Entretenimento

Tequilla Bomb lança novo albúm "Quebra", nesta sexta (10)

O disco conta com 8 faixas inéditas e participações especiais

Por Ascom Secult 10/12/2021 09h09
Tequilla Bomb lança novo albúm 'Quebra', nesta sexta (10)
Tequilla Bomb é um trio de música eletrônica genuinamente alagoano e com influências de ritmos jamaicanos - Foto: Reprodução

Formado em 2011, Tequilla Bomb é um trio de música eletrônica genuinamente alagoano e com influências de ritmos jamaicanos. Composto por Carlos Peixoto (Beatmaker, Groove, FX), Bruno Brandão (Synth, Percussão, FX) e Toninho ZS (Vocal), vem representando a Cultura do Grave em Alagoas e contribuindo para o cenário local, sempre ritmando novas sonoridades, conectadas pelo Atlântico Negro, e constituindo a Amefricanidade, expressão utilizada por Lélia Gonzalez para se referir a nossa cultura a partir de elementos culturais ameríndios e africanos. As águas do Oceano Atlântico nunca separaram as Áfricas das diásporas – elas as conectaram.

O disco Quebra marca os dez anos de formação desse que é um dos mais atuantes grupos musicais do cenário alagoano na atualidade. As vozes dissonantes disparadas em cada música e em cada apresentação do Tequilla Bomb, somadas aos ritmos e corpos em movimento, são pedras, ou melhor, “bombas tequilladas” contra as vidraças do poder e contra qualquer tentativa de folclorização das culturas negras e indígenas.

O álbum inicia com a faixa 1912, que faz alusão ao Quebra de Xangô, um episódio de violência e intolerância religiosa que ocorreu na madrugada do dia 02 de fevereiro de 1912, quando uma liga civil armada invadiu terreiros em Maceió e espancou seus praticantes, chegando a assassinar a ialorixá Tia Marcelina: Invadiram / Foi milícia / Entraram nas casas / Quebraram imagens... tambor / E ainda quebraram minha gente. Doravante, passados mais de cem anos do ocorrido, a voz de Toninho ZS segue sendo necessária ao falar que Conhecimento passado / Os meus ancestrais me ensinaram / Que o que a gente tem passado / Não pode me impedir de seguir / Bate que bate que bate que bate / Quebra braço / Mas não vai tirar meu compasso. Após o Quebra de 1912, o xangô alagoano, como uma estratégia de resistência, seguiu sendo rezado baixo, ou seja, sem utilizar os tambores, pois qualquer batuque ouvido pelos milicianos da Liga dos Republicanos Combatentes, responsáveis por tal violência, poderiam revelar o local de uma próxima invasão e, consequentemente, favorecer nova onda de opressão ao candomblé e seus artefatos.

A primeira faixa de Quebra ainda nos chama atenção sobre a intolerância religiosa na atualidade. Em 2015, a mando da Prefeitura de Maceió, um terreiro situado na Vila dos Pescadores, no bairro histórico do Jaraguá, veio abaixo junto com todas as casas que faziam parte daquela comunidade. Um total descaso do poder público que impactou a vida de cerca de 150 famílias que lá estavam há décadas. Já em 2019, o terreiro de Mãe Vera, situado no Conjunto Otacílio de Holanda, na Cidade Universitária, foi invadido durante uma madrugada e seus objetos danificados. Dessa forma, o Tequilla avisa que ainda não fechou a ferida / disseram que é alto / mas o que vejo hoje ainda é muito baixo / só acho difícil esse assunto só desfilar na avenida.

Desde 2012, ano do centenário dessa tragédia, ocorre na capital alagoana o Xangô Rezado Alto, evento que reúne o povo do axé alagoano. Nos últimos anos, porém, esse evento foi descaracterizado, tornando-se um desfile folclorizado, para turista ver, na principal avenida da praia da Pajuçara. Ao mesmo tempo que conseguimos ocupar a orla da praia para nosso xangô ser rezado alto, a orla lagunar e a periferia da parte alta de Maceió seguem sofrendo com a violência policial e o descaso do poder público. A faixa 1912, conta com o feat do Terra Treme, duo caracterizado pela mistura de musicalidades de diferentes referências culturais (trap, coco-de-roda, kuduro, dubstep, maracatu, funk, pagode baiano...), e finaliza com o sample de uma entrevista da ialorixá Jexaomí, do Ilé Axé Legioniré Nitó do Xoroqué.

