Economia
Da grota ao lucro: como o empreendedorismo feminino pode mudar o futuro de uma comunidade
Com determinação e coragem, empreendedoras femininas alcançaram o sucesso e transformaram suas vidas com os próprios negócios
Apesar dos obstáculos que as empreendedoras femininas enfrentam durante o dia a dia, como a falta de acesso à educação e recursos financeiros, as trabalhadoras encontram nas oportunidades de negócios uma forma de transformar suas vidas.
Elas identificam problemas em suas comunidades e criam soluções criativas para resolvê-las. São pequenos negócios, como vendas de alimentos e roupas, salões de beleza, oficinas mecânicas e outros, que geram empregos, impulsionam o crescimento econômico e melhoram a qualidade de vida da população local.
Os desafios são muitos. Mas, o empreendedorismo feminino nas grotas tem se tornado cada vez mais relevante nos últimos anos. Desse modo, vem se destacando como uma forma efetiva de transformar o futuro das comunidades, especialmente em áreas de baixa renda e vulnerabilidade social. E o Estado de Alagoas tem sido um grande exemplo disso. Surgiram iniciativas para apoiá-las, como programas de capacitação, e redes de apoio formado por outras mulheres empreendedoras.
Embora as dificuldades apareçam, as mulheres não desistem e continuam inovando para manter suas empresas. Utilizam a determinação e a coragem para seguir em frente, como é o caso da moradora da Grota do Grutão, localizada na Gruta de Lourdes, Ana Cecília Santos da Silva, 40 anos, fundadora da Duda Sabores.
Ela foi aluna da Escola Estadual Deputado Guilhermino de Oliveira, começando sua jornada no empreendedorismo em 17 de junho de 2019. Hoje, é uma excelente referência em produzir comida caseira e fornece quentinhas para as empresas prestadoras de serviços que trabalham nas obras da Secretaria de Estado de Transporte e Desenvolvimento Urbano (Setrand-AL).
Antes de iniciar com a Duda Sabores, a Microempreendedora individual (MEI) Cecília, trabalhou como cozinheira durante sete anos em uma empresa, e preparava os mais diversos tipos de pratos culinários. Porém, preferiu abrir o seu próprio negócio para ser sua fonte de renda.
“Comecei a trabalhar desde os 13 anos de idade. Vivia sempre na cozinha dos outros. Depois que trabalhei esse tempo todo nessa última empresa, percebi que estava me dedicando dia e noite e o dinheiro que recebia não dava para sobreviver. A partir daí, decidi empreender para pagar as contas e ter uma fonte de renda melhor para sustentar a minha filha. Com isso, surgiu a Duda Sabores. Hoje consigo efetuar o pagamento da minha casa, dos funcionários e sobreviver”, explica.
Com quatro anos fazendo comida caseira, Ana Cecília diz que é muito importante ter o próprio negócio, porque se ganha autonomia para tomar decisões e implantar novas ideias. Além disso, é possível administrar melhor o tempo, ter estabilidade financeira equivalente ao trabalho, qualidade de vida e realização profissional.
“Antes de empreender, trabalhava com uma carga horária menos flexível e meus ganhos não eram proporcionais a quantidade de horas trabalhadas. Hoje, tenho horário mais flexível e com ganhos maiores, correspondentes à dedicação e ao esforço. Durante o dia, atendo de segunda a sexta-feira, de 10h às 13h pelas redes sociais, especificamente pelo Instagram e WhatsApp. Em média, consigo vender 140 quentinhas por dia, que custam entre R$14,00 a R$25,00 reais. E forneço cerca de 90 quentinhas por dia para as empresas prestadoras de serviços. Atualmente, na minha empresa existem dois cozinheiros que me ajudam, e três motoboys que entregam as refeições”, comenta.
Contudo, a pandemia da Covid-19 não afetou o empreendimento de Cecília, pois desde quando abriu o seu negócio, ela já tinha incluído alternativas efetivas, como o atendimento delivery. “O atendimento sempre funcionava bem e vendia até mais do que o esperado. Nesta época, ainda bem que não impactou diretamente o meu estabelecimento Duda Sabores”, lembra.
Para quem quer empreender, Cecília aconselha, “Se o seu sonho é empreender, arrisque-se, saia de sua zona de conforto, planeje, e nunca desista dos seus sonhos. Vá em busca dos objetivos, do que realmente quer. Ser empreendedor é muito gratificante, principalmente quando fazemos com amor. E eu amo cozinhar. Gosto de preparar algo saboroso para o próximo”, finaliza.
