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Afoxé: o poder da fala. O poder de fazer acontecer.

Abí Axé Edgbé é do sertão alagoano

Por Assessoria 07/02/2020 17h05
Afoxé: o poder da fala. O poder de fazer acontecer.

Até o século XIX, os diferentes agrupamentos de pessoas negras e suas expressões culturais recebiam diferentes nomes genéricos em cada região do Brasil: batuques, calundus, sambas, maracatus, etc. Na Bahia, uma designação utilizada foi afoxé, palavra do yorubá, língua africana, que significa “a fala que faz”. Epistemologicamente, os afoxés não são somente uma agremiação carnavalesca. Eles são uma forma cultural e política que a categoria social negra elaborou para falar sobre si, sob as suas condições de vida, orgulhar-se e reverenciar a sua ancestralidade, lutar por melhorias, afirmar a sua estética e seus valores éticos. Portanto, fazer um afoxé é lutar contra o silêncio e a invisibilidade. É falar através das letras das músicas, dos ritmos musicais específicos, das narrativas produzidas pelos belos movimentos das danças afro, das formas e conteúdos circunscritos nas indumentárias. Fazer um afoxé é praticar o antirracismo. É fazer acontecer uma experiência inclusiva e democrática no espaço público.    

Os afoxés mais antigos do Brasil compõem o acervo vivo dessas referências histórias. Embaixada Africana, Pândegos da África e Filhos de Gandhy, na Bahia. Ilê de África, Ará Odé, Alafin Oyó, Ylê de Egbá e Oxum Pandá em Pernambuco. Afoxés Odoyá e Oju Omim Omorewá em Alagoas, e também o primeiro Afoxé do sertão alagoano, Abí Axé Egbé. Esses grupos são referências histórias nas suas regiões por serem pioneiros em falar e fazer acontecer a afirmação da negritude mesmo à contragosto dos valores conservadores e racistas.

O afoxé Abí Axé Egbé desenvolve um projeto pedagógico, artístico, científico e político na comunidade cujos efeitos repercutem também nos sertões da Bahia e Sergipe onde não existe nenhum grupo dessa expressão. Ao desenvolver leituras, debates, pesquisas e produção de textos científicos; oficinas e apresentações artísticas nas escolas públicas e nos festivais, as práticas discursivas do Abí Axé Egbé empoderam pessoas negras, tornam visíveis a existência do racismo no sertão, instigam a criação coletiva de enfrentamento a esse problema e formam centenas de jovens. Os integrantes do grupo se envolvem em atividades que vão desde as leituras acadêmicas até a produção de figurinos e instrumentos, como é o caso do xequerê, uma cabaça seca que é envolvida por uma rede de contas para compor um dos sons básicos dos afoxés. “Muitos dos nossos integrantes, que são negros, tem sua autoestima renovada, o que se reflete no público que nos assiste”, explica Gustavo Gomes, professor da Ufal e fundador do grupo.

Atualmente o Abí Axé Egbé é formado 50 integrantes de várias origens: alunos dos cursos de História, Letras, Geografia, Pedagogia, Engenharias de Produção e Civil da UFAL, membros de grupos de capoeira, terreiros de candomblé, comunidades quilombolas e indígenas, estudantes e professores da educação básica, servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada, membros de movimentos sociais, etc. São pessoas de vários bairros de Delmiro Gouveia e também dos municípios de Pariconha e Água Branca (AL) e Paulo Afonso (BA).

Uma das personagens principais do Abí Axé Egbé é a Pérola Negra, eleita entre mulheres negras do sertão em concurso gratuito promovido entre o grupo. A primeira Pérola Negra foi Maria Eduarda Santos, estudante da comunidade quilombola Serra das Viúvas, em Água Branca. A segunda foi Maria Helena dos Santos, guarda municipal em Delmiro Gouveia. A Terceira delas é Jucineide Lisboa, professora de Língua Portuguesa, atualmente, gestora escolar, em Delmiro Gouveia. O grupo se prepara para organizar a escolha da nova Pérola Negra e as jovens da região já estão se preparando ansiosamente, sonhando em ter o seu reinado de um ano ao representar a força, beleza, sabedoria e empoderamento das mulheres negras sertanejas.

Historicamente, as festas carnavalescas são a apoteose dos afoxés brasileiros. Em 2020 essas falas enegrecidas fazem acontecer uma série de afirmações positivas entre as celebrações públicas nos festejos de Momo. A força do Afoxé Abí Axé Egbé será mais uma vez compartilhada com a cidade. O grupo preparou uma programação de carnaval voltada para todos os públicos iniciando nas semanas que antecedem a programação de carnaval em Delmiro Gouveia. Serão dois ensaios abertos no centro da cidade. O primeiro ocorrerá no dia 14 de fevereiro, das 19 horas às 22 horas, em frente do Miraburguer, próximo ao Banco do Brasil. O segundo será no evento que o grupo criou, o “Encontro das Tradições” e terá a presença dos grupos carnavalescos mais antigos e prestigiados da cidade: Bafo da Cana, Escola de Samba Unidos da Pedra Velha e Orquestra Carretel de Frevo. O Encontro das tradições ocorrerá no dia 20, das 18 horas às 22 horas, em frente da antiga lojinha da fábrica.

Já o cortejo oficial, que abre o carnaval de Delmiro Gouveia, será realizado no sábado, 22 de fevereiro. Para esse grande momento o grupo promete trazer algumas novidades. A concentração será a partir das 16 horas, na rua José de Alencar, nº 76. O cortejo encerra-se com show no palco do coreto, em parceria com o bloco Cordel, também um dos blocos mais antigos e queridos de Delmiro Gouveia que aglutina ritmos e públicos da cena cultural alternativa e de resistência. Mais informações nas redes sociais: @abiaxeegbe_oficial.