O Quebra segue sem perder o compasso, mas, antes de requebrar, foi necessário um Ponto de Reparação, segunda faixa do disco, que destrincha o discurso da colonização, falando dos mais de três séculos de escravização em nosso país e da abolição que negou o acesso à cidadania à população negra. Como consequência desse processo, vigora o racismo à brasileira, que estrutura nossa sociedade: Quando é que eu vou poder respirar? Me diz!!! Quantas pretas morreram hoje? Me diz!!!. Ponto de Reparação mostra que o bonde do Tequilla Bomb tá bolado e veio resgatar o ouro e a prata roubado dos nossos ancestrais. Assim, 1912 nunca será perdoado, tu chama de cicatriz, eu chamo de ferida exposta.

O compasso requebrado ganha mais suingue quando o DJ Balança o saco de pipoca, porque, como diz Toninho Z/S, se é pra botar pra dançar, deixa que eu sei. Aqui vibra o Tequilla Bomb Style na sua melhor forma desde 2011, pois na “periferia é só talento”. A faixa 4, Entrudo, segue trazendo ideias de libertação e o som vai pro meio da rua, colocando a rapa pra dançar, através de uma JBL e do Riddim, base musical do reggae, do dub e do dancehall. Nos antigos carnavais de rua, o entrudo consistia numa das principais manifestações culturais, quando os foliões saíam às ruas em grupos para jogar ovos, farinha, pós coloridos e limões de cheiro (bolas de cera com água), prática ainda presente no carnaval de rua da periferia de Maceió. Nessa faixa, ainda contamos com o feat da cantora Fernanda Guimarães, que entra no Quebra pra colocar a gente pra requebrar, falando do apartheid social do carnaval, do abadá versus carnaval de praça/rua, A faixa também tem a participação de Léo Bulhões tocando bacurinha e xequerê.

Gambiarra Dub é a quinta faixa do álbum e consiste num instrumental que conecta as influências rítmicas do trio. Todo álbum lançado por eles possui um som instrumental que leva o ouvinte a mergulhar no Tequilla Bomb Style: um sistema de som, denúncia e elevação espiritual.

A faixa Filhos do Trovão faz o chão tremer com os toques de tambor da fúria de Tupã e destrincha o colonialismo: tá ligado que o que chamam Brasil é terra indígena? É com esse e outros questionamentos que viajamos pela história do Brasil e entendemos que o nosso povo não desiste de lutar. Filhos do Trovão traz para o debate a tese do Marco Temporal (PL 490/2007). Inconstitucional, esse PL é uma proposta da bancada ruralista que visa atacar os diretos dos povos indígenas, pois ele restringiria o direito à demarcação de terra apenas àqueles que estivessem em posse de seu território até o dia 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a atual Constituição Federal. A faixa conta com o feat do MC e produtor musical paulistano Jimmy Luv, ex-The Funk Fuckers e ex-Família 7 Velas, que passeia pelo reggae, ragga, rap e bass music, e nos diz:

Corre menino, que corre menina

Corre menino, corre menina

Pra dentro da mata

Corre pro meio da selva

Pro meio da mata

Antes usavam bota e chapéu

Hoje é terno e gravata

De caravela chegaram com cruz

Com pólvora e com espada

Dizimaram em nome de Jesus

Toda a América e África

Salve menino, salve menina

Salve Tupã

A nossa luta é por uma vida melhor amanhã

Somos milhões e estamos em os todos lugares do mapa

Agora é a hora e toda a verdade será revelada [...]

Nosso povo não desiste de lutar.


Na sequência, temos D’Alma e Digital Coletivo, faixas derradeiras do disco. Com elas, Quebra finaliza falando de irmandade e coletividade: se liga que eu tô passando / tô com o meu bonde pesadão.

O power trio Tequilla Bomb é resistência e resiliência ancorada em corpos periféricos. “Da periferia do mundo, desde Maceió”, eles seguem na batalha e nada vai impedi-los de seguir ritmando a luta e quebrando as vidraças do poder.