Na ocasião, os donos de pequenos negócios mostraram resiliência ao longo dos últimos anos para enfrentar os diversos impactos trazidos pela pandemia da Covid-19. De acordo com os dados apresentados da 14ª pesquisa do Impacto da Pandemia do Coronavírus nas Micro e Pequenas Empresas, que foi realizada entre 25 de abril e 2 de maio de 2022, pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelam que a proporção de empresas com queda no faturamento alcançou o menor patamar da série histórica, iniciada em março de 2020.
Em média, 59% das empresas ainda estão enfrentando redução no faturamento, sendo que os microempreendedores individuais (MEI) são os mais afetados, com uma porcentagem de 62%, enquanto as micro e pequenas empresas (MPE) apresentam uma porcentagem menor, de 53%.
O levantamento mostra também que as perdas são em média de 23%, conforme o movimento de recuperação das perdas. Entretanto, os impactos da pandemia têm um peso ainda maior nas contas dos MEI do que nas das MPE. Enquanto os MEIs ainda enfrentam perdas de 29%, as MPEs sofrem com uma redução menor, de 14% no faturamento.
Essa pesquisa ainda revelou que 65% dos proprietários de pequenas empresas estão enfrentando problemas financeiros, mas as micro e pequenas empresas (MPE) estão mais endividadas do que os microempreendedores individuais (MEI). No total, 73% das MPE possuem dívidas pendentes, enquanto que 60% dos MEI têm contas a pagar.
É importante destacar que a renda dos microempreendedores individuais está mais prejudicada nesse aspecto.
Em média, 59% dos pequenos negócios têm mais de um terço de seus custos mensais afetados por dívidas, enquanto essa porcentagem aumenta para 67% entre os MEI. Por outro lado, apenas 48% das MPE estão na mesma situação.
Mudança de perspectiva
O empreendedorismo feminino tem se destacado em diversas áreas, e nos salões de beleza não é diferente. Cada vez mais as mulheres estão assumindo o comando de seus próprios negócios, e o mercado de beleza é um dos que mais cresce nesse sentido.
As proprietárias que oferecem esses serviços têm desempenhado um papel fundamental na criação de comunidades fortes em torno de seus negócios. Porém,também enfrentam desafios, como a concorrência acirrada e a necessidade de manter-se atualizado com as tendências do mercado. Contudo, essas mulheres estão sempre buscando soluções para superar esses desafios e tornar seus negócios ainda mais bem-sucedidos.
Com sua liderança inspiradora e inovação constante, essas mulheres estão transformando a indústria da beleza e criando um futuro mais brilhante para si e para suas comunidades. Um exemplo é o da Emanuelly Rodrigues,
empresária do Studio L&E, juntamente com a sua cunhada Laís Almeida. Ambas têm funções diferentes no salão de beleza. Rodrigues é especialista em unhas em gel, enquanto Almeida é cabeleireira.
Emanuelly estudou na Escola Estadual Profª Josefa Conceição Da Costa, situada no bairro do Canaã. A profissional especialista em unha de gel está com o seu empreendimento há cinco meses e já está conquistando a clientela na cidade. O espaço, localizado na Grota do Grutão em Maceió, oferece uma variedade de serviços, desde a aplicação de unhas em gel, manicure e pedicure, até corte de cabelo para mulheres,coloração, tratamentos capilares e reconstrução.
Com mais de quatro anos de experiência no mercado de beleza relacionados à estética e beleza das mãos e pés, a profissional de Nail Designer, Emanuelly, decidiu abrir o seu próprio negócio e investir em um espaço aconchegante e moderno para atender às suas clientes.
“Após anos trabalhando para outras pessoas, decidi que era hora de investir em mim mesma e abrir o meu próprio negócio. A partir daí, comecei a fazer unha, aí chamava minhas amigas, fazia o desenho, até que uma amiga minha me chamou para trabalhar com ela e lá ela me ensinou a fazer unha de gel. Foi assim que entrei no ramo e até hoje estou aqui”, pontua.
