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Um abraço às próprias referências: designer alagoano inaugura loja em uma das principais galerias de SP
Em entrevista ao Jornal de Alagoas, Antônio Castro falou sobre sua carreira e o desafio de abrir um espaço na Galeria Metrópole, nova casa da Foz, marca de roupas assinada pelo artista
"A ideia não é subverter o artesanato, mas sim criar novos horizontes". É com essas palavras que o designer de moda Antônio Castro descreve o seu trabalho. Criador da marca "Foz", o alagoano inaugurou no mês de janeiro o seu espaço físico na Galeria Metrópole, um famoso prédio conhecido por ser símbolo da arquitetura modernista de São Paulo.
Em entrevista ao Jornal de Alagoas, o artista falou sobre a nova fase de sua carreira com a abertura da loja, a origem de sua marca, seu processo criativo e a parceria com artesãos alagoanos.
Galeria Metrópole
A marca Foz surgiu durante a pandemia, e, por conta disso, nasceu exclusivamente no meio digital, que por bastante tempo foi o seu único canal de vendas. No momento pós-pandemia, Antônio se viu cada vez mais cobrado por seus clientes a abrir um espaço físico que os permitisse conhecer a diversidade de todos os seus produtos.
O designer, que também é pós-graduado em Empreendedorismo e Gestão, acredita que esse passo foi bastante desafiador, mas também orgânico, fazendo parte do crescimento da marca.
"Eu tinha um espaço físico onde trabalhava, era um ateliê fechado, mas não tinha a possibilidade de receber clientes. A gente vendia em alguns pontos físicos da cidade com multimarcas parceiras que recebem os nossos produtos, mas não é a mesma coisa de ter autonomia e montar o espaço da sua forma, expor o produto e a quantidade de produtos da sua maneira", explicou, já que as lojas normalmente recebiam apenas algumas peças.
O maceioense acredita ainda que a Galeria, que está situada na Praça Dom José Gaspar, na República, e passa por um momento de renovação artística, é o lugar ideal para se estabelecer e conversa de forma natural com a marca, principalmente porque o cliente da Foz é interessado em design, artesanato e arquitetura, três coisas que os atraem espontaneamente ao espaço.
Tolstói e o abraço às próprias referências
Antônio, que trabalha com artesanato e design desde 2018, conta que a sua intenção inicial não era criar uma marca, mas sim lançar talvez apenas uma peça assinada com o seu nome. A ideia foi gestada desde o início de 2020, mas devido à pandemia, esse plano precisou ser adiado, e, com o ganho de tempo, foi percebido que essa poderia ser a oportunidade de criar algo maior e mais denso, com mais história e complexidade.
"Eu tinha acabado de me desligar de um trabalho anterior e vinha em um momento de um pouco de desilusão com a moda, porque eu queria trabalhar com moda, mas não queria trabalhar dentro de um sistema de produção no qual eu não concordava ou não me enxergava", explicou, contando ainda que, naquele momento, não conseguia encontrar no mercado esse nicho.
"Não conseguia encontrar esse nicho, pelo menos não com a abrangência necessária para conseguir oportunidades dentro da maneira que eu gostaria de trabalhar, que seria em parceria com os artesãos. Eu falo que a Foz é um trabalho que eu criei pra mim porque não encontrei ele no mercado", conta orgulhoso.
Quando se mudou para São Paulo, percebeu que suas referências eram diferentes de seus colegas sudestinos, o que fez com que ele notasse que abraçar suas origens poderia ser o seu diferencial.
"As referências que fui exposto a minha vida inteira são diferentes das que eles foram expostos, a ideia era me apropriar disso para criar uma linguagem própria dentro das demandas da faculdade, dos trabalhos e projetos", continua.
Suas experiências nesse período foram essenciais para construir esse pensamento, e durante uma exposição, o artista viu uma frase do escritor russo Leon Tolstói que foi seu fio condutor: "Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia". A partir desse acontecimento o alagoano se sentiu motivado a olhar para dentro, se conhecer e conhecer o seu estado como forma de criar sua arte e se conectar com o seu público.
"A partir disso eu começo a citar Alagoas como inspiração em diversos momentos do meu trabalho e posteriormente a esses anos acadêmicos, também no meu trabalho profissional, isso é sempre referência para mim, seja pela Foz ou trabalhando com outras empresas e projetos que eu ainda me envolvo".
Alagoas surge em seu trabalho também nas parcerias com artesãos locais, que segundo ele, exige uma sensibilidade e necessidade de entender o repertório cultural de cada grupo. O trabalho demanda que seja levado em consideração os saberes, fazeres e o contexto cultural de cada localidade, para assim então propor novas possibilidades a partir da técnica e repertório dos artistas.
"O ponto de partida é um trabalho que já existe, mas o ponto de chegada é algo novo. A ideia não é subverter o artesanato, mas sim criar novos horizontes para que ele consiga chegar em novos lugares, alcançar outros públicos e pontos finais de venda que não sejam necessariamente aqueles que os artesãos já conseguem abraçar", afirmou, reforçando mais uma vez o cuidado e respeito que cercam o seu trabalho.
O que vem por aí?
Atualmente a Foz trabalha lançando duas coleções por ano, com quatro entradas em cada uma delas, totalizando oito entradas ao longo do ano. A terceira entrada da coleção atual, "Arraial", foi lançada no mês de janeiro junto com a abertura da loja, e a próxima e última entrada já estará disponível nos sites e na loja no próximo mês.
"A ideia da marca é trabalhar com temas anuais, então o tema da coleção segue sendo o mesmo. Eu acredito que dá para estabelecer temas e trabalhar eles de forma profunda quando você tem mais tempo para se dedicar a eles", explicando ainda que esse formato se iniciou no fim de 2021.
Na próxima entrada será lançada mais uma estampa exclusiva, desenvolvida em parceria com o artista e artesão Eduardo Faustino, pernambucano que mora em Alagoas há alguns anos. Faustino foi um dos principais parceiros e colaborou com o desenvolvimento de estampas desta coleção.
Nessa segunda parte de "Arraial", a coleção segue olhando para as festividades juninas como manifestação cultural e a relação ambígua entre o sagrado e o profano, os santos e os ritmos, mas dessa vez com um olhar mas maduro sobre o tema.
"Agora a coleção olha para lugares mais específicos em interferências têxteis, trabalhos mais minuciosos. Acho que com a "Peixaria Sto Antônio" [coleção anterior] a gente fez mais ou menos dessa maneira, que é na primeira etapa da coleção vê-la de uma maneira mais figurativa e na segunda etapa uma maneira mais abstrata".
E não para por aí. O calendário da Foz já está todo programado e no mês de maio o público poderá conferir a coleção de inverno.
*Estagiária sob supervisão