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Dependentes químicos mudam de vida ao retornar ao mercado de trabalho

Programa intensifica trabalho de reinserção social de dependentes químicos que passaram por comunidades acolhedoras credenciadas pela Rede Acolhe

Por Daniel Dabasi com Agência Alagoas 25/03/2017 14h02
Dependentes químicos mudam de vida ao retornar ao mercado de trabalho

Sentado em frente ao microfone, o radialista Genilson Vieira tem sua voz levada pelas ondas do rádio, em São Miguel dos Campos, interior de Alagoas. Operar a mesa de áudio cheia de botões e interagir com os ouvintes faz parte de seu trabalho, que é motivo de orgulho para ele e sua família. Quem olha para o profissional dedicado hoje, não imagina o turbilhão devastador que o álcool causou em sua vida.

Genilson viu sua vida desmoronar com a dependência cada vez mais forte pelo álcool. Foram anos e anos de uso, até acabar com o casamento e se afastar da família. Nas ruas, ele chegou a dormir debaixo das bancas da feira livre da cidade e a comer restos de alimento em frente a restaurantes.

O prédio onde hoje funciona a empresa de rádio antes era um local de uso de drogas. “Neste mesmo lugar onde me afundei nas drogas, estou me reerguendo. Retornei. Só que agora trabalhando e com outra visão de mundo. Isso significa recomeço”, comenta ele.

Aos 48 anos, Genilson está há quatro anos sem usar nenhum tipo de entorpecente. A trajetória não foi fácil. “Quando cheguei à comunidade acolhedora Shalon demorei na abstinência, mas não desisti. Com o tempo, passei a perceber o trabalho que alguns dependentes mais antigos faziam lá dentro. Eles se tornaram meus exemplos”, explicou.

Após o tratamento na comunidade acolhedora, Genilson foi reconstruindo sua vida aos poucos. O retorno ao mercado de trabalho foi um passo primordial para que ele voltasse a viver como antes, longe das drogas e de ambientes vulneráveis.

“Voltar a trabalhar é tornar a acreditar em nós mesmos. É importante o acolhido ter a oportunidade de seguir outros caminhos ao sair da comunidade. Quando retomei o trabalho, eu percebia o olhar das pessoas. Era como se elas dissessem: ‘agora, sim, é o Genilson que eu conheço’”, enfatizou o ex-acolhido, que encontrou no pai forças para continuar.

‘Seu Juca’, pai de Genilson, também enfrentou problemas com o álcool, mas com muita força de vontade conseguiu superar e receber seu filho de braços abertos quando ele voltou ao convívio familiar. “Foi uma barra para todos nós. Genilson chegou ao fundo do poço. Hoje é um exemplo para todos. E como profissional, posso dizer que ele está bem melhor e mais dedicado que antes. Se não tivesse apoio seria muito difícil superar essa situação”, disse ‘Seu Juca’.

Inovação para acelerar a reinserção social e produtiva

Para abrir mais oportunidades de trabalho para dependentes químicos em Alagoas, a Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev) criou o Agentes da Paz, um programa de reinserção social e produtiva de dependentes químicos que passaram por comunidades acolhedoras credenciadas pelo Governo de Alagoas.

“Um dos trabalhos é facilitar o ingresso no mercado de trabalho daqueles que acabaram ou estão acabando o tratamento em comunidades acolhedoras da Rede Acolhe. Sabemos o quanto é importante para esses dependentes químicos retomar suas vidas e viver longe dos ambientes vulneráveis”, explicou a titular da Seprev, Esvalda Bittencourt.

A política de reinserção social para dependentes químicos foi determinada pela lei 7.865/2017 de autoria do deputado estadual Carimbão Júnior e sancionada pelo governador Renan Filho no início do ano. Segundo a lei, órgãos da administração estadual direta ou indireta devem estabelecer, em contratos com entidades privadas, um percentual mínimo de vagas de trabalho para dependentes químicos recuperados.

Para o presidente da Associação Comercial de São Miguel dos Campos, Luiz Antônio, a iniciativa ajuda, inclusive, a romper preconceitos na sociedade. “Muitos não conseguem emprego porque são mal vistos pela população e pelas empresas. É importante oferecer suporte para essas pessoas que lutam para ter uma vida digna”, ressalta ele.

Algumas empresas privadas já contratam dependentes químicos como forma de contribuir com a reinserção social e produtiva. É o caso de uma distribuidora de bebidas localizada em São Miguel dos Campos. A empresa tem em seu quadro de funcionários o ex-acolhido Carlos Eduardo.

Carlos Eduardo atua como auxiliar mecânico e passou pela comunidade acolhedora Shalon para lutar contra a dependência do crack. Ele começou a usar álcool com apenas nove anos. Aos 11, passou a fumar cigarro. Aos 13, experimentou maconha. Aos 25 anos, viu sua vida arruinada ao se tornar dependente do crack.

A dependência fez com que ele abandonasse o antigo emprego e se afastasse da família. “Minha filha com três anos chegou a me ver fazendo uso do crack em casa”, revelou.

Ao entrar na comunidade, Carlos enfrentou as dificuldades da abstinência. “No começo foi difícil, mas aos poucos fui me adaptando à nova realidade. Lá, fiz cursos e capacitações. Estou há três anos sem fazer uso de nenhum entorpecente. Ter essa oportunidade de trabalho foi simplesmente incrível. É muito bom saber que nós temos valor na sociedade”, concluiu ele. 

Resultados e perspectivas

A Rede Acolhe foi a responsável pela recuperação de mais de 25 mil dependentes químicos de Alagoas, por meio do acolhimento voluntário em uma das 37 comunidades acolhedoras espalhadas por todas as regiões do estado e credenciadas pelo Governo Estadual.

A meta agora, a partir da criação do projeto Agentes da Paz, é identificar as necessidades deste total de acolhidos que ainda não se encontram no mercado de trabalho, capacitá-los e encaminhá-los para empresas e órgãos públicos conforme determinado pela Lei de Reinserção Social e Produtiva.