Entretenimento
Uso de máscaras por atores e prevalência de monólogos: como será o teatro pós-Covid
Futuro das artes cênicas ainda é um enigma, apontam produtores e artistas, que preveem redução de assentos nas plateias e retomada de arenas abertas
A despeito dos palcos inabitados e das plateias silenciosas, uma questão se impõe no meio teatral: e o futuro, como será? Assim como outros setores atingidos pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus, o teatro, essencialmente uma arte do encontro, também busca respostas para o enigma difícil. Mas não existe uma certeza capaz de sanar todas as angústias.
Hoje, a Áustria se torna um dos primeiros países a liberar ensaios de companhias, mediante uma série de restrições para minimizar a transmissão da Covid-19: os atores só poderão trabalhar afastados uns dos outros por ao menos 1 metro, com máscaras caso se aproximem, e a sala apenas poderá acolher uma pessoa por 10 metros quadrados de espaço.
As medidas, igualmente adotadas pela Alemanha, não são bem recebidas por artistas europeus, e provocam receio entre brasileiros. Afinal, é possível realizar teatro num contexto de limitações ao contato corporal, o principal instrumento do ofício cênico?
Na minuta de um arquivo que vem sendo preparado pelo governo de São Paulo, ao qual o GLOBO teve acesso, a retomada dos eventos de teatro, dança e música — ainda sem data estabelecida — prevê diversas diretrizes, como: distância de 1,5 metro entre pessoas a qualquer tempo; uso de máscaras no palco (os artistas só poderão retirá-las “quando for absolutamente necessário”); proibição do compartilhamento de objetos; realização de testes médicos a cada 30 dias com os funcionários; medição de temperatura corporal diariamente; e limpeza semanal dos sistemas de ar-condicionado.
— Claro que precisaremos inventar novas formas de estar juntos. Mas acredito que a pandemia ressuscitará o teatro, ao invés de matá-lo — argumenta Bia Lessa.
A diretora preparava uma montagem inédita da ópera “Aida”, de Verdi, com cerca de 150 bailarinos, atores e cantores, além de orquestra. A dez dias da estreia, no Teatro Municipal de São Paulo, os ensaios foram interrompidos. A expectativa é que o trabalho seja retomado em setembro, data que se mantém à vista de brasileiros e americanos, inclusive na Broadway, em Nova York.
— Teremos que readaptar tudo. Como apresentar “Romeu e Julieta” sem que eles se toquem, se beijem? — exemplifica a diretora. — Isso é belo, porque nos obriga a dar um passo rumo a uma nova estética e a uma nova ética. Mas essas formas têm que carregar a força do encontro ao vivo. A gente veio ao mundo para abraçar, lamber, comer, apertar. Não se trata de criar novas tecnologias. Trata-se de um movimento interno e profundo na própria linguagem.
Enquanto não for criada uma vacina para a Covid-19, produtores apostam numa prevalência de monólogos e peças com elenco reduzido. Muitos acreditam numa possível valorização de estruturas de arena a céu aberto, além de uma extensa ressignificação das performances de rua.
Gestores do Teatro Prudential, o antigo Teatro Manchete, na Glória, já providenciam uma ligeira mudança no uso do espaço. No próximo semestre, cadeiras devem ser posicionadas na parte externa do edifício: como ali o fundo do palco é retrátil, os artistas passarão a se apresentar para uma nova plateia, posicionada fora do recinto. A quantidade de assentos sofreria uma queda de mais de 70% em relação ao número original da casa.
— Essa deve ser a forma de reaquecermos o mercado — declara Aniela Jordan, uma das sócias do empreendimento capitaneado pela produtora Aventura Entretenimento, que também administra o Teatro Riachuelo. — Temos que inventar ideias, e queremos produzir musicais ao ar livre. Mas a logística de montagem das estruturas seria lenta, e precisaríamos de patrocínio. Não vai dar para contar com o retorno da bilheteria.
A verdade é que, durante as primeiras fases de reabertura, as contas dificilmente fecharão. Se os protocolos internacionais servirem de modelo, apenas uma média de 30% dos lugares de cada teatro poderão ser ocupados — e com poltronas previamente definidas aos espectadores, para que o distanciamento se cumpra.
A realidade será mais grave em salas independentes, normalmente menores. Em Londres, casas com plateia pequena já anunciaram que só estarão aptas a funcionar em 2021.
— As perspectivas são precárias, porque as despesas fixas vão se manter, apesar da redução das capacidades —aponta Mário Bortolotto, responsável pelo Teatro e Bar Cemitério de Automóveis, em São Paulo, com apenas 32 assentos.
Sem patrocínio ou financiamento público, os diminutos Teatro Poeira e Teatro Poeirinha, administrados por Marieta Severo e Andréa Beltrão, seguem à espera de orientações mais claras, sem cravar datas para um retorno.
— O panorama geral é muito obscuro. Só sabemos que vamos reabrir o teatro, com certeza — afirma Andréa.
Enquanto o terceiro sinal não soa, artistas migram para a internet. Na próxima quinta-feira, o Congresso votará uma lei emergencial que propõe, entre outras medidas, o lançamento de editais para atividades em redes sociais.
Certamente, o destino do teatro não está desenhado na web — e essa opinião tem sido algo unânime entre técnicos, produtores e artistas. Impossível, porém, é desconsiderar o vasto terreno virtual como um tablado provisório.
— Estamos sufocados, sem muita saída, mas precisamos entender o tempo atual. E a “tele-presença” não deixa de ser presença —opina Ivam Cabral, do grupo Os Satyros, há três décadas em atividade, e agora em produção numa plataforma especialmente criada para a internet. — Mas existe uma nova questão: teatro na internet é mesmo teatro?