Economia
AL e os 100 anos do etanol: a revolução do biocombustível começou aqui
Há exatos 100 anos, em 1924, o Brasil deu início à história do etanol como combustível, um marco global na busca por alternativas sustentáveis a gasolina. E a partir dessa experiência, outros biocombustíveis avançaram no país, a exemplo do Biodiesel e, mais recentemente, etanol de milho, SAF, biometano e biogás, além da energia gerada a partir da biomassa da cana-de-açúcar.
Poucas pessoas sabem, mas essa revolução que gera hoje mais e 2,7 milhões de empregos no campo somente na fabricação de etanol, também contribui de forma significativa com o meio ambiente. De 1975 a 2023, o Brasil substituiu 3,6 bilhões de barris de gasolina por etanol, evitando emissões de mais de 1 bilhão de toneladas de CO2.
E foi em Alagoas, mais precisamente na Usina Serra Grande, localizada em São José da Lage, que o etanol deixou de ser apenas uma ideia experimental para se tornar um modelo comercial viável e pioneiro no mundo.
Em 1924, de forma pioneira no Brasil, Salvador Lyra, na Usina Serra Grande, em Alagoas, iniciou os primeiros testes para utilizar etanol como combustível. Foi assessorado por Valdemar Pontes, na gerência da usina. Pouco tempo depois, resultou o lançamento do USGA, mistura de etanol, éter e óleo de rícino como combustível automotivo, com grande sucesso em várias cidades do Nordeste brasileiro.
O combustível começou a ser comercializado em Alagoas e Pernambuco, já em 1927. A Serra Grande colocou no mercado a produção do combustível batizado de USGA, que era utilizado, como explica o gerente de patrimônio da Usina Serra Grande, José Clodoaldo Farias, por carros da época com pequenas adaptações no motor.
Diretor da usina, o engenheiro mecânico Miguel Bezerra explica que a Serra Grande se especializou na produção de açúcar cristal cor 150, mas continua produzindo etanol (basicamente de melaço) A empresa também, além de prédios históricos, vários dos projetos idealizados por Salvador Lyra, a exemplo das barragens e hidrelétricas.
O combustível e outros semelhantes foram submetidos a teste público em Recife. O melhor rendimento do Usga foi atribuído à proporção dos componentes utilizados na mistura. Seu preço na bomba era até 50% menor que o da gasolina importada dos EUA. A usina alagoana montou a primeira rede de distribuição de etanol, com postos em Maceió, Recife, Garanhuns e outras cidades do Nordeste, uma inovação que colocou o estado no centro de uma revolução energética global.
Graças à experiência de Alagoas, o Brasil conseguiu usar o etanol para amenizar a crise da gasolina em diferentes épocas. Em 1931, ainda sofrendo as consequências da crise de 1929, o governo brasileiro decretou a mistura de 5% de álcool nacional à gasolina, mas logo depois os preços da gasolina despencaram e o álcool sumiu do mercado, voltando ao cenário após a Segunda Guerra Mundial por conta da dificuldade de importação do petróleo. Em alguns estados a porcentagem de álcool na gasolina chegou a 42% nessa época.
Em 1975, com a crise do petróleo, o etanol voltou a ser usado intensamente no Brasil. O governo de Ernesto Geisel lançou o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), para incentivar a produção de etanol como combustível. Na década de 1980, o uso do etanol como combustível se popularizou. Em 1983, aproximadamente 90% dos carros vendidos no Brasil eram movidos a etanol.
Após enfrentar grandes desafios nos anos 90, o etanol se fortaleceu ao longo dos anos.
Contudo, a virada ocorreu com a introdução dos carros flex-fuel em 2003. O desenvolvimento dessa tecnologia, que trouxe flexibilidade aos consumidores, impulsionou novamente a demanda por etanol. Segundo estudo da consultoria Datagro, atualmente mais de 80% dos veículos vendidos no Brasil são flex, que podem ser abastecidos com etanol ou gasolina.
História
Salvador Lyra, que também era engenheiro químico, assumiu o controle da usina, fundada pelo pai dele, Coronel Carlos Benigno Pereira de Lyra, em 1924, com uma visão inovadora. Além do álcool carburante, a USGA trouxe outras bases pelas mãos de Carlos e do filho Salvador, a exemplo da construção de represas interligadas por canais, para irrigação e geração de energia; inauguração da hidroelétrica de Maria Maior; desenvolvimento de técnicas agrícolas (adubo orgânico e novas variedades de cana); preservação das matas; desenvolvimento da moradia para o homem do campo.
Ainda hoje, a Serra Grande que hoje está sob controle de outra família – o presidente do Grupo Serra Grande é Luiz Antônio de Andrade Bezerra – mantém parte da história preservada, com um museu em funcionamento na antiga cada do Coronel Carlos Lyra, além da preservação do entorno da indústria, uma das poucas no Brasil a manter em funcionamento vilas, armazéns, escolas e vários serviços para a comunidade.
Impacto
Enquanto o restante do mundo ainda explorava o petróleo como única matriz energética, Alagoas liderava o caminho na viabilização do etanol, um biocombustível que hoje substitui cerca de 50% da gasolina consumida no Brasil.
Hoje, com 15 usinas em operação, Alagoas produz mais de 600 milhões de litros de etanol por safra, sendo referência na expansão de tecnologias como o etanol de segunda geração e o uso de milho e sorgo como matérias-primas. O setor emprega diretamente mais de 60 mil pessoas, reforçando seu papel como base econômica e na sustentabilidade do estado.
A história do etanol é também a história de Alagoas: de inovação, pioneirismo e impacto positivo. Cem anos depois, o estado continua reafirmando seu protagonismo no setor canavieiro e na produção de energia renovável, inspirando novas gerações a trilhar o caminho da sustentabilidade e da responsabilidade ambiental.
A revolução que começou em Alagoas há um século não apenas transformou a matriz energética do Brasil, mas abriu caminhos para soluções inovadoras em bioenergia. Cem anos depois, o estado mantém vivo o espírito de Salvador Lyra, reafirmando seu compromisso com a sustentabilidade, a inovação e o desenvolvimento econômico.