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Blocos de bairro desaparecem em Maceió, enquanto folia se concentra na Orla da capital
Sem apoio financeiro, os festejos populares não saem mais nas ruas dos bairros da capital alagoana, enquanto a folia se concentra em eventos endinheirados na Orla da Capital
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Os blocos de rua sempre foram parte primordial da cultura maceioense, representando a identidade das comunidades. Entretanto, enquanto os blocos de grande porte que desfilam em eventos na Orla da capital ganham espaço e destaque na folia carnavalesca, os blocos de bairro são esvaziados e suas representações culturais tendem ao esquecimento.
O abandono por parte do poder público coloca em risco uma tradição que já esteve presente pelas ruas de Maceió, mas que ano após ano luta para se manter viva.
Com as prévias carnavalescas, principal movimento de festa nesta época do ano em Maceió, concentrando-se na Orla, o Jornal de Alagoas buscou entender o que aconteceu com as festividades comunitárias, dos bairros, e o que mudou na dinâmica da folia maceioense ao longo do século XXI
Os relatos revisitam não apenas os desafios, mas também um longo processo de exclusão da cultura tradicional.
Para o antropólogo e pesquisador das manifestações populares, Christiano Barros, os blocos de rua não são apenas uma parte de Maceió, eles carregam a história e a identidade das pessoas, desempenhando um papel essencial no pertencimento da população à cidade:
"Os blocos de bairro desempenham um papel muito importante na construção da identidade cultural do carnaval de Maceió. São manifestações populares espontâneas que reúnem moradores de diferentes comunidades para celebrar uma festa de forma autêntica e acessível. Esses blocos mantêm vivas as tradições carnavalescas locais, exaltando tradições e ritmos da cultura popular."
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Segundo o pesquisador, o sumidouro dos blocos de rua são reflexo também da elitização da cultura popular. Ele diz também que a falta de apoio financeiro e as limitações da organização são obstáculos recorrentes, mas que vêm se intensificando, principalmente com a chegada dos eventos maiores.
"A falta de apoio financeiro ao carnaval de rua pode ser vista como um reflexo de um processo mais amplo de elitização da cultura popular. Levando à exclusão de classes mais baixas, tornando o carnaval acessível apenas para aqueles que podem arcar com os custos", pontua.
O bloco carnavalesco Bonecos da Cidade, que tem José Hilton, conhecido popularmente como "Prego", como um de seus organizadores, surgiu a partir da antiga escola de samba mirim Preto e Branco. Inicialmente, o bloco desfilava com apenas 2 bonecos, mas ao decorrer dos anos cresceu e hoje conta com 6 bonecos. Ele conta que o evento, criado por seu pai Manoel Feitosa Neto, começou como uma iniciativa familiar com apenas 4 pessoas e hoje conta com uma equipe dedicada à sua organização.
A agremiação tem 45 anos de história e desfilará, este ano, os tradicionais bonecos gigantes no domingo de carnaval, em 2 de março, acompanhado de 8 outros blocos com orquestras de frevo, com saída da Orla de Pajuçara, bairro onde nasceu e possui sede até hoje o bloco.
Também presidente da Escola de Samba Gaviões da Pajuçara, José Hilton destaca que os blocos de “empresa”, como são chamados por ele, têm maior facilidade de se colocar na Avenida. "Eles conseguem levar um bloco para a rua, fazer camisa, pagar músico. Nós, blocos tradicionais, não temos o apoio necessário", afirma.
Sem patrocínios, a organização depende de ações independentes, mas nem sempre garantem os recursos necessários para levantar o estandarte. "A gente faz bingo, sorteio, feijoada, mas não é o suficiente para colocar os blocos na rua porque tudo é muito caro", lamenta Hilton.
Rafael Martiliano, produtor do histórico Bloco do Boi, que desfila pelas ruas do também histórico bairro de Fernão Velho desde os anos 60, reforça a ideia de pertencimento da folia na comunidade. "O Bloco do Boi é muito antigo, tem mais de 60 anos, foi criado por Geraldinho e amigos que saiam nas ruas batendo em latas ou com um penico, depois foi evoluindo até chegar à orquestra de frevo", descreve.
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Apesar da carga cultural, os obstáculos para a realização do bloco aumentam a cada ano. Com poucos recursos, as celebrações de rua seguem resistindo diante da falta de apoio, enfrentando problemas que vão desde conseguir patrocínio a exigências burocráticas para obtenção de autorização. "Hoje o bloco só sai com a ajuda de políticos que patrocinam a festa”, frisou.
