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Ação cobra que Braskem perca imóveis 'comprados' de vítimas de afundamento

A empresa afirma que não tem conhecimento da ação citada pela reportagem, mas alega que os registros de posse estão em seu nome como parte do acordo assinado com órgãos de controle, em que se compromete também a não construir nos bairros desocupados

Por Carlos Madeiro - Colunista do UOL 19/03/2024 10h10 - Atualizado em 19/03/2024 15h03
Ação cobra que Braskem perca imóveis 'comprados' de vítimas de afundamento
Vista aérea dos bairros Mutange e Pinheiro, atingidos pelo afundamento - Foto: Jonathan Lins / Folhapress

A Defensoria Pública do Estado de Alagoas entrou com uma ação ontem pedindo que a Justiça Federal condene a Braskem à perda de todos os imóveis e terrenos pelos quais pagou, a título de indenização, para que moradores pudessem deixar áreas sob risco de afundamento provocado por obras da empresa em cinco bairros de Maceió.

A empresa afirma que não tem conhecimento da ação citada pela reportagem, mas alega que os registros de posse estão em seu nome como parte do acordo assinado com órgãos de controle, em que se compromete também a não construir nos bairros desocupados. Diz ainda que o uso futuro da área será definido pelo plano diretor municipal "e não caberá exclusivamente à Braskem" (leia mais abaixo).

Até o mês de fevereiro, 14,4 mil imóveis foram desocupados por moradores ou comerciantes de Maceió, que receberam um total de R$ 3,95 bilhões em indenizações — valor que inclui também os auxílios mudança e aluguel.

"O ato ilícito praticado pela parte ré [Braskem] não pode nem deve lhe garantir benefícios pecuniários, seja agora, seja no futuro; do contrário, seria um incentivo à prática de novos ilícitos, causando, ainda, certamente, uma sensação de impunidade e de revolta a toda população não só alagoana como brasileira" Ação civil pública da Defensoria Pública do Estado

Além de receber pelo dano material, cada família teve direito a uma indenização de R$ 40 mil de indenização por dano moral. Ex-proprietários, porém, reclamam dos valores baixos pagos e da explosão de preços de imóveis após o colapso dos bairros.

Região desocupada em após afundamento de cinco bairros de Maceió / Imagem: Itawi Albuquerque/Secom

A ação será julgada pela 3ª Vara Federal de Alagoas e é assinada por quatro defensores: Ricardo Antunes Melro, Daniel Alcoforado, Isaac Vinícius Souto e Lucas Monteiro Valença.

O primeiro pedido é para que os bens pagos pela Braskem como indenização sejam bloqueados de imediato.

Em seguida, a Defensoria requer que seja realizada uma audiência pública para ouvir os interessados na causa, além de pedir a condenação da perda em definitivo de todos os bens pagos como indenização e o pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor que foi pago pela empresa em indenizações.

Entenda os questionamentos

Em dezembro de 2019, a Braskem criou o PCF (Programa de Compensação Financeira) para atender às vítimas do afundamento. Mesmo sem reconhecer a culpa pelo desastre, a empresa aceitou pagar indenização a todos os proprietários de imóveis de áreas de risco.

Sem cláusulas contrárias, porém, passou a ser a proprietária legal dos imóveis e terrenos desocupados.

Em 2020, o acordo foi assinado pelas defensorias Pública da União e do Estado e pelos ministérios Públicos de Alagoas e Federal. Os termos foram retificados pela Justiça Federal.

"Como admitir-se que a Braskem utilize e perceba benefícios financeiros a partir de uma conduta criminosa que ela mesmo deu causa e que trouxe graves prejuízos para milhares de alagoanos e para todos os entes públicos federativos?" Ação civil pública da DPE

Rua abandonada após afundamento no bairro do Pinheiro, em Maceió / Imagem: Carlos Madeiro/UOL

A posse das áreas desocupadas pela Braskem já era alvo de contestação — já que algumas localidade poderão voltar ser ocupadas após o fim do processo de estabilização do solo — com o preenchimento das minas subterrâneas. Antes do problema, alguns desses bairros eram bem valorizados.

Vagner Paes, presidente da OAB em Alagoas, lembra que o município deverá fazer um novo plano diretor para definir o que pode — ou não — ser feito na área urbana afetada.

"Todas as áreas que hoje estão sob posse da empresa só podem ter um objetivo: a construção de áreas em benefício da própria sociedade atingida e às expensas da mineradora" Vagner Paes, presidente da OAB em Alagoas

Braskem registrou 282 imóveis


Segundo levantamento feito pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, a Braskem já registrou em seu nome ao menos 282 imóveis. O levantamento foi feito a pedido da CPI da Braskem no Senado.

A coluna consultou alguns desses registros e encontrou imóveis com valores acima de R$ 3 milhões, como é o caso de uma edificação erguida em área de 900 metros quadrados no bairro do Farol — e que não foi demolida por estar em área de "criticidade 01", de desocupação voluntária.

Registro feito pela Braskem de imóvel de R$ 3 milhões "comprado" por causa do afundamento do solo / Imagem: Reprodução

Com o registro legal, os imóveis podem ser incorporados ao ativo (patrimônio) da empresa ou mesmo vendidos e alugados, por exemplo.

No documento enviado à CPI, a Corregedoria-Geral da Justiça de Alagoas admite não ver empecilhos legais no fato de a Braskem ser dona da área.

"Este órgão não tem conhecimento a respeito da existência de qualquer óbice para que futuramente a Braskem torne-se plena proprietária, pela via usucapião, dos imóveis cuja posse foi adquirida pela empresa dos moradores das áreas atingidas pela catástrofe" Domingos de Araújo Lima Neto, desembargador corregedor-geral da Justiça

Os fatos serão analisados na CPI, que tem reunião marcada para hoje.

"Precisamos de apuração rigorosa sobre quaisquer danos que tenham sido causados à população dos bairros afetados. A cada dia fica mais claro que a suposta reparação ofertada pela Braskem não é justa e suficiente" Rodrigo Cunha (Podemos-AL), senador e integrante da CPI

Mapa de risco do afundamento dos bairros feito pela Defesa Civil de Maceió / Imagem: Divulgação/Defesa Civil de Maceio

O que diz a Braskem

A empresa reafirma que a transferência de posse dos imóveis "está prevista em acordo" com os órgãos competentes.

"[A transferência] é necessária para que a companhia possa realizar ações de zeladoria nas áreas afetadas, com controle de pragas, limpeza urbana e segurança patrimonial, além da demolição preventiva, medida considerada importante para a estabilização do solo na região."

De acordo com a empresa, alguns registros têm sido feito em cartórios em razão da "necessidade dos assistidos no programa", como "nos casos em que o morador pretende financiar uma nova casa e não pode ter o nome vinculado ao imóvel desocupado no cartório".

A Braskem diz ainda que, no acordo, se compromete em "não edificar nas áreas desocupadas, para fins comerciais ou habitacionais".

"Discussões futuras sobre a área e sua utilização poderão ser feitas a partir do Plano Diretor do Município, instrumento amplamente debatido pelas autoridades e a sociedade, ou seja, em nenhum momento a decisão sobre o futuro da área caberá exclusivamente à Braskem."