Entretenimento
Marinalva Bezzera é a nova Mestre do Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas
Há mais de 50 anos ela tira suas próprias mãos o sustento de sua família
“Desde o início, era do barro que aqui todo mundo vivia”, diz Marinalva ao começar a relembrar sua história. A nova Mestre do Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas, de União do Palmares, é mais uma ceramista por tradição que aprendeu a arte que passa por gerações. Entre suas mãos habilidosas muitas peças já foram moldadas, sempre marcadas com um “M” para identificar que por ali tem “um dedo” de sua arte.
Aos 81 anos, a artesã é integrante da comunidade Muquém, remanescente do Quilombo dos Palmares em Alagoas, berço de Zumbi. Marinalva produz cerâmica utilitária num movimento contínuo e sem torno. Há mais de 50 anos ela tira de suas próprias mãos o sustento de sua família com o barro extraído das imediações do rio Mundaú. “As mulheres faziam louça, os homens faziam telhas e tijolos. Tudo do barro”, relembra a artesã.
Entre suas produções estão panelas, potes, moringas, cuscuzeiras, chaleiras e outras peças que são usadas no dia a dia. “Trabalhar com o barro é algo passado por gerações. Começou com a minha bisavó, até chegar a mim. E meu sustento veio das panelas, criei cinco filhos e oito sobrinhos assim”, diz orgulhosa.
Depois que surgiram as panelas de alumínios as coisas ficaram mais difíceis. “Antes se eu levasse pra feira 20 cabaças, voltava sem nada, agora todo mundo só quer garrafa térmica. Antes a gente só bebia água do pote, agora todo mundo só quer água gelada”, analisa a nova mestre, que diz sem pestanejar que não troca por nada sua água de pote.
Nascida e criada no Quilombo, as canções que serviam de trilha para o trabalho de sua mãe passeiam por sua memória. “Ouvia muito minha mãe cantando Luiz Gonzaga enquanto fazia as panelas, eu dançava muito na época”. E parece mesmo que as peças trazem consigo algumas lembranças na receita. Para o sertanejo, principalmente para aquele quem já passou por alguma seca, a panela de barro, quando aquecida no fogo traz o cheiro de barro molhado despertando a lembrança da chuva que chega no sertão. A artesã é a última remanescente que faz os utilitários de barro. As famosas cuscuzeiras já foram apreciadas por estudiosos da arte, que acham a técnica peculiar por ser totalmente manual.
Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas
O registro reconhece como Patrimônio Vivo, mestres e mestras que compartilhem os conhecimentos ou as técnicas necessárias para a produção e preservação de aspectos da cultura tradicional ou popular de uma comunidade estabelecida em Alagoas nas áreas de danças e folguedos da cultura popular, literatura oral e/ou escrita, gastronomia, música, artes cênicas, artesanato, dentre outras.
É considerado apto a receber o registro de Patrimônio Vivo aquele que é brasileiro residente em Alagoas há 20 anos, que tenha participação comprovada em atividades culturais no mesmo período e esteja capacitado a transmitir seus conhecimentos ou suas técnicas à sociedade, de forma presencial ou por intermédio dos mais diversos meios de comunicação.
Uma comissão especial, composta por cinco representantes de entidades relacionadas à cultura, analisa e avalia os candidatos, segundo os critérios de sustentabilidade cultural, currículo do participante, reconhecimento na sua comunidade e por outros segmentos como transmissor e fomentador desse saber e cultura dos povos tradicionais (indígenas e/ou quilombolas).
Para a secretária de Estado da Cultura, Mellina Freitas, o Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas é uma forma de reconhecer e homenagear os mestres da cultura alagoana. “É importante reconhecer esses artistas que preservam nossa cultura, repassando os seus saberes populares para as novas gerações”, disse.