Economia
Com biometano a partir de 2025, AL pode ampliar sua matriz energética renovável para mais de 90%
Zeg Biogás, pertencente à Vibra Energia, e Cooperativa Pindorama vão investir R$ 65 milhões na construção da primeira unidade industrial de produção de biogás e biometano do estado
Uma matéria prima sustentável e abundante em Alagoas pode dar início a uma nova era na produção de energia limpa no estado. Trata-se da produção de biogás e biometano a partir de um subproduto que tem origem no processo de transformação da cana-de-açúcar em álcool, a vinhaça.
A unidade industrial para conduzir as operações que vão transformar o subproduto da cana em energia teve sua pedra fundamental lançada no mês de maio deste ano, no município de Coruripe, litoral Sul de Alagoas, onde estão concentradas as instalações da Cooperativa Agroindustrial Pindorama, responsável pela nova usina, em uma parceria com a Zeg Biogás, braço da Vibra Energia.
O investimento gira em torno dos R$ 60 milhões e a partir do funcionamento deverá produzir cerca de 36 mil metros cúbicos de biometano purificado por dia e 6 milhões por ano, empregando, para a construção da fábrica, cerca de 200 pessoas, e para a operação da usina, uma média de 15 pessoas, além de outros tantos empregos indiretos para a logística de transporte e comercialização do biocombustível.
De acordo com dados do Balanço Energético de Alagoas (Beal) de 2023, documento construído pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento, Comércio, Indústria e Serviços (Sedics) para registrar e divulgar aspectos necessários ao planejamento energético estadual, a energia hidráulica e da cana de açúcar ultrapassam 87% da produção do estado, ou seja, as energias renováveis têm papel estratégico no desenvolvimento e na sustentabilidade em Alagoas.
Segundo a Associação Brasileira do Biogás, o investimento na nova planta industrial aponta que o estado caminha para ampliar sua matriz energética e o novo empreendimento deve acelerar esse processo. As projeções de especialistas apontam que Alagoas deve ultrapassar os 90% da sua produção de energia, sendo gerada a partir de fontes renováveis.
Para o CEO da Zeg Biogás, Eduardo Acquaviva, a expectativa é de que o equipamento seja um marco referencial na produção de energia limpa em Alagoas e no Nordeste brasileiro.
“Temos um potencial enorme em levar um combustível renovável para um mercado que hoje não o tem disponível, 100% alinhado com o processo de transição energética do país, através da substituição de um combustível fóssil como o diesel,óleo combustível, GLP, de uso industrial, para o biometano. Além disso, há o ganho ambiental, de redução na emissão de carbono, de uso de um composto orgânico como matéria prima. Outro ganho é o social, na criação de um novo modal com um combustível de excelente qualidade, que vai gerar todo um “know how” para a região, capacitar pessoas e distribuir conhecimento sobre essa temática”, detalha o gestor.
O biometano, ou gás natural renovável, é obtido a partir da purificação do biogás com a retirada total ou parcial do gás carbônico (Co²) de sua estrutura. Enquanto o uso do biogás se restringe à geração de energia e aquecimento de ambientes e processos industriais, como biometano seu valor se transforma, sendo um combustível para veículos e grandes motos industriais capaz de contribuir com as estratégias de descarbonização.
Os dados do BiogasMap para o ano de 2022 apontam que o estado de Alagoas possuía 4 plantas de biogás com uma produção de 43,56 milhões de Nm3 por ano. Dessas plantas, duas eram destinadas a geração de energia elétrica e as outras duas para geração de energia térmica.
Segundo a ABiogás, a produção da nova unidade industrial da Pindorama seria classificada, de acordo com os critérios do Panorama de Biogás feito pela CIBiogás, como uma planta de grande porte, o que insere, definitivamente, Alagoas no cenário de biogás brasileiro.
A ABiogás informou ainda que o potencial teórico de produção de biogás a partir da vinhaça no estado de acordo com o levantamento feito pela associação em 2021, era de 61.164.287,35 Nm3 naquele ano. Considerando o volume previsto para o novo empreendimento da Zeg-Pindorama, corresponderia a 10% desse potencial.
Em se tratando de energia elétrica, o volume de biogás gerado a partir de vinhaça nesse novo empreendimento será responsável pela geração estimada de 13,8 GWh no ano. Considerando dados de 2023 do mercado de energia elétrica da Equatorial Alagoas, foram comercializados 4045 GWh no ano de 2023. Assim, a unidade industrial poderia cumprir, sozinha, 0,34% de toda demanda do estado.
Para a unidade industrial, a Pindorama adotou um modelo de negócio com a Zeg em que vai ofertar a eletricidade e a matéria-prima, vinhaça e resíduos do sorgo e do milho que também são processados no complexo usineiro e, em contrapartida, a Zeg realiza a *montagem das instalações, a operação dos sistemas e a comercialização* do biogás produzido na unidade fabril.
A purificação do biogás - O nicho do negócio da cooperativa alagoana
De acordo com o gerente industrial da cooperativa, Erickson Viana, para atender a produção de 36m³/dia, são necessários aproximadamente 15 mil metros cúbicos de vinhaça/hora, mas o material é abundante na safra e a sobra da vinhaça será reutilizada.
