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Cem menores são violentados por dia em Alagoas

No último ano foi registrada uma média de 40 mil casos de violência nos 110 conselhos tutelares de Alagoas

Por Tribuna Hoje 01/06/2015 20h08

O medo de sair de casa virou rotina na vida de uma menina de 13 anos, moradora da periferia de Maceió. A estudante foi vítima de ameaças e tentativas de estupro do padrasto.

Quem relata a história ao jornal Tribuna Independente é a sua tia, que será identificada com o nome fictício de Maria José. A mulher é irmã do pai da menor e conta como a menina sofre no seu dia-a-dia com as consequências de ter sido mais uma criança vítima da violência.

“O padrasto perseguia a menina na rua quando ela ia para a escola. Já colocou uma arma na cabeça dela e tentou obriga-la a ter relações sexuais. Minha sobrinha disse que ele nunca conseguiu, mas não temos certeza. Quando a mãe dela soube da história, se separou e mudou de bairro, mas o bandido foi atrás delas”, relata Maria José.

“Em outra ocasião ele puxou pelos cabelos da minha sobrinha e colocou um punhal em seu pescoço. Isso também aconteceu no caminho da escola. Ela conseguiu fugir e a mãe dela foi com ela na delegacia e no IML para fazer a denúncia e os exames de conjunção carnal. Desde então esse homem está foragido e ameaçando matar os pais da menina. Disse que vai pagar a um menor de idade para fazer o ‘serviço’, e que o crime não vai dar em nada”.

Esse é apenas um dos mais de 40 mil casos registrados no último ano.

“Em Alagoas são registrados em média 100 casos por dia. Temos 110 conselhos tutelares espalhados pelo estado e em cada unidade pelo menos um caso é registrado a cada dia”, afirma o presidente do Fórum Estadual de Conselheiros Tutelares de Alagoas, José Edimilson de Souza.

O conselheiro explica que os casos vão desde os maus tratos físicos, abuso psicológico, abandono, exploração do trabalho infantil, abuso e exploração sexual – onde os casos têm aumentado a cada ano – falta de condições de sobrevivência, falta do direito à educação e à saúde.

“Os caso da exploração da mendicância estão em praticamente todos os municípios de Alagoas e principalmente na capital. São aquelas crianças que ficam pedindo esmolas na rua a mando dos pais ou responsáveis. Essas e várias outras situações são consideradas violência contra crianças e adolescentes”, explica.

Edimilson conta que os casos continuam aumentando a cada ano.

“Em ralação a 2013, tivemos um aumento de praticamente 12% no número de casos de violência”.

Número de criminosos impunes ainda é grande no Estado

Apesar do número de denúncias de crimes contra crianças e adolescentes aumentarem a cada ano, o presidente do Fórum Estadual de Conselheiros Tutelares de Alagoas, José Edimilson de Souza, afirma que o número de criminosos que ficam impunes ainda é grande em Alagoas.


“As denúncias têm aumentado de certa forma porque contamos cada vez mais com a divulgação dos casos na mídia. O trabalho do Conselho Tutelar sendo mostrado tem encorajado as pessoas a nos procurar e denunciar esses crimes. Para a delegacia ainda existe um certo receio e preconceito, mas o Conselho Tutelar é formado por pessoas da comunidade e as vítimas têm nos procurado cada vez mais”, explica.


“No entanto, ainda temos um número de casos impunes muito grande, principalmente porque muitos desses crimes, principalmente os de abuso sexual, são cometidos dentro de casa. Muitas vezes as mães dessas crianças preferem proteger seus parceiros e desmentem o que seus filhos dizem. Os casos de agressão física que chegam ao Conselho Tutelar são levados para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente”.

Edimilson conta ainda que nas cidades do interior de Alagoas, onde pessoas com maior poder econômico, fazendeiros, empresários e até políticos são responsáveis pela exploração sexual de crianças, o trabalho dos conselheiros é mais difícil.
“Ainda existe uma cultura de pistolagem muito grande no interior do estado e as pessoas mais humildes acabam silenciando quando suas crianças sofrem algum tipo de violência. Porém, há exceções. Já houve o caso de um vereador de Água Branca que passou um bom tempo preso por abusar sexualmente de uma menina que trabalhava na casa da mãe dele. Ele foi preso pelos crimes de abuso sexual e exploração de trabalho infantil”, relata o conselheiro.
Edimilson explica que os conselheiros trabalham em conjunto com os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) e Centros de Referência de Assistência Social (Cras).
“As crianças e os adolescentes vítimas de violência são acompanhados por psicólogos, assistentes sociais e educadores. Contamos com toda uma equipe técnica para ajudar essas vítimas da violência a superarem seus traumas”.
Violência leva crianças e adolescentes ao uso de drogas
Um estudo realizado no ano passado pelo Instituto nacional de Ciências e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), indica que a violência física contras crianças e adolescentes pode levar ao consumo de álcool e drogas.
A psicóloga Larissa Cabús trabalha com dependentes químicos em uma clínica de reabilitação.
“Meus pacientes são de classe média baixa à baixa. Uma coisa que é comum em todos eles é justamente isso de sair de casa cedo. Ser empurrado para fora de casa na verdade, por conta das brigas do pais, mudança no funcionamento da casa como a chegada de padrastos ou madrastas violentos”, explica.
“Essa é uma marca que me chamou a atenção como pesquisadora da área de dependência química. Este tema ainda não tem muitas referências, mas são ligações óbvias. Os pais devem assumir sua parcela de culpa nesses casos e entender que a violência doméstica não está apenas nas agressões físicas, mas nas agressões verbais e na ausência”, opina a psicóloga.
Porém, Larissa destaca que é preciso analisar cada caso. “É um tema delicado para se colocar a máxima ‘violência na infância leva às drogas do amanhã’. Não necessariamente”, acredita.
“Mas o fato é que todos os dependentes químicos que eu conheci, sejam eles de qualquer classe social, saem de casa à procura de adormecimento, esquecimento dos problemas existentes em casa”.
Para a psicóloga, os efeitos da violência podem geram diferentes efeitos na vida dessas crianças e adolescentes.