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Advogado pede habeas corpus para homem negro acusado de injúria racial contra italiano

Pedro Gomes, membro do núcleo de advocacia racial do INEG-AL, diz que caso é um absurdo juridico e vê abertura de precedente perigoso contra o povo negro

Por Vinícius Rocha 25/01/2024 17h05 - Atualizado em 25/01/2024 19h07
Advogado pede habeas corpus para homem negro acusado de injúria racial contra italiano
Advogado vê retrocesso na luta antirracismo em denúncia do MPAL - Foto: Reprodução

O Núcleo de Advocacia Racial do Instituto do Negro Alagoano (INEG-AL) entrou com um pedido de Habeas Corpus na Justiça para tentar barrar o processo movido pelo Ministério Público de Alagoas que denunciou um homem negro alagoano por injúria racial contra um italiano.

O advogado Pedro Gomes, do Ineg, classificou a denúncia como um absurdo jurídico e afirmou se tratar de um retrocesso na luta antirracista.

Em entrevista ao Jornal de Alagoas, Gomes disse que o instituto entrou com uma representação jurídica solicitando um habeas corpus para o acusado, mas que a defesa já está trabalhando para o réu no caso, e teme que se abra um "precedente perigoso” para a população negra.

A defesa partirá do pressuposto de que não há tipicidade na conduta, ou seja, explica Gomes, é juridicamente impossível se imputar o crime de injúria racial no qual a vítima é um homem italiano branco.

“Juridicamente hoje a legislação brasileira não permite que isso seja feito. As vítimas do crime de injúria racial são pessoas que foram injuriadas em função da sua proveniência, de sua raça, de sua cor ou local de origem. A característica tem que ser historicamente discriminada, a pessoa tem que fazer parte de um grupo historicamente discriminado em função de sua origem, então, quando se fala que um italiano, um europeu, branco, está sendo discriminado por ser italiano e, por isso, ele tá sofrendo injúria racial, trata-se de um absurdo jurídico”, explica.

O advogado espera que a câmara criminal do Tribunal de Justiça, responsável pela análise do recurso impetrado pelo Ineg, julgue o pedido ainda no mês de fevereiro.

Precedente perigoso


Procurado pelo acusado, que solicitou apoio jurídico, o Ineg abraçou a causa e teme que possa se abrir um precedente perigoso.

“No caso de haver uma ação civil nós poderíamos abrir um precedente muito perigoso dentro da legislação e do judiciário alagoano. Ficamos estarrecidos com essa denúncia da promotora Hylza Paiva Torres de Castro porque é algo que está muito claro dentro da legislação brasileira essa impossibilidade jurídica de se realizar tal denúncia e considerá-la o crime de injúria racial”, detalha Pedro.

Ele aponta a falta de letramento racial pelos atores que fazem o judiciário brasileiro e alagoano como uma das causas que podem ter levado o MP a seguir com a denúncia.

"Podemos ver a Lei de injúria racial, que é uma conquista do movimento negro brasileiro, oprimir quem ela devia defender", ressalta. 

O advogado diz preocupar-se com a situação, uma vez que considera o Ministério Público um órgão essencial para o funcionamento do judiciário, para administração da Justiça e para a democracia.

Procurado, o MPAL não respondeu até a publicação da reportagem.

O caso

Na segunda-feira, 15 de janeiro, o Diário Eletrônico de Justiça publicava que tinha acatado a denúncia do MPAL que tornava réu um homem negro por injúria racial contra um italiano.

O italiano prestou queixa-crime após ser xingado de "cabeça europeia e escravagista" pelo réu. Os dois já se conheciam antes da denúncia. Além de manter ligação por negócios e trabalho, o italiano foi casado com uma tia do homem negro.

O MP-AL se baseou na lei nº 14.532/2023, que diz que o crime de injúria racial é quando a ofensa atinge a dignidade de uma pessoa ou de grupos minoritários por sua raça, cor, etnia, religião ou procedência.