A produção de biometano em Alagoas inicia-se dentro de uma perspectiva sustentável e com mercado definido: De acordo com Erikson, apesar de ser possível utilizar o biogás de forma imediata, na geração de energia e calor para a indústria, a cooperativa irá até o fim do processo e pretende envasar o metano em sua forma mais purificada.
Para tanto, os equipamentos de última geração, como grandes purificadores, serão responsáveis por viabilizar um combustível livre de CO2 e outros gases poluentes, que pode ser comprimido e transportado: “Aqueles cilindros vão correr o Brasil”, garantiu Erikson ao argumentar que o aproveitamento dos resíduos da produção agrícola são estratégias que serão recompensadas, seja pelo ganho ambiental, seja pela vocação econômica de Alagoas, pois “Nosso estado, o grande negócio dele é a cana-de-açúcar e a vinhaça está aí sobrando. Se toda usina colocar uma unidade de biometano, imagina o que gera de renda e de emprego para o estado. O pessoal já está conversando com outras usinas, que estão demonstrando interesse”, contou.
Segundo o gerente industrial, foi o presidente da instituição, Klécio Santos, que idealizou e entusiasmou os colaboradores e cooperados na busca por mais uma ramificação da cadeia produtiva da Pindorama. Com o fornecimento de um terreno de 5 hectares, mais a energia e vinhaça necessários, a cooperativa deve utilizar a estratégia de aproveitamento dos resíduos da produção de açúcar e etanol para garantir espaço no cenário emergente das usinas de biometano no Brasil que, apesar de ter 20 plantas registradas, tem apenas 6 comercializando o gás, com a maioria concentrada no sudeste do país.
Equiparar-se diante da estrutura nacional vai exigir um maquinário robusto e complexos sistemas operacionais, capazes de realizar, em princípio, um processo de limpeza do biogás, em que utiliza-se, por exemplo, chillers elétricos, trocadores de calor, colunas de adsorção, membranas de separação, reatores de absorção, cujo propósito é retirar impurezas e contaminantes do biogás bruto para evitar danos aos equipamentos e garantir a eficiência do processo posterior de purificação. esta última etapa, essencial para o que se propõe na cooperativa alagoana, consiste, de acordo o planejamento técnico, em processos como dessulfurização, compressão, resfriamento, e a purificação por adsorção, lavagem com água ou separação por membranas.
Para mensurar a capacidade do sistema, o gerente industrial explicou que a unidade terá quatro biodigestores de captação da vinhaça, três a mais em relação a um dos modelos na qual a cooperativa se inspirou, a usina da Tereus, localizada em São Paulo.
"A Tereus, que é grande no negócio, tem um bolsão desses que a gente vai fazer quatro. Seria uma capacidade de 9 mil metros cúbicos, a gente vai estar quatro vezes maior que ela, com 36 mil metros cúbicos", aponta Erickson.
Para produzir 6 milhões de metros cúbicos de gás biometano anualmente, a safra da cana não deve ser um problema, mas uma solução: “A nossa produção de vinhaça média é aproximadamente 200 pra safra. A gente vai usar apenas 115 pra produzir todo esse gás, então ainda tem uma sobra de vinhaça. Essa vinhaça ainda é totalmente reutilizável porque após o uso, após a retirada do gás, ela sai na frente apenas sem o gás, sem o cheiro, ela tem todas propriedades pra irrigar, alto teor de potássio, tudo que ela tem antes”, enfatizou o gestor.
Em um cenário em que 87% da matriz energética provém de fontes renováveis, a projeção em que o estado ultrapassa 90% de energias limpas, pode ganhar fôlego com a participação de agentes de financiamento e fomento do desenvolvimento de implementos semelhantes. O Banco do Nordeste, por exemplo, disponibilizou cerca de 10 bilhões para investimentos em projetos de energia renovável em 2023. Com linhas de crédito como a FNE Verde, o Banco estimula empreendimentos com soluções para a prevenção e controle da poluição, redução de emissão de gases do efeito estufa e geração de energias renováveis.
“A gente tem isso como uma pauta prioritária no banco. É nosso dever, como banco de fomento, apoiar essas iniciativas, esses investimentos. É uma contribuição não só financeira, mas uma contribuição social e ambiental”, destacou Eliseu Sandres, gerente geral da agência Maceió do Banco do Nordeste (BNB).
Ele explica que, para linhas de crédito para projetos de geração de energia a partir de fonte renováveis e substituição de combustível de origem fósseis por fontes renováveis, como é o caso da unidade industrial Zeg/Pindorama, o BNB oferece prazo para quitação de até 24 anos e carência de 8 anos.
“Estamos em fase de diálogo [com a Zeg e a Pindorama], o banco abriu as portas para apreciar e se dedicar à viabilização da operação dentro das linhas de crédito do FNE, que priorizam investimentos na matriz sustentável. A carência alongada permite que esses investimentos sejam feitos e a estruturação do pagamento dele seja aderente ao prazo que o investidor precisa para maturar a planta e conseguir a geração de fluxo de caixa para pagar o financiamento”, detalhou o gerente.