Desde a inauguração do estabelecimento, Emanuelly Rodrigues tem se dedicado intensamente em promover o seu trabalho e divulgar os seus serviços nas redes sociais, atraindo cada vez mais clientes em busca de um trabalho de qualidade
"Depois de trabalhar em várias empresas desde setembro de 2022, acabei sendo demitida do meu último trabalho. Foi aí que me sentei com minha cunhada, conversamos e decidimos pegar cartões emprestados para comprar tudo o que precisávamos para abrir o salão. Em um mês, conseguimos abrir as portas do nosso próprio negócio. Atualmente, divulgo os meus trabalhos pelas redes sociais e tenho obtido grande sucesso nessa estratégia de marketing”, salienta.
De acordo com informações fornecidas por uma das donas, o salão de beleza está gerando um lucro médio de R$ 2 mil reais por mês. Os valores para serviços de unha em gel, de fibra e postiças no salão variam entre R$ 20,00 a R$ 90,00 reais, enquanto que os valores para serviços de cabelo dependem da necessidade e demanda de cada cliente. Já o horário de atendimento é de domingo a domingo, das 14h às 22h.
“Apesar de o lucro estar sendo bom, atualmente ele está sendo destinado para o pagamento das despesas, pois o negócio ainda está em fase inicial e precisa se estabelecer no mercado”, informa a profissional de Nail Designer.
Emanuelly é Microempreendedor Individual (MEI) e incentiva as pessoas a perseguirem seus sonhos e acreditarem em seu potencial, afirmando que com determinação e esforço é possível alcançar qualquer objetivo desejado. “Tenho certeza que o empreendedorismo feminino pode mudar o futuro de uma comunidade”, complementa.
Conforme ainda a 14ª pesquisa do Impacto da Pandemia do Coronavírus nas Micro e Pequenas Empresas, os segmentos mais afetados pela pandemia já não estão tão distantes da média em comparação ao período de crise.
Em comparação com uma semana normal, o faturamento desses setores teve queda de 34% no setor de beleza, 32% no artesanato, 31% na economia criativa, 29% no turismo e 29% na moda.
No entanto, os setores do turismo e da economia criativa mantiveram um ritmo forte de recuperação. Não houve piora em nenhum dos segmentos, e os menos afetados geralmente se mantiveram estáveis, o que indica uma dificuldade em atingir a recuperação total. O setor de beleza melhorou, passando de uma queda de 42% para 34%.
A importância do apoio e incentivo
O empreendedorismo tem sido essencial para o desenvolvimento econômico no país, mas nem sempre é fácil para quem está começando. É aí que entra a importância do apoio e incentivo, especialmente para aqueles que estão iniciando no mundo dos negócios. Em Alagoas, o Sebrae é uma das entidades que apoia e orienta os empreendedores de diferentes segmentos.
Segundo a analista do Sebrae-AL e gestora do programa Sebrae Delas, Érica Pereira, a entidade tem desenvolvido diversas ações, como cursos, consultorias e palestras. E que essas iniciativas têm sido fundamentais para o crescimento e fortalecimento dos negócios liderados por mulheres no estado.
“O Sebrae Delas tem o propósito de aumentar a probabilidade de sucesso de ideias, buscando valorizar as competências, comportamentos e habilidades das mulheres, difundindo e profissionalizando o empreendedorismo feminino, através de capacitações em temas comportamentais como gestão das emoções a temas técnicos de relevância para os negócios a exemplo de inovação”, assinala.
Na ocasião, o programa tem como público-alvo tanto mulheres empreendedoras que já possuem um negócio formalizado ou não, quanto aquelas que estão na fase inicial do empreendedorismo, com ideias a serem desenvolvidas.
Conforme ainda as informações da analista, em 2022, o Sebrae-AL se associou a Be.Labs para aplicar a metodologia Efeito Furacão, oferecendo capacitação, mentoria e suporte técnico para empreendedores locais, a fim de fortalecer seus negócios e aumentar seu impacto na comunidade.
Essa metodologia Efeito Furacão tem se mostrado eficaz para as empreendedoras que participam do programa de pré-aceleração de negócios. No ano passado, foram realizadas cinco turmas, sendo três no formato híbrido e duas online, com um total de 583 inscrições e 155 empreendedoras selecionadas. Ao final do processo, 86% das participantes afirmaram ter identificado novas formas de aumentar o faturamento de suas empresas.
“Ao longo da trilha de conhecimento, foram identificadas as principais dificuldades enfrentadas pelas empreendedoras, que incluem: marketing digital, logística, inteligência emocional, gestão de tempo, precificação, captação de clientes, modelo de negócio, gestão de pessoas, organização, atendimento ao cliente, capital de giro, qualidade, vendas e recursos”, complementa a analista.
