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“Vou poder ir à praia”: Retomada do Ame-se acelera fila de cirurgias de reconstrução mamária em Alagoas
Alagoanas que venceram o câncer de mama enfrentam o drama de ter tido o seio mutilado durante o tratamento e lutam para conseguir reconstruir o corpo e resgatar sua autoestima
Um grupo de mulheres unidas em torno de uma causa em comum: reconstruir a autoestima e voltar a viver com dignidade. Foi assim que o Ministério Público de Alagoas (MPAL) recebeu, no último mês de agosto, alagoanas que já haviam superado o câncer de mama, mas que aguardavam a cirurgia de reconstrução mamária através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Elas fazem parte do Ame-se, programa do Governo de Alagoas, que atende pacientes que realizaram a mastectomia - operação de retirada total do seio ou de uma parte dele durante o tratamento da doença. Criado em 2020, o Ame-se realiza esse atendimento, mas foi parcialmente interrompido, entre novembro de 2021 e setembro de 2022, quando a empresa fornecedora das próteses mamárias deixou de entregar o produto à Secretaria de Estado da Saúde (Sesau).
As mulheres que aguardavam na fila buscaram o MP e foram orientadas a procurar o Núcleo de Defesa da Saúde Pública, do Centro de Apoio Operacional (CAOP). Lá elas conheceram e foram atendidas pela promotora de Justiça Micheline Tenório.
“Fizemos a reunião, a mediação, e foi ajustado para que a Secretaria de Saúde remetesse essa informação [de não entrega das próteses] para a Procuradoria do Estado, para poder adotar os procedimentos judiciais e inclusive avisar aos outros gestores, como a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], por exemplo, de que aquele fornecedor é um descumpridor de contrato. Temos que fazer essa depuração do sistema, para que ele possa funcionar adequadamente, desde fornecedores a prestadores de serviço, para que cumpram as normas. São uma série de fatores que tem que serem monitorados, fiscalizados, para que a população tenha um serviço de qualidade”, explica a promotora.
A promotora de Justiça Micheline Tenório explica como o MP realizou um trabalho humanizado para atender às mulheres do Ame-se. Foto: Jornal de Alagoas
A partir da criação do AME-SE as cirurgias de reconstrução mamárias saltaram de uma para 12 por ano, em Alagoas, um aumento de 1200%, segundo uma média estipulada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesau).
Após a ação das mulheres junto ao MPAL, o processo foi não só retomado, como acelerado e, desde então, 19 mulheres já realizaram o procedimento, ou, ao menos, sua etapa inicial – com a colocação do expansor que auxilia no tratamento da pele que vai abrigar a prótese em definitivo. Micheline coordena o Núcleo, acompanhada de um assessor e um estagiário, na primeira sala da sede do CAOP, localizado na Avenida Fernandes Lima, em Maceió, onde recebeu a reportagem.
“O Ame-se é um projeto muito bonito. Quando conseguirmos fazer uma mediação que consegue fazer uma diferença na vida de 19 mulheres, de 19 famílias, amigos, que convivem com uma mulher em depressão, arrasada e, sabemos que para a mulher ter acesso, seja a qualquer tipo de direito, de política, é muito mais difícil, porque até pra ela lutar pelos direitos dela, ela tem que deixar a família, deixar os filhos em casa, não tem com quem deixe, não tem creche. Então, quando a gente faz parte de uma rede de proteção que consegue um resultado desses é extremamente satisfatório, então assim, cumpri o meu papel, o Ministério Público cumpriu o seu maior mister, que é esse, proteger a população, proteger as pessoas principalmente as excluídas”, explica a promotora, à frente do Núcleo de Defesa da Saúde desde 2003.
A empresa contratada inicialmente pela Sesau via processo licitatório postergou por mais de uma vez o prazo de entrega. Apesar de continuar com os atendimentos e a colocação do expansor, as cirurgias de reconstrução mamária do Ame-se ficaram paradas por quase um ano até que a aquisição das próteses fosse feita através de outra empresa, somente em setembro deste ano. O programa já atendeu, ao todo, mais de 90 mulheres alagoanas.
Uma das mulheres cadastradas no programa é Ivanilda de Freitas. Ela lembra a data exata de sua mastectomia: 18 de abril de 2013. Com o câncer superado, restava ainda a reconstrução da mama, outra etapa para o fim de um ciclo e que veio somente nove anos depois, em 10 de outubro de 2022, pouco mais de duas semanas antes da data desta entrevista.