Em Alagoas, diz Eliseu, outras indústrias já utilizaram a linha de crédito do FNE Verde. “Tivemos o financiamento de uma indústria termoelétrica,que produz energia a partir do bagaço da cana, além clientes menores, a exemplo de projetos de reciclagem e operações de silvicultura que também atuaram com esse crédito”.
Segundo ele, a Zeg e a Pindorama vão trabalhar em uma espécie de joint venture, em que um dos atores vai fornecer a área e os insumos e, em contrapartida, há uma distribuição dos resultados durante um período de tempo acordado em contrato.
Fechamento de ciclo e impacto industrial
A utilização da vinhaça como subproduto para produção de biogás e biometano pode representar ainda o aproveitamento do ciclo produtivo canavieiro.
A ABiogás aponta que a cada litro de etanol produzido, gera-se 9 litros de vinhaça. “Uma vez que o setor setor de biogás vem crescendo e assumindo papel de destaque no cenário de transição energética, devido todos seus atributos e potenciais de descarbonização de setores-chaves da economia, a associação estima que o Brasil possa chegar a produzir 84 bilhões de m3 de biogás por ano, com capacidade de geração de cerca de 800 mil empregos”, diz a associação.
Considerando a produção apenas de biometano, obtido a partir do processamento do biogás, ABiogás acredita que, até 2029, o país contará com 96 plantas de grande porte em operação, com produção estimada de 6,8 milhões de m3 por dia.
Panorama energético
Os dados do Beal mostram que 5% da eletricidade gerada em Alagoas se dá pela biomassa da cana-de-açúcar. O estado é o 7º do país, proporcionalmente, em geração de eletricidade através deste método.
Bruno Macedo, superintendente de energias renováveis da Sedics, ressalta que Alagoas já se destaca no país como polo de energia renovável da biomassa da cana e da fonte hidráulica, além de elevado potencial de gás natural, tão crucial para a descarbonização e segurança energética da sociedade.
Ele aponta que o estado avança na questão regulatória devido a incrementos legais que possibilitam o crescimento do setor.
“O licenciamento ambiental de projetos, o Prodesin e a Lei estadual do gás natural são algumas das principais políticas públicas do estado comprometidas com o meio-ambiente e com a competitividade sadia para ampliar investimentos em prol dos alagoanos. Ainda fruto da gestão estadual cada vez mais aplicada, seguimos com solidez fiscal, crescimento do PIB e segurança pública para todos”, aponta.
Em Alagoas, os subprodutos da cana-de-açúcar chegam a ultrapassar a produção de energia hidráulica. Somados, o bagaço, o caldo e o melaço da cana chegam aos 47%, enquanto a fonte hidráulica é responsável por 39,77% da produção.
No caso do Brasil, a maior parte da energia primária é fornecida a partir dos combustíveis não renováveis, com um montante maior que 59%.
Janela de oportunidades
“É possível chegar a quase 100% da produção a partir de fontes renováveis”. A fala é do professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) com pesquisas na área de desenvolvimento econômico e desenvolvimento rural sustentável, Luciano Barbosa.
Ele acredita no potencial energético alagoano a partir de fontes renováveis diversas, apontando uma perspectiva sustentável para essas matrizes, mas argumenta que o país e o estado ainda visualizam “um paradigma de desenvolvimento”, uma vez que os gestores públicos não enxergam a diversificação energética como uma janela de oportunidades.
“Deveríamos incluir todo o estado dentro desse processo”, insiste. Uma solução, segundo ele, seria a exploração das competências naturais de cada região, “como a energia solar no sertão, a produção de biometano a partir da pecuária bovina no agreste, ou energia eólica com geração de royalties para agricultores de outra região, por exemplo”.
Outro fator primordial, segundo Barbosa, é fazer uso inteligente das capacidades de se produzir energia em Alagoas, levando em consideração os pequenos agricultores e canalizando a produção para as próprias comunidades, aliando sustentabilidade e desenvolvimento, através de um projeto de estado que se utilize também da iniciativa privada.
Ele cita como exemplo a utilização dos efluentes líquidos como os esgotos e dos lixões e aterros sanitários para a produção de energia, evitando custos com o tratamento de rios e afluentes, conduzindo os resíduos para a produção de bioenergia e gerando crédito de carbono para as empresas.
“Tem que ser um projeto bem articulado até transformar um custo de acondicionamento desse material e do processo de limpeza, para transformar isso em algo com potencial econômico que voltaria para a própria sociedade em termos de produto. Isso poderia ser conduzido tanto pela iniciativa privada, como um projeto de consórcio econômico, quanto pela entidade pública, então há o potencial”, resume.
Com relação à bioenergia, o professor também enxerga a utilização dessa matriz como a abertura de um novo mercado para o estado e para o nordeste e acredita que ela também possa ser utilizada em escalas menores, como em unidades produtivas e condomínios rurais, em que há uma cooperação mútua entre pequenos atores para a produção da energia utilizada nos determinados locais.