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Ameaças de ataques à escolas afetam rotina e saúde mental de estudantes e professores de AL

Comunidade docente e corpo técnico da educação vêm sentido mudanças causadas por ameaças nos ambientes escolares; pais e alunos tem rotina alterada e cresce o diálogo sobre violência e cuidados

Por Ylailla Moraes* 21/04/2023 10h10 - Atualizado em 21/04/2023 16h04
Ameaças de ataques à escolas afetam rotina e saúde mental de estudantes e professores de AL
Armados, policiais civis palestram em escola da rede estadual de ensino, em AL - Foto: Ascom/SSP

Em Alagoas, pelo menos cinco ameaças de ataques, em escolas de Maceió e do interior, mudaram a rotina da comunidade escolar e têm afetado a saúde mental do corpo técnico, docente e discente que agora se preocupa com a violência em um ambiente onde a educação e o conhecimento deveriam ser assunto principal.

Embora o volume de ameaças às escolas brasileiras tenha diminuído nas últimas semanas, entre pais e responsáveis ainda há uma preocupação quanto à segurança dos filhos, e sobre as decisões das instituições quanto à melhor maneira de lidar com as questões.

Aline Daniele, mãe de duas meninas, de 14 e 16 anos, estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Rosineide Tereza de Martins Conceição, localizada no município de Rio Largo, município da região metropolitana de Maceió, diz que apesar dos preceitos, busca alternativas para lidar com a situação.

“Eu converso com minhas filhas todos os dias para que elas fiquem atentas a alguma situação diferente e que se acontecer algo elas tentam se proteger”, diz ela. Questionada sobre o impacto que as ameaças têm tido sob as adolescentes, ela diz que há certa preocupação por parte delas.

A caçula, diz a mãe, “se sente com medo e assustada com tudo que está acontecendo, porque outras crianças também vão pra escola assustadas”.

Apesar de nenhum ataque ter sido cometido em Alagoas, o medo e o pânico causados pelas ameaças vem fazendo a segurança pública do estado trabalhar para prevenir maiores problemas. Ao menos 16 pessoas já foram identificadas e levadas à delegacias por ameaças a estudantes e professores.

Ao Jornal de Alagoas, outra mãe diz que, apesar dos acontecimentos recentes, não tem medo e não mudou os hábitos. “Eu não mudei minha rotina, a escola adotou mais segurança e não podemos viver a mercê do medo, assim paramos nossas vidas e temos que passar segurança, confiança aos nossos filhos”, afirma Claudiane Oliveira, mãe de uma criança de 5 anos e uma adolescente de 13 anos, também estudantes de escola pública

Para Claudiane, a rotina não deve ser alterada e é preciso. “O pensamento fica a mil, mas temos que ter sempre a esperança, a fé e não podemos parar “.

Valeria* que também é mãe de um adolescente, diz que é difícil sentir alívio quando o filho vai pra escola e que sente que perdeu um dos poucos lugares na qual as mães pensavam que os filhos não correm nenhum risco.

“O número de mensagens para saber se o filho está bem, se está assistindo aula, se vai demorar, se está a caminho de casa, aumentou muito devido a isso tudo”, afirmou

Uma aluna do ensino médio, colega do filho de Valéria, diz temer as consequências das ameaças, mas que a instituição de ensino em que estuda, o Instituto Federal de Alagoas (IFAL), tomou medidas preventivas à possível violência.

“Se acontecesse alguma coisa, acho que a escola e os alunos estariam bem despreparados e eu tô me sentindo bem preocupada com isso”, disse a aluna.

Pais e filhos não são os únicos afetados pelo medo que tomou conta dos estudantes de Alagoas. Os profissionais que trabalham nas instituições de ensino também tiveram que aprender a lidar com a atmosfera tensa que passou a rondar os ambientes acadêmicos.

A professora do Instituto Federal de Alagoas (IFAL), Angela Sales, contou que desde o ano de 2018, a partir da ascensão de discursos de ódio, ela percebeu a necessidade de debater os assuntos em sala de aula.

“A gente sentiu dentro da escola um extremismo e uma bilateralidade de forças, que se falava muito em ódio, violência, apontar o dedo como se fosse armas. Eu levei pra sala de aula como uma forma de discussão ampla, conversando sobre a necessidade que o ser humano tem de impor suas ideias em forma de violência”, explicou a professora.

Ângela, no entanto, diz orgulhosa, que o medo não a faz estacionar.

“A preocupação é maior que o medo, eu dou muito amor aos meus alunos, me preocupa, me sinto parte e sou oriunda da escola pública” ela completa que busca dar sempre um suporte e acolhimento aos seus alunos, “O amor que eu sinto pela educação é maior do que qualquer medo que pudesse me paralisar".


Izael é presidente do Sinteal/ Foto: Ascom/Sinteal
Izael é presidente do Sinteal/ Foto: Ascom/Sinteal


Procurado pelo Jornal de Alagoas, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (Sinteal), questionou o debate ser feito somente através da segurança pública.