“Já dá pra perceber a mudança. É maravilhoso”, diz a vendedora autônoma de marcas de perfumaria, moradora do Sítio São Jorge, bairro periférico de Maceió, mãe de dois filhos e avó de um neto.
Ivanilda foi garota propaganda de ações de prevenção ao câncer de mama. Foto: Arquivo pessoal
“Foram anos aguardando, de espera, de angústia. Sempre fui uma pessoa muito ativa, então estou ansiosa para retomar minhas atividades”, conta ela, que ainda se recupera da operação.
A médica mastologista e coordenadora do programa, Francisca Beltrão, explica que a fila de mulheres que aguarda é pequena e existe somente devido à paralisação. “A Micheline sabe da minha luta para que essas próteses fossem entregues, de cobrar, de ligar para a empresa, até que isso chegasse na Sesau”.
Para ela, o programa tem pelo menos duas importâncias fundamentais. A primeira é com relação à saúde pública, uma vez que esse procedimento praticamente não era realizado pelo SUS em Alagoas.
A segunda diz respeito à valorização de cada mulher, em autoestima, aceitação da própria imagem, melhora no relacionamento conjugal, resgate de socialização e outros fatores que afetam diretamente as mulheres que passaram pela mastectomia. Querida pelas pacientes, a médica diz que mantém o contato com as mulheres atendidas. “Elas me dizem que voltaram a ser mulher”.
“Fico muito feliz em ser parte desse processo de transformação. É fantástico ver a transformação, o poder, a mudança na vida, é bacana ver o impacto que temos na vida delas, é muito gratificante”, completa a médica, que também foi uma das idealizadoras do programa.
Após a reconstrução da mama, as pacientes passam também pela cirurgia plástica de reconstrução da aréola e do mamilo, como numa espécie de tatuagem médica.
“Quero ir para a praia, usar um biquíni”.
Clemilda Maceda, tem 50 anos, enfrentou o câncer aos 39 e desde então não frequenta lugares que exijam trajes de banho. “Não sei se vou pra praia, ou piscina, mas vou colocar um biquíni”, diz, certa do que fará após a cirurgia, ainda sem data definida, mas com expectativa de ser realizada até o começo de dezembro.
Segundo ela, a prótese móvel usada não a deixava confortável. “Não tinha vontade de sair, me deixava muito triste. Com o expansor já ajuda muito. Ainda não acredito que vou fazer a cirurgia. Às vezes não consigo dormir, perco o sono pensando. Eu já sou um milagre em estar viva, agora vou ver outro”, conta emocionada a administradora.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, o Brasil teve um risco estimado de câncer de mama, no ano passado, de 61,61 casos para cada 100 mil mulheres. Clemilda diz que contou com uma rede de apoio para superar o processo de retirada da mama, de quimioterapia, radioterapia e todo o tratamento em si.
“Irmãs, tias, as mulheres da família, o marido ficou comigo do começo até o final. Isso foi muito importante. Todos estão felizes por mim. Conheço muitas mulheres que não tiveram essa sorte e passam por uma separação ou são abandonadas pelos maridos, infelizmente todo o processo é muito difícil. Então botar a prótese nos anima e nos dá força para seguir”, explica.
O que diz a Lei
A Lei 9.797/99 garante às mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama, decorrente de tratamento de câncer, o direito à cirurgia plástica reconstrutiva no Sistema Único de Saúde (SUS).
Podem fazer a cirurgia todos os pacientes com câncer de mama que teve a mama retirada total ou parcialmente em decorrência do tratamento oncológico tem o direito de realizar cirurgia plástica reparadora. Por lei, tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) quanto os planos de saúde são obrigados a realizar essa cirurgia. Quando existirem condições técnicas e clínicas, a reconstrução mamária deverá ocorrer no mesmo ato cirúrgico de retirada da mama (mastectomia).
Ame-se
O Ame-se tem o objetivo de zerar a fila de espera pela cirurgia em todo o estado e atende mulheres mastectomizadas, que estão na fila de espera para terem o seio reconstruído e já concluíram o tratamento do câncer. Somente após consulta com o mastoctoligista é que as mulheres recebem a avaliação dos cirurgiões plásticos, que analisam o tipo de cirurgia mais adequada para cada paciente.