No entanto, além dos obstáculos financeiros, também existe a falta de reconhecimento por parte do poder público. José Hilton argumenta que sente a falta da valorização dos artistas locais, pois grande parte do investimento acaba sendo direcionado para atrações de fora, deixando de lado aqueles que mantêm viva a cultura regional. Além disso, o organizador enfrenta grande dificuldade de conseguir apoio. "A própria Secretaria de Cultura não nos dá aquele suporte que deveria dar nos eventos", pontua.
Rafael compartilha da mesma frustração. Segundo ele, essa falta de amparo do poder público coloca os organizadores em um papel de responsabilidade que muitas vezes fica inviável de arcar. "Fica nas costas dos organizadores patrocinar a cultura e o lazer do bairro, e na maioria das vezes, não temos condições", declara.
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Blocos tradicionais
Tradição em bairros periféricos e da parte alta de Maceió, agremiações como o Bloco da Mulher da Capa Preta, do bairro do Prado, o Bonecas da Serraria, do bairro homônimo e o Cueca Elétrica, do Farol e o Bloco da Paz, no Tabuleiro dos Martins, deixaram de desfilar a alegria pelas avenidas nos idos dos anos de 2010.
Na prévia carnavalesca da tradicional sexta-feira no bairro de Jaraguá, o bloco No Escurinho é Mais Gostoso, que homenageava personagens do cinema nas fantasias dos foliões, apagou as luzes em 2023, alegando falta de apoio por parte da Fundação Municipal de Ação Cultural (Fmac).
Em 2024, o Sururu na Lama, chegou a emitir uma nota de repúdio contra a administração municipal pela falta de apoio e de construção de editais para garantia das tradições populares, em detrimento ao que chamaram de “política de balcão [...] cuja gestão vemignorando procedimentos democráticos, públicos e justos de participação via editais de blocos independentes.” O bloco desfilou somente junto ao Bloco do Bobo, pelas ruas do bairro lagunar do Bom Parto. Em 2025, o desfile promete tomar de cultura as ruas da Pajuçara, financiado apenas por parceiros independentes.
Já o bloco do Bôbo, sairá pelo bairro do Bom Parto, no sábado de carnaval, em 1º de março, mantendo viva a tradição na periferia de Maceió. Antes da realização do evento, o Programa Nacional dos Comitês de Cultura em Alagoas chegou a organizar, em duas datas no mês de fevereiro, o debate “Qual carnaval queremos para Maceió”, na sede do Quintal Cultural, também no Bom Parto.
Apoio aos festejos
Este ano, somente em 4 de fevereiro, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult), lançou um edital que destina R$ 625 mil para patrocinar 125 blocos em todo o estado com o valor de R$ 5 mil para cada.
As organizações dos blocos que desejavam participar tiveram 10 dias para se inscrever no edital.
Segundo a secretária de Cultura e Economia Criativa, Mellina Torres Freitas, a iniciativa visa descentralizar o apoio e garantir que a tradição carnavalesca se mantenha viva em todas as regiões do estado.
"O Carnaval é uma das expressões culturais mais ricas do nosso estado. Com este prêmio, queremos garantir que os blocos de rua continuem levando alegria para os foliões, além de fomentar a economia criativa local", afirmou a secretária, em release enviado à imprensa.
A seleção do edital adotou três critérios principais: “Histórico do bloco: tempo de atuação, impacto cultural e participação na cena carnavalesca”. “Vulnerabilidade social: blocos de regiões com menor acesso a políticas culturais terão prioridade”; “ Inclusão e diversidade: Ações voltadas à equidade de gênero, raça, acessibilidade e respeito à diversidade serão valorizadas”.
Já a Prefeitura de Maceió não destacou verbas para apoio à festas populares. Apesar disso, o bloco Pinto da Madrugada recebeu R$ 1 milhão de reais em patrocínio da gestão municipal. A previsão é que o desfile reúna 600 mil pessoas na Orla de Pajuçara.
O Bloco do Rei, outro gigante das prévias carnavalescas maceioenses, anuncia o apoio da Prefeitura de Maceió e do Governo de Alagoas, além de entidades privadas, em seus anúncios de divulgação.
*Estagiário sob supervisão
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