Geral
Agente penitenciária conta os desafios de ser mulher no sistema prisional
Jornal de Alagoas entrevista policial penal acerca das adversidades de seu trabalho
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, muito se fala sobre a constante luta por direitos e igualdade de gênero, principalmente dentro do mercado de trabalho. Pensando nisso, o Jornal de Alagoas trouxe uma personagem que ocupa um espaço essencial na sociedade e se destaca em uma profissão que ainda é dominada por homens.
A jovem Milena Ribeiro*, de apenas 24 anos, teve a vida completamente mudada quando se tornou agente penitenciária. A profissão foi escolhida um pouco por acaso: incentivada principalmente pelo pai, acreditava que não se adaptaria àquela função, mas acabou sendo surpreendida.
"Eu era muito introvertida, o trabalho me ajudou no amadurecimento pessoal, me ajudou até a impor autoridade, um dom que eu nem sabia que tinha, são coisas que fui aprendendo ao longo do tempo. As pessoas costumam ter medo de presídio mas é um ambiente bem diferente do que imaginam", revelou.
Milena lembra feliz de todo o caminho percorrido até de fato exercer o trabalho. Desde o processo de estudar e realizar as provas, à felicidade da aprovação e o curso de formação. Para ela, tudo valeu a pena, principalmente por receber um bom salário e ter conquistado a estabilidade que ser servidora pública proporciona.
Por se tratar de um ambiente majoritariamente ocupado por homens, ela conta que o começo foi o momento mais difícil, quando precisou trabalhar muito sua própria adaptação. Por trabalhar em um presídio masculino, sentia um machismo velado, não de forma tão direta, mas sim indiretamente por meio de comentários e brincadeiras.
"Ouvia que "ah não faz nada" ou insinuavam que "ganha dinheiro fácil"... você se adapta. No início foi um pouco difícil essa questão. Não só eu, mas também outras amigas que entraram comigo. Mas você se adapta, você ganha o seu espaço, ganha respeito, e fica muito boa com as palavras, boa pra revidar com respostas", disse brincando.
Apesar das piadas iniciais e do leve assédio moral, Milena acredita que foi essencial impor respeito e lembrar aos outros que estava em um ambiente sério para cumprir o seu trabalho: "eu faço o mesmo serviço que eles, claro que dentro da limitação do que eu posso fazer".
Em seu caso, Milena acredita que deu sorte, pois as situações de machismo enfrentadas no ambiente de trabalho foram bastante superficiais, reconhecendo por exemplo o fato de que diversos parceiros preferem trabalhar com ela, um apoio feminino, a recorrer à ajuda de um agente masculino.
"Eu tive apoio em partes, mas acabei ganhando o meu espaço. Meu pai sempre me incentivou, principalmente por ter o mesmo trabalho, e é interessante porque o meu maior apoio veio dele, um homem, e ao mesmo tempo sofri descriminação de outras mulheres. Acho que rolou um territorialismo, já que eram mulheres que trabalhavam lá há muito mais tempo, ", contou, lembrando que apesar disso foi muito bem recebida por outras, que a ensinaram bastante, já que não tinha nenhum tipo de experiência.
Inicialmente, Milena trabalhou em um presídio com população carcerária majoritariamente masculina, e se orgulha de ter conseguido adquirir respeito até mesmo entre os presos.
"Seja entre os presos ou entre colegas, foi realmente uma questão de adquirir respeito, impor autoridade, sempre com profissionalismo e principalmente com respeito. É sim mais difícil sendo mulher, mas se impondo e mostrando quem você é se torna possível ganhar espaço, um espaço que num primeiro momento você não tem por conta do preconceito".
Apesar das especulações de que pode ser uma profissão perigosa, a alagoana conta como o seu serviço realmente funciona: com rotinas bem determinadas, é comum auxiliar os presos para executar suas funções, como tomar o famoso banho de sol e receber visitas, ou levar os reeducandos para algum atendimento dentro ou fora do presídio. Eventualmente ela também realiza rondas de segurança para evitar a invasão do local, mas garante que acha bem seguro.
"Todo trabalho é perigoso, mas fazendo tudo com segurança e seguindo os devidos protocolos não tem problema. Existe aquela fama de que 'ah o preso vai querer te matar' e não é assim, é bem o contrário, te tratam com bastante respeito".
Se tratando de inspiração, Milena não tem dúvidas ao responder: seu pai. O também agente penitenciário sempre incentivou a filha a seguir sua carreira, estando sempre disponível para auxiliá-la quando surge alguma dúvida com relação a algum procedimento de trabalho.
Saindo um pouco do clichê, Milena aponta também uma colega de trabalho como fonte de incentivo: "nós trabalhamos juntas desde sempre, ela é o meu braço direito, nós nos incentivamos e crescemos juntas, é sem dúvidas uma pessoa muito importante pra mim ali dentro".
E o que a família acha? Todos morrem de orgulho da mulher que, com apenas 21 anos, conquistou uma carreira tão respeitada.
"Minha família acha o máximo, minhas avós acham um pouco perigoso, provavelmente por causa da idade, mas até elas acham o máximo, principalmente por ter conseguido a aprovação e entrado nesse ambiente de trabalho tão nova", conta.
Durante o mês da mulher, muito se fala na luta pela igualdade de gêneros, principalmente na esfera do trabalho. Se tratando da Polícia Penal, Milena acredita que no âmbito nacional, as oportunidades são mais equilibradas, mas nem sempre é assim.
"Na esfera federal as vagas costumam ser destinadas a ambos os sexos, no meu caso o concurso além de ser estadual também foi regionalizado, foram 54 vagas para mulheres e mais de 200 para homens, não há um equilíbrio".
A mensagem que fica? Milena tem na ponta da língua:
"Eu diria que elas podem ir atrás do que elas quiserem, todas somos capazes de tudo, seja no ambiente profissional, maternal, social... A mulher é forte e capaz de qualquer coisa, além da capacidade de conseguir criar e executar diversos projetos ao mesmo tempo. E para as mulheres que tem vontade de seguir a carreira policial: não sintam medo, não sintam vergonha, não temam ser descriminadas. Há um respeito muito grande da sociedade, você se sente muito bem utilizado e tem um retorno enorme do público, o serviço militar, todas as áreas dele, é muito importante".
*Nome fictício para preservar a integridade da entrevistada