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Soul traz primeiro protagonista negro da Pixar em narrativa existencial
O que constitui nossas personalidades e paixões? Ou melhor, o que faz de nós quem somos? Esses questionamentos, que são capazes de gerar vastas reflexões para qualquer adulto, são premissas para Soul, nova animação da Pixar. O estúdio, já muito acostumado em trazer reflexões morais e filosóficas para o mundo dos desenhos animados, traz a narrativa com seu primeiro protagonismo negro em uma jornada até o pós-vida e o pré-vida. O longa teve sua estreia nesta sexta-feira (25), exclusivamente no Disney +, por conta da pandemia de Covid-19.
Joe Gardner é um professor de escola apaixonado por jazz, mas que nunca conseguiu emplacar sua carreira. Após a oportunidade de se apresentar com uma grande musicista e realizar seu sonho de tocar em um grande grupo, Joe acaba sofrendo um acidente e morrendo. Colocado literalmente em uma esteira para o fim de sua existência, o protagonista foge do seu fim e volta para o "pré-vida", um lugar abstrato onde são formadas as personalidades das pessoas.
Mesmo que em seus 34 anos tenha mantido seu padrão de qualidade, Soul é o filme mais recente da Pixar a volta para experimentação em suas propostas e linguagem.
A começar por seu primeiro protagonismo negro, que felizmente não é abordado em um sistema de representação superficial. Soul consegue adentrar um universo da cultura negra norte-americana, principalmente da cena nova-iorquina de jazz, passando por vários ambientes e aspectos cotidianos da comunidade afro-americana. Além disso, o filme conta com um elenco de dubladores dos mais diversos, que tem na língua original Jamie Foxx e Tina Fey, além da brasileira Alice Braga.
O filme tem a direção de Pete Docter (Divertida Mente) e Kemp Powers (Star Trek: Discovery). Assim como Ratatouille (2007), o novo filme do estúdio tem a missão de trazer um lado sinestésico para animação, dessa vez para a música, ao invés da culinária. Nessa construção da linguagem da música com brilho e cor das animações, Soul entrega belos visuais, com vislumbres em 2D, preto e branco e novas texturas.
A construção da excelente trilha sonora foi feita por músicos do Nine Inch Nails, mas de forma bem distante da sonoridade industrial da banda. A dupla Trent Reznor e Atticus Ross já haviam feito ótimos trabalhos, como para a trilha da série Watchmen, da HBO, além de já levar na bagagem um Grammy pela trilha sonora de Girl With The Dragon Tattoo em 2013 e um Oscar pela trilha de A Rede Social em 2011. Já as belíssimas sequências de jazz foram montadas pelo músico Jon Batiste.
Na sua temática, o filme parece captar questionamentos sobre existência e o pós-vida semelhantes a Viva - A vida é uma festa, contudo, de forma mais ácida e bem-humorada. Inclusive, essa relação com o pós-vida permite que o filme tenha interação e sacadas inteligentes com personagens históricos reais, como Madre Teresa e Gandhi, que acabam sendo tiradas mais para os adultos. Mas, no geral, essa dicotomia muito comum de "animação para criança ou adulto" acaba sendo totalmente implodida, como tantas vezes já foi feito e celebrado pelo estúdio.
Soul reacende o potencial criativo da linguagem e adensamento de questionamentos da Pixar. Depois de uma série de sequências para filmes já consagrados, como Procurando Nemo, Toy Story e Monstros S/A, o estúdio volta a ousar e já ocupa um lugar bem quisto entre as melhores animações do ano, com grandes chances de algumas indicações ao Oscar.
Em um momento tão complicado para o cinema e para o mundo, o filme dispensa finais fechados, aponta para filosofia de que a vida é justamente esse sentido que damos a ela, por qualquer caminho que seja. Sempre na tentativa e nesse ânimo da coragem de viver e de abraçar o que nos faz "brilhar".