteja muito distante do que ocorria nos anos 1990, quando os trabalhadores recebiam seus salários e corriam para os supermercados porque os preços podiam subir no dia seguinte."
Rodrigo Mariano, gerente de economia e pesquisa da Apas (Associação Paulista de Supermercados) parece concordar com o diagnóstico.
"De fato há uma reversão da tendência de aumento da frequência das visitas ao supermercados, que vinha se consolidando nos últimos anos. As pessoas estão planejando mais as compras", diz ele.
"Mas ainda estamos longe de uma volta às compras de estoque – e não só porque a inflação é muito mais baixa que a dos anos 1990, mas também porque a realidade das famílias é outra. Hoje os apartamentos são muito menores, por exemplo. Há pouco espaço e estrutura para estocar produtos."
Estratégia
Com as vendas do atacarejo tão aquecidas, não é difícil entender porque a modalidade segue no centro da estratégia da expansão das grandes redes varejistas no Brasil.
O Carrefour comprou o Atacadão por US$ 1,1 bilhão ainda em 2007 e o Walmart tem a rede Maxxi. O Pão de Açúcar é dono do Assaí e nos últimos três anos investiu R$1 bilhão para ampliar a rede, segundo o presidente do Assaí, Belmiro Gomes.
"Em cinco anos, nosso faturamento cresceu 200%. Só no ano passado abrimos nove novas unidades e este ano já foram três inaugurações", diz Gomes.
Para Silvio Laban, professor do Insper, o setor também pode ter um crescimento de vendas para pequenos empresários se uma alta dos índices de desemprego levar mais pessoas a abrir negócios (formais ou informais) no setor de alimentos.
"Mas acho muito cedo para sabermos se isso vai acontecer mesmo. E também para entender se esse segmento será dominante e se o hipermercado vai mesmo acabar. Ouço essa história do fim do hipermercado há anos", diz Laban.