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"Trends” obscuras nas redes sociais incentivam adolescentes a práticas ilegais; psicóloga alerta
É o caso do "cleptotwt" (clepto twitter), uma subcomunidade de pessoas que se declaram cleptomaníacas e frequentemente compartilham os seus furtos na rede; casos aconteceram em Maceió
Após denúncias de pequenos furtos cometidos em sequência, em uma grande livraria de Maceió, funcionários ligaram o alerta sobre os motivos de isso estar acontecendo. A resposta não demorou a vir, mas surpreendeu a todos.
Tratava-se de jovens, em sua maioria adolescentes e de bom poder aquisitivo, que estavam deliberadamente furtando livros e materiais de papelaria. O objetivo deles era ostentar os produtos roubados em “trends”, nas redes sociais.
Trend é uma palavra de origem inglesa que significa tendência. Atualmente as redes sociais têm um forte impacto no cotidiano da população e é comum que novas tendências surjam ao longo do tempo, como dancinhas e desafios, mas isso pode se tornar um problema quando atitudes negativas, e até ilegais, são encorajadas por uma moda na rede social.
Diversas subcomunidades estão "escondidas" na internet, sendo locais onde determinados grupos que se identificam com algo em específico debatem abertamente sobre o tópico. Apesar de parecer algo inofensivo, algumas dessas comunidades são conhecidas, principalmente, por seus membros praticarem crimes e incentivarem que os outros façam o mesmo.
É o caso do "cleptotwt" (clepto twitter), uma subcomunidade de pessoas que se declaram cleptomaníacas e frequentemente compartilham os seus furtos na rede. Esses furtos variam entre coisas pequenas, como itens de farmácia e guloseimas, a coisas mais caras, como roupas e maquiagens.
O que é a cleptomania?
O ato de praticar furtos compulsivamente, conhecido como cleptomania, é um transtorno psiquiátrico que tem como principal característica o impulso incontrolável de roubar itens de lojas, amigos ou familiares, apesar de se ter consciência de que é um ato moralmente errado. Aquele que furta por causa da doença não costuma ter a intenção de prejudicar quem foi roubado. Na maioria das vezes o objeto roubado não tem valor monetário relevante nem é um item de necessidade para o cleptomaníaco.
“Conseguidinhos”
Em Maceió, uma jovem foi presa em flagrante após furtar um livro em uma livraria de um shopping de Cruz das Almas. Segundo a coordenadora de vendas da loja, o ato tem sido cada vez mais comum, principalmente entre os jovens. De acordo com ela, na última semana três adolescentes, com idades entre 14 e 15 anos, foram flagrados tentando furtar cerca de R$ 2.000 em produtos no estabelecimento.
"Quase todo dia pegamos alguma coisa nas câmeras. Inclusive existe uma trend no Twitter onde as adolescentes furtam nas lojas e postam seus "ganhos" com o maior orgulho", contou.
Apesar das postagens ferirem algumas regras do Twitter, as pessoas conseguem dar um jeito de se manter fora do radar das punições postando com palavras cifradas, tornando a postagem mais difícil de ser encontrada pelos que estão fora da comunidade.
É o caso do uso da gíria "rateio", utilizada para relatar o ato de cometer algo impróprio ou ilegal. Utilizando as cifras, ou seja, o uso de números substituindo algumas letras, eles compartilham os rateios do dia e passam despercebidos.
Psicóloga alerta
De acordo com a psicóloga Nicolly Amorim, existem vários fatores que contribuem para que uma pessoa cometa esse tipo de delito, e um deles pode ser aliviar ansiedade, estresse e outras emoções que podem ser mais desagradáveis de sentir.
"Muitas pessoas não sabem muito bem como administrar as emoções e procuram formas de aliviá-las e esses pequenos furtos podem funcionar como válvula de escape. Se o indivíduo percebe que isso funciona e se sente bem com isso, a tendência é que ele repita esse comportamento e até incentive para que outras pessoas façam. Por outro lado, o indivíduo pode praticar esse delito em busca de adquirir um item que não consegue comprar mas que deseja ter. Indo pra um aspecto mais profundo, alguns indivíduos realmente podem ter o transtorno da cleptomania em que ele é incapaz de controlar seu impulsos e furtar", explicou.
Nicolly alerta ainda que, apesar de não ser possível afirmar com certeza que apenas praticando esses furtos repetidas vezes o sujeito vá desenvolver o transtorno da cleptomania, a sensação de prazer ao conseguir furtar o que se quer pode se tornar viciante e fazer com que o indivíduo repita esse comportamento.
"As causas da cleptomania ainda são desconhecidas, mas existem vários fatores que podem contribuir para o seu aparecimento como histórico familiar de cleptomania ou outros transtornos de controle de impulsos. Além de que esse transtorno geralmente tem seu início no final da adolescência ou no início da vida adulta, o que geralmente é a faixa etária das pessoas que participam dessas trends. É algo a ser observado com cautela e se necessário procurar ajuda de um profissional", explica a profissional.
As redes sociais estão cada vez mais presentes na vida dos jovens, e apesar de outros fatores desencadearem esse tipo de comportamento, vale ficar atento aos impactos negativos que as mídias digitais podem ter em cada indivíduo.
"Na era dos likes, ser visto, reconhecido por outras pessoas, receber curtidas e até mesmo hitar (viralizar), por mais errado ou perigoso que aquele comportamento seja, dá ao indivíduo uma sensação de poder e isso pode ser um reforçador para que esse ciclo continue".
Ainda de acordo com a psicóloga, o desejo de pertencer a um grupo ou comunidade pode fazer com que haja a vontade de reproduzir um comportamento, sendo possível que, ao ver um novo trend, o jovem tente fazê-lo para se enturmar.
"Existem estudos que falam sobre como o comportamento de um indivíduo pode ser modificado quando ele está em meio a multidões (nesse caso, as trends), acaba surgindo um efeito manada, onde a pessoa age mais emocionalmente do que racionalmente", completou, explicando ainda que não necessariamente todo mundo que ver a publicação irá replicá-la.