Vale ressaltar que há também diversos programas e iniciativas de apoio às empreendedoras femininas em Alagoas, tais como a Rede Mulher Empreendedora, o Projeto Ela Pode em parceria com o Google, o Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (MPO) da Desenvolve, dentre outros. Além desses, há outras iniciativas de capacitação e mentoria oferecidas por organizações não-governamentais, empresas privadas e instituições de ensino.
A força das mulheres nos negócios
Sim, elas podem! Nos últimos anos, as mulheres vêm ganhando cada vez mais espaço no mundo dos negócios, desafiando as desigualdades de gênero e conquistando posições de liderança em diversas áreas. As mulheres têm se destacado pela sua capacidade de inovar e empreender de forma consciente, com foco em solucionar problemas sociais e ambientais.
Nas grotas, por exemplo, as dificuldades existem e as oportunidades são escassas. Porém, a criatividade tem mostrado que é possível transformar a realidade da comunidade e alcançar o sucesso financeiro. São histórias inspiradoras de pessoas que, muitas vezes, começaram com pouco ou nada, mas que, com visão de negócio, capacidade de gestão, redes de apoio, planejamento, acesso a crédito, estratégias de marketing, networking e muito trabalho duro, conseguiram criar negócios bem-sucedidos que estão gerando emprego e renda para as suas comunidades.
Isto é, quando uma mulher empreende, ela faz a economia girar e encoraja a participação de outras mulheres nos negócios. Sendo assim, mostra que as mulheres podem ser agentes de transformação e desenvolvimento econômico em suas regiões.
Em março de 2023, o Sebrae divulgou o levantamento entre os anos de 2016 a 2022 que revelou que 33% dos negócios alagoanos são comandados por mulheres. O estudo “Empreendedorismo Feminino no Brasil em 2022”, que tem como base nas informações disponibilizadas pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), destacou que em 2022 havia 116.256 empreendedoras no Estado, o correspondente a 1,1% do total de mulheres donas de negócios no país, que somou 10,3 milhões.
Esse estudo do Sebrae-Al ainda apresentou que do total de mulheres empreendedoras em Alagoas, 91% atuavam por conta própria. Nesse segmento, o Estado do Maranhão registrou o maior índice,s. As mulheres têm se destacado pela sua capacidade de inovar e empreender de forma consciente, com foco em solucionar problemas sociais e ambientais.
Desse modo, o empreendedorismo feminino nas grotas mostra a força e a resiliência das mulheres em enfrentar os desafios e transformar suas realidades. Com o apoio necessário, essas empreendedoras têm o potencial de mudar não apenas suas próprias vidas, mas também o futuro de suas comunidades.
De acordo com os dados do Sebrae-AL do ano de 2022, foram atendidos clientes de diversos segmentos, como microempreendedores individuais (MEI), microempresas (ME), empresas de pequeno porte (EPP) e pessoas físicas (PF).
Alguns clientes não informaram seus dados, enquanto outros não foram encontrados. Do público feminino, foram atendidas (4.915) MEI, (1.654) ME, (415) EPP e (2.775 PF), enquanto o público masculino recebeu atendimento com (4.227) MEI, (2.025) ME, (684) EPP e (2.213) PF. No total geral, foram atendidos 18.742 clientes. Esses dados são importantes para aprimorar nossas estratégias de atendimento e garantir que todos os públicos sejam atendidos de forma igualitária.
“O Sebrae também oferece 70% em consultorias técnicas por meio do programa Sebraetec para levar inovação e tecnologia aos pequenos negócios, além de sensibilizar as mulheres sobre esses temas e facilitar seu acesso a recursos e informações necessárias para promover o empreendedorismo feminino. Lembrando que por meio do programa, as empresas têm acesso a serviços tecnológicos, como consultorias e serviços de apoio técnico, que podem ajudá-las a implementar soluções inovadoras em suas atividades”, pontua a analista responsável pelo empreendedorismo feminino do Sebrae Alagoas, Érica Pereira.
Diante desse cenário, com políticas púbicas e investimentos em programas de capacitação e financiamento, é possível ampliar ainda mais o potencial desses empreendimentos para a geração de emprego, renda e desenvolvimento socioeconômico em todo o Brasil.