“São ataques às escolas, que ocorrem como consequência da promoção do ódio e da intolerância, que vivenciamos nos últimos anos. Dentro das escolas, precisamos de um plano pedagógico estratégico que restabeleça uma cultura de paz”, afirmou o presidente da entidade, Izael Barbosa.

“Nossas escolas não são violentas, mas o incentivo ao armamento e ao ódio nos últimos anos tem refletido diretamente nas nossas instituições de ensino. Nesse sentido pensar na cultura de paz passa por discutir o nosso modelo de sociedade”, completou.

Adoecimento


O Sinteal afirmou que tem visitado escolas e constatado o adoecimento da classe docente diante do cenário de medo.

De acordo com Izael, pensar na segurança de crianças e adolescentes passa por um monitoramento das redes sociais e supressão de conteúdos racistas, xenofóbicos, machistas e que dissemine qualquer forma de cultura de ódio.

O posicionamento sobre a forma de abordagem do tema nas escolas também é destacado e o Sinteal diz que o trabalho deve ser feito sem alardes, para não fomentar o pânico nas instituições.

“É muito preocupante ver gestões instigando o medo e o terror, orientando crianças sobre o ambiente de violência e até a permissão para que militares armados entram nas salas de aulas. É equivocado! Isso só aumenta o medo e a insegurança e não enfrenta cultura do ódio, muito menos promove uma cultura de paz”, completou.

Psicopedagogia em ação


Psicopedagoga conversa com a reportagem sobre a problemática/ Foto: Psicopedagoga Amanda Pimentel/Arquivo pessoal


Uma situação de pânico generalizado que gera tanta onda de preocupação é algo que demanda atenção e um cuidado na abordagem, sobretudo, quando envolve um público infatoadolescente, que está em fase de formação do pensamento. A pedagoga Amanda Pimentel, que possui pós graduação em psicopedagogia e atua em uma escola particular de Maceió, além de trabalhar com crianças do espectro autista, fala sobre como os pais devem lidar para prevenir conflitos e atitudes problemáticas dos filhos:

“Os pais precisam ter autoridade sobre os filhos, as crianças não têm maturidade para tomada de decisões importantes por isso os pais precisam ser responsáveis e de forma respeitosa dar os comandos necessários para que o desenvolvimento de seus filhos seja seguro e saudável”

Quando questionada sobre como os pais podem notar possíveis ideias violentas nos filhos, Amanda diz que os sinais são dados antes mesmo que algo trágico aconteça e cabe aos responsáveis notarem isso

“Não existe um método pronto para detectar as intenções de violência, principalmente quando a mesma está no cotidiano das crianças através dos jogos, filmes, brinquedos... Geralmente quando uma criança tem um comportamento violento ela já deu alguns sinais antes, portanto é importante conhecer os gostos e particularidades da criança para compreender sua personalidade, sua rotina e percepção do mundo. Assim quando a criança tiver algum comportamento fora do comum vai ser fácil detectá-lo. “. A profissional ressalta a importância de se buscar profissionais qualificados, caso os pais notem comportamentos diferentes e preocupantes nos filhos.

Mas com tanto acesso a informações que podem influenciar o comportamento de crianças, como evitar que elas sejam afetadas por discursos de ódio, preconceitos e discriminações, que podem gerar atitudes violentas? Amanda responde que é necessário manter um bom diálogo e fazer um monitoramento do que é acessado nas redes sociais e internet, para a segurança dos filhos.

“Voltando ao raciocínio da hierarquia familiar, os pais precisam ter acesso a todas as senhas e monitorar todas as atividades online de seus filhos. A orientação também é muito importante pois o diálogo saudável facilita a compreensão de assuntos delicados, portanto a melhor prevenção é sermos amigos dos nossos filhos, acolher sem julgamentos e entender sua visão social, orientando com consciência sobre os nossos valores e também ser exemplo de empatia, tolerância, respeito, paciência... tanto em casa quanto na rua”, salientou Pimentel.

Inteligência e prevenção


Diante de tais acontecimentos, Flávio Saraiva, secretário de segurança pública do Estado de Alagoas, afirmou em coletiva de imprensa que aconteceu nesta quarta (19), “O plano de defesa será acionado para levar segurança às escolas. Teremos todo o nosso efetivo empregado, e sabemos o que fazer diante de uma ameaça”, afirmou Saraiva, que é delegado da polícia civil de Alagoas.

Ainda segundo ele, existe um aplicativo que localiza as viaturas policiais e possibilita a visualização do plano de defesa e bloqueio de possíveis ameaças. O governador Paulo Dantas criou um Plano de Prevenção à Violência nas Escolas para proteger as escolas e os alunos de qualquer ameaça.

“O plano de defesa será acionado para levar segurança às escolas. Teremos todo o nosso efetivo empregado, e sabemos o que fazer diante de uma ameaça”, diz o secretário.

*Alteramos nomes para a segurança das fontes

*Estagiária sob supervisão