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Arte produzida com mão de obra carcerária ganha visibilidade por valor cultural e social
Mãos habilidosas tecem, bordam, modelam e transformam o que um dia foi matéria bruta em arte. Essa é a rotina de 24 reeducandas do Presídio Feminino Santa Luzia, que trabalham na Fábrica de Esperança, programa de profissionalização da Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social (Seris).
Atualmente, 10 oficinas são mantidas com recursos estaduais e produzem peças comercializadas em Alagoas e em exposições nacionais. Essas atividades laborais englobam as áreas de filé, crochê, bordado, tenerife, decoupagem, pintura em tecido, marcenaria artesanal, tornearia artesanal, serigrafia e corte e costura.
Com o trabalho no cárcere, além de produzir peças de qualidade e empreender na profissão de artesã, as custodiadas recebem o benefício da remição da pena, pois a cada três dias trabalhados, um é remido, conforme prevê a Lei de Execução Penal (LEP). Além disso, as reeducandas encontram no artesanato uma fonte de renda, já que recebem salário, que é depositado direto em conta bancária. Por sua vez, o dinheiro arrecadado com a venda dos produtos é direcionado para o Fundo Penitenciário de Alagoas, onde os recursos são revertidos para a compra de matéria-prima e manutenção dos equipamentos das oficinas.
Através da Lei Nº 13.180, sancionada em outubro de 2015, as pessoas que atuam na área passaram a ter direito a carteira nacional do artesão, além da qualificação profissional e isso incluem as reeducandas da Fábrica de Esperança. Esporadicamente, por meio de parcerias, diferentes cursos e capacitações são ministrados tanto para as custodiadas, quanto para os instrutores das oficinas. O reconhecimento da qualidade do trabalho vem por meio das exposições e vendas.
Desde o último domingo de abril (28), a Seris volta a expor as peças artesanais na orla de Ponta Verde. Sobre trabalho, a agente penitenciária e gerente de Educação, Produção e Laborterapia, Andréa Rodrigues, explica o impacto no trabalho da ressocialização. “As reeducandas se sentem notadas, sabem que fazem um trabalho importante e isso ajuda na elevação da autoestima, na preparação para o mercado de trabalho e na reinserção social”, destacou.
Eliane Nunes Rosendo é uma das artesãs da equipe da Fábrica de Esperança. Para ela, o trabalho que faz em tornearia, produzindo peças como xadrez e damas, representa a oportunidade de recomeço após o cárcere.
“Nunca tinha me imaginado trabalhando com artesanato e hoje estou apaixonada pelo que faço. Estou aprendendo muita coisa na oficina e com o salário posso ajudar minha família. Eu fico muito alegre quando sei que as pessoas gostam das peças que produzo e isso me impulsiona a trabalhar ainda mais. Eu realmente penso em continuar nesta profissão quando sair daqui [presídio]. Já conversei com meu marido e vamos montar uma oficina de artesanato, vamos trabalhar com isso. Quero aprender cada dia mais para me profissionalizar e ser cada vez melhor”, disse a reeducanda, que atua na oficina de tornearia desde que deu entrada no sistema prisional, há dois anos.
O filé alagoano é considerado um dos 134 símbolos da cultura local e segundo o Programa do Artesanato Brasileiro em Alagoas (PAB/Alagoas), dos nove mil artesãos inscritos no Sistema de Cadastramento do Artesanato Brasileiro (Sicab), 70% trabalham com o filé. Izabel Cristina de Oliveira é uma das reeducandas que utilizam a técnica no sistema prisional. Com cinco anos de experiência, ela já passa seu conhecimento às demais companheiras de oficina.
“Para mim, participar da oficina de filé representa mudança, pois eu não pensava em ser artesã e hoje quero trabalhar com isso, pois me apaixonei pelo filé. Cada peça que faço, fico admirada com a beleza que pode surgir da combinação das linhas, com as diversas cores”, conta a reeducanda.
“Hoje, cada peça que produzo me traz muita satisfação, me sinto [sic] bem em passar o que aprendi às outras. Além disso, fico completamente satisfeita em saber que meu trabalho está indo para rua, para todo mundo saber que dentro do sistema prisional existem pessoas capazes de ganhar a vida de forma digna”. Izabel também pensa em seguir com a profissão após o cárcere. “Quero abrir minha loja, vender meus produtos. Me ver assim, deixa minha família muito orgulhosa, minha filha, inclusive, já pediu para ensiná-la”, afirmou a reeducanda.
Atualmente, as peças são comercializadas na av. Silvio Vianna, na praia de Ponta Verde, na conhecida rua fechada, aos domingos, das 7h às 13h, no Box 09, no mercado de Artesanato Margarida Gonçalves, localizado no Parque Ceci Cunha, em Arapiraca, além de no próprio galpão do artesanato. Ao comprar uma peça, além de adquirir um produto de qualidade, colabora com a ressocialização em Alagoas, à medida que incentiva a prática profissional das custodiadas.