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Advogado quer punição a policiais e TAC para coibir racismo estrutural, após caso de invasão de terreiro

Pedro Gomes, do Instituto do Negro Alagoano (INEG), foi o primeiro a denunciar o caso e está acompanhando as vítimas no inquérito policial

Por Ylailla Moraes* e Vinícius Rocha 10/03/2023 13h01 - Atualizado em 10/03/2023 14h02
Advogado quer punição a policiais e TAC para coibir racismo estrutural, após caso de invasão de terreiro
O terreiro Abassá Angola, localizado no Conjunto Otacílio Holanda, na Cidade Universitária, em Maceió - Foto: Pedro Martins/INEG

O advogado Pedro Gomes, membro da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil de Alagoas (OAB-AL) e do Núcleo de Advocacia do Instituto do Negro de Alagoas (INEG-AL) comentou, em entrevista ao Jornal de Alagoas, o caso de invasão, por parte da Polícia Militar do Terreiro Abassá Angola, na Cidade Universitária, em Maceió, na quinta-feira, 2 de março. A guarnição da força tática do Batalhão de Polícia de Guarda de Alagoas ainda espancou e torturou o filho da Ialorixá da casa, de 18 anos. 

O advogado pede que os policiais envolvidos sejam punidos administrativa e penalmente, mas espera também que seja iniciado um debate na sociedade para que práticas abusivas contra jovens de periferia, contra membros de religiões africanas não voltem mais a ocorrer em Alagoas.

“Queremos iniciar um debate para que possamos coibir esses atos, seja por meio de algum TAC [Termo de Ajustamento de Conduta], seja por meio de alguma outra situação”, afirma Gomes.

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Pedro Gomes

O advogado está acompanhando as testemunhas que estão sendo ouvidas no inquérito policial e além da punição aos policiais envolvidos, quer que os investigados recebam sanções administrativas. Com o jovem de 18 anos torturado pela polícia nada foi encontrado. No Terreiro Abassá Angola, invadindo sem mandado de busca e apreensão e que teve seus objetos religiosos revirados e jogados no chão, além da porta arrombada, nada foi encontrado.

“A gente espera primeiramente a condenação penal dos policiais e que eles sofram a sanção administrativa também, uma sanção que seja educativa para outros policiais. Mas mais do que isso, a gente utiliza esse momento como um divisor de águas dentro de Alagoas. Que a gente consiga unir forças de todos os atores institucionais e públicos, para que a gente faça com que casos como esse não se repita”.



O advogado reafirma a necessidade do elemento educativo, a partir de uma conversão de forças, para que a cultura que envolve crimes relacionados a atividade policial sejam extinguidas. 


“Nessas localidades onde a maioria da população é pobre, mas também é negra, as forças de segurança se veem no direito de chegar e abordar de forma violenta, abordar de forma abusiva qualquer pessoa que veja pela frente. O Abassá Angola é um templo religioso muito conhecido em Maceió. Lá tem escrito na porta que se trata de um Terreiro, mas eles [os policiais] não se fizeram de rogados, pelo contrário, eles ficaram com mais raiva quando foram questionados por uma Mãe de Santo. Sentiram-se ameaçados, desrespeitados, porque uma pessoa com as vestes de matriz africana resolveu interpelar e dizer que eles estavam cometendo uma ilegalidade. Com base nesse sentimento anterior de raiva, eles acharam que não era nada demais arrombar um terreiro”, comentou.

“É tudo parte de uma grande estrutura, de algo que é normalizado”, diz ele, quando perguntado se o caso é um exemplo de racismo religioso, e ainda completa que, apesar de atividades ilícitas aconteceram, em diversos ambientes e por diversos tipos de pessoa, casos de abuso de autoridade acontecem com mais frequência em regiões periféricas. “É um mix do racismo estrutural que passamos em Alagoas há 300 anos”, resume.

Pedro fala também sobre a relação com a intolerância religiosa, citando como exemplo as igrejas evangélicas, existentes em toda a periferia alagoana. “Lá esses casos não acontecem”, diz. “Se um jovem usuário de drogas fosse acolhido e morasse em uma dessas igrejas, não seria a mesma reação. Os policiais não teriam invadido, não teria nem entrado na igreja sem antes falar com o pastor”.

Ele cita a constituição federal para reiterar a importância da defesa desses espaços. De acordo com o Artigo 208 da Lei nº 2.848 é garantida a manutenção e a proteção de cultos e templos religiosos.

“Também entramos em contato com a corregedoria da PM, para que abram um processo administrativo”. A defesa das vítimas mantém contato com a delegada Rebeca Cordeiros, da delegacia Tia Marcelina e com a Secretaria da Mulher, para que o caso seja investigado com celeridade. 

*Estagiária sob supervisão