Economia
Secretária da Fazenda diz que perdas por causa do afundamento do solo em Maceió podem somar R$ 30 bilhões
Renata Santos, titular da pasta em Alagoas, afirma que estudo mostra que prejuízo mínimo com afundamento do solo é de cerca de R$ 20 bilhões
Não será tarefa simples – muito menos pacífica – fixar os prejuízos causados pelo afundamento do solo em ao menos 10 bairros de Maceió, onde a petroquímica Braskem mantém minas de sal-gema, material usado na produção de itens como PVC e soda cáustica. Mas, segundo a secretária da Fazenda de Alagoas, Renata Santos, estudos recentes encomendados pelo governo do estado mostram que essa conta pode chegar a valores que variam de cerca de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões.
As estimativas incluem impactos em seis áreas. Elas abrangem desde perdas do patrimônio físico do estado, caso de escolas e equipamentos de saúde, a danos individuais (morais) e coletivos (ambientais), além do sufoco provocado na Região Metropolitana de Maceió pelo deslocamento já realizado de mais de 60 mil pessoas, moradores das áreas afetadas, o equivalente a 5,8% da população da capital alagoana. A seguir, em entrevista ao Metrópoles, a secretária expõe detalhes sobre tudo o que esse dinheirão em indenizações engloba.
Como o governo de Alagoas está definindo os prejuízos provocados pelo afundamento do solo em Maceió?
Estamos discutindo os problemas com a Braskem desde 2019. Ao longo desse tempo, fizemos vários estudos. Em um deles, o mais recente, as estimativas de custo chegam, no cenário mais estressado, a R$ 30 bilhões. A menor avaliação de perdas é de cerca de R$ 20 bilhões.
Quais custos foram considerados nessa análise?
O estudo reúne impactos em várias frentes. Elas incluem o prejuízo para o patrimônio físico do estado, cujo custo é mais fácil de ser definido, além da queda de arrecadação de impostos, como o ICMS. Trata também dos danos morais das vítimas, problemas de mobilidade urbana e as consequências para os municípios da Região Metropolitana de Maceió do afundamento do solo. Por fim, abrange danos ambientais.
Em relação às vítimas, quais são os pontos abordados no estudo?
Antes dos últimos desdobramentos do caso, que aconteceram no fim de novembro com o afundamento de novas áreas, as indenizações por danos morais das mais de 60 mil pessoas afetadas pelo problema foram negociadas pela Braskem por família, num total de cerca de 15 mil famílias. Não concordamos com isso. Acreditamos que o dano moral deve ser estabelecido por pessoa. E ainda temos de incluir as indenizações dos cerca de 10 mil moradores das novas regiões que também estão afundando.
Ou seja, sob o ponto de vista do estado, não seriam 15 mil indenizações, mas cerca de 70 mil, considerando o mais recente problema, na mina 18?
Sim. Essa é a nossa interpretação da lei.
Sobre os danos ao patrimônio, a senhora disse que esse cálculo é mais fácil de ser feito. Por quê?
Porque eles incidem diretamente sobre equipamentos específicos. Um dos maiores impactos, até sob o ponto de vista humanitário, envolve o único hospital psiquiátrico público de Alagoas (o Hospital Escola Portugal Ramalho). Ele está numa das áreas atingidas pelo novo afundamento do solo. Parte dos pacientes (cerca de 90, no total) já começou a ser removida. São pessoas que podem voltar para casa, mas com alguma assistência. Também estamos procurando um hospital para ser alugado.
Quais outros equipamentos foram afetados?
Escolas, por exemplo. Hoje, o maior complexo de salas de aula públicas de Alagoas, o Cepa (Centro Educacional de Pesquisa Aplicada), está sendo monitorado. Já tivemos de alugar seis escolas e remanejar toda a malha de transporte escolar. Consideramos ainda que existem riscos para a Estação de Tratamento de Água (ETA) Cardoso, que abastece 400 mil pessoas.
E quanto aos efeitos sobre a arrecadação estadual?
