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Pobreza menstrual afeta 4 em cada 10 mulheres no Nordeste
Problema não é solucionado apenas com a distribuição de absorventes, afirma especialista
O período menstrual exige uma série de cuidados mínimos para as mulheres. Ter acesso a produtos adequados para higiene menstrual, um banheiro em bom estado de conservação, à água e saneamento básico podem parecer coisas comuns para a maioria das pessoas, mas infelizmente não é a realidade.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e analisada pela Agência Tatu mostra que, entre janeiro e fevereiro deste ano, 43% das mulheres da região Nordeste já precisaram pedir absorventes ou dinheiro emprestado porque não tinham condições financeiras para comprar os produtos.
O gasto com esses insumos pesa no orçamento de 45% das mulheres da região, que declararam que precisam economizar com esses itens. Outro resultado da pesquisa revela que 30% das meninas e mulheres da região já tiveram que usar outros itens no lugar de produtos de higiene menstrual por não possuírem condições financeiras para comprá-los. Papel higiênico é a principal substituição.
Em uma análise do preço do absorvente descartável externo, que é o produto mais utilizado pelas pessoas que menstruam no Nordeste (83%), o custo mensal com esse item é em média R$ 16,56, de acordo com os preços do Procon Maceió.
O valor pode parecer ínfimo, mas significativo para muitas famílias em situação de vulnerabilidade social e que enfrentam a fome no Nordeste. Isso explica por que 61% das nordestinas concordam que se produtos de higiene menstrual fossem oferecidos gratuitamente trocariam com maior frequência, e por que 74% das mulheres dessa região afirmam que a menstruação atrapalha a rotina.
A pobreza menstrual é um fenômeno caracterizado principalmente pela falta de acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual, como absorventes, além de papel higiênico e sabonete; questões estruturais como a ausência de banheiros seguros e em bom estado de conservação; saneamento básico; insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual; tabus e preconceitos sobre a menstruação, entre outros pontos.
Elaine Pimentel, coordenadora da Organização Não-governamental (ONG) Centro de Defesa dos Direitos das Mulheres de Alagoas (CDDM), explica que o assunto precisa ser mais discutido.
“Por mais que a gente já tenha avançado na abordagem desse tema, as meninas e as mulheres têm vergonha. É como se fosse uma coisa errada, suja. O assunto é muito menos debatido do que deveria ser”, relata Pimentel, que também é doutora em Sociologia e diretora do curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A afirmação da socióloga é evidenciada pela pesquisa, que mostra que 3 a cada 10 nordestinas sentem vergonha de conversar abertamente sobre menstruação com amigos, parentes ou conhecidos. Em outra análise, 90% das meninas e mulheres da região acreditam que a menstruação é um processo natural que a sociedade deve falar abertamente sobre.
Dignidade menstrual
Em um relatório realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), publicado em maio de 2021, são apresentados outros dados que demonstram como crianças e adolescentes que menstruam têm seus direitos à escola de qualidade, moradia digna e saúde violados, quando seus direitos à água, saneamento e higiene não são garantidos nos espaços em que convivem.
Em uma elaboração própria de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o relatório mostra que mais de 121 mil meninas do Nordeste estudam em escolas que não possuem banheiros em condições de uso e mais de 228 mil estudam em escolas que não possuem separação de banheiros por sexo.
Outros dados apresentados pelo relatório sobre Pobreza Menstrual no Brasil mostram que, na região, 249 mil meninas estudam em escolas que não possuem papel higiênico nos banheiros, 416 mil estão em escolas que não dispõem de pia ou lavatório em condições de uso e 984 mil meninas informaram que a escola em que estudam não disponibiliza sabão para lavar as mãos.
Na pesquisa do Instituto Locomotiva é mostrado que 68% das nordestinas já faltaram à escola ou faculdade porque estavam no período menstrual.
Para além das dificuldades enfrentadas em escolas sem as condições básicas para higiene, o relatório também apresenta que 449 mil meninas residem em domicílios que não possuem banheiros, com chuveiro e vaso sanitário, para uso exclusivo dos moradores, incluindo o espaço do terreno e a propriedade.
91% das nordestinas concordam que produtos de higiene menstrual deveriam ser oferecidos gratuitamente para quem precisa, contudo, segundo a professora da Faculdade de Direito de Alagoas (FDA) Elaine Pimentel, é preciso entender que a pobreza menstrual é um problema que não se resume ou é solucionado apenas com a distribuição de absorventes.
''É fundamental que não se pense que o problema da pobreza menstrual se resume à absorvente. Também é absorvente, mas não só” – Elaine Pimentel, professora de Direito e coordenadora de uma ONG de Direitos das Mulheres.
“Essa questão da pobreza menstrual está no contexto mais amplo de saúde, de dignidade, de higiene, então tem a ver com água, com saneamento básico, porque não é só o uso do absorvente, são vários outros fatores que se agregam. (…) Imagine uma menina, uma adolescente, uma mulher adulta, em ciclos menstruais vivendo em uma favela, de lona, sem água potável, sem água corrente. Que condições ela vive, de higiene, para lidar com o ciclo menstrual?”, relata Pimentel.