A Braskem funciona como uma espécie de âncora da cadeia de produtos químicos e plásticos que existe em Alagoas. Um dos nossos estudos mostra que as consequências do afundamento do solo na cidade tem impacto de pouco mais de R$ 3 bilhões em um período de 10 anos na arrecadação de ICMS.
E em relação à mobilidade?
Um dos bairros onde o solo afundou fica em uma área central da cidade. Isso simplesmente bloqueou uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que circulava na região. Além disso, o problema aumentou o fluxo de veículos em algumas artérias, como uma das principais avenidas da cidade, a Fernandes Lima. O trânsito virou um nó, e o transporte ficou caótico.
Como os municípios da Região Metropolitana entram nessa conta?
Imagine que, de repente, 60 mil pessoas tenham de mudar de casa. Isso apenas nos primeiros cinco bairros afetados. Agora, já são 10. Foram 15 mil famílias procurando um novo lar. O resultado é que houve uma explosão no mercado imobiliário de Maceió e um deslocamento que sobrecarregou muitas cidades. Para dar uma ideia da dimensão do problema, basta dizer que a cidade de Satuba, por exemplo, dobrou de tamanho.
Quantas cidades foram afetadas?
Oito dos 12 municípios da Região Metropolitana, além de Maceió, sofreram impacto direto com a realocação de pessoas. Alguns deles com grande intensidade, como é o caso de Satuba. Mas, em geral, essas cidades receberam contingentes enormes de uma hora para outra e tiveram gastos ampliados com a coleta de lixo, o transporte escolar e coisas desse tipo. E tudo aconteceu de forma inesperada.
Do que trata o dano coletivo ambiental?
Uma parte da mina 18, a última a apresentar problemas, fica sob a Lagoa Mundaú. Como o solo está cedendo, a água está avançando sobre as margens. Nossas marisqueiras e nossos pescadores estão proibidos de trabalhar na região. Estamos pedindo ajuda ao governo federal para fazer um estudo sobre a possibilidade de dragar o fundo da lagoa e usar esse material para tapar as cavidades das minas. Mas essa eventual dragagem deve ser feita com muito cuidado. Não adianta criar um novo problema para tentar resolver outro.
O governo do estado também tem criticado o acordo que o município firmou com a Braskem. O que está sendo questionado?
Em linhas gerais, o município faz uma quitação de tudo. Tudo que estava no passado e pode estar no futuro. Por meio desse acordo, a empresa também está comprando as casas nas regiões afetadas pelo afundamento do solo. Daqui a 20 ou 30 anos, quando o problema estiver estabilizado, a Braskem vai ser dona de uma área de até 20% de Maceió. (A Braskem, contudo, já alegou que se comprometeu a não edificar nas áreas desocupadas, para fins comerciais ou habitacionais.)
Mas há também uma disputa política entre grupos do estado (aliados ao senador Renan Calheiros, do MDB) e do município (ligados ao presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP)?
É verdade que os grupos são adversários políticos, mas, sob o aspecto técnico, esse acordo é um escândalo.
E quais serão os próximos passos do governo do estado?
Estávamos num processo de negociação com a Braskem. Agora, dissemos que só vamos voltar a discutir o assunto quando for dada prioridade ao problema das vítimas, o que inclui as indenizações individuais por danos morais. Estamos aguardando que a empresa se posicione em relação a isso. Também podemos usar esses estudos como suporte para processos na Justiça.
Como a senhora define a atual situação de Maceió?
É uma coisa absurda. Fomos procurar um caso parecido no mundo, mas não existe nada semelhante, muito menos nas mesmas proporções. Nos bairros desocupados, que representam até 20% da cidade, o que se vê é uma cena de guerra. São bairros fantasmas. E existem aspectos subjetivos envolvidos nessa questão. As pessoas que deixaram suas casas, e aquelas que terão de deixá-las, estão sendo psicologicamente afetadas. E isso acontece de forma severa. Até agora, ninguém olhou com cuidado para esse tema.
*Com Metrópoles