Geral

Mais de 80% das ruas de Maceió com nome de pessoas homenageiam homens brancos

Levantamento da ONG Ateliê Ambrosina mostra ainda que logradouros com nomes masculinos são precedidos pelos seus títulos, enquanto mulheres são "donas" e "santas"

Por Vinícius Rocha 09/04/2024 18h06 - Atualizado em 09/04/2024 19h07
Mais de 80% das ruas de Maceió com nome de pessoas homenageiam homens brancos
Nomes de ruas em Maceió priorizam homenagear figuras masculinas - Foto: Foto: Idalécio Lucas/Ascom DMTT/Arquivo

Uma pesquisa da ONG Ateliê Ambrosina revela que 83% das ruas de Maceió com nomes de pessoas homenageiam homens brancos. O levantamento foi entregue à vereadora Teca Nelma (PT), que propôs na Câmara de Maceió que novos logradouros possam homenagear figuras femininas, travestis e transexuais.

De acordo com o levantamento, Maceió possuía, em 2015, 7.139 logradouros e 56% deles, ou 3.986, com nomes de pessoas, personalidades e santidades. Foi constatado então que os bairros de Maceió priorizam a homenagem a homens em seus logradouros, com visibilidade de 3.300 nomes masculinos, comparado apenas 651 nomes femininos.

A fundadora da Ateliê Ambrosina, Bruna Teixeira, explica que a pesquisa teve início em 2017, mas ganhou força em 2019 quando a gestão do município, à época comandada por Rui Palmeira, solicitou à sociedade civil sugestão de nomes de mulheres para nomear as ruas da cidade.

Foram levantados, então, 200 nomes de mulheres e pessoas transexuais que viraram sugestões para ganhar o devido reconhecimento. Bruna afirma que a medida é uma forma de garantir equidade e representatividade para as mulheres e grupos invisibilizados. “Nós queremos nos reconhecer a cada esquina”, diz.

Outro “sintoma” do machismo estrutural que circunda a sociedade maceioense através das pessoas a quem se escolhe homenagear é que grande parte dos nomes de homens são identificados pelos seus títulos, como coronéis, capitães, entre outros, enquanto os 20% que “sobram” para as mulheres são de títulos como santas ou donas.


“A gente luta muito pela equidade, e temos a expectativa de que Maceió se preocupe com as questões de representatividade, pois há uma discrepância muito grande. Representatividade parece pouco, mas para quem não é representada é muito”.

Um caso emblemático da cidade de Maceió, aponta Bruna, é o de Tia Marcelina, líder religiosa morta no ato de intolerância conhecido como Quebra de Xangô, em 1912. O episódio foi capitaneado por Fernandes Lima, que dá nome ao principal eixo viário da cidade. “Homenageia o algoz, enquanto a vítima é invisibilizada”, diz.

Em entrevista recente, a vereadora Teca Nelma disse que após procurar a antiga SEDET - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente - atual Semurb, constatou-se 800 ruas sem nome na capital alagoana. “Junto com o Ateliê, a partir da pesquisa, protocolamos cerca de 195 nomes na Câmara”.

Filha de um senhor de engenho, a oligarca Constança de Góes Monteiro é uma das poucas mulheres homenageadas com uma avenida em seu nome. Fotos: Reprodução

Ela lamenta, porém, que o processo de inclusão desses nomes foi interrompido a partir de uma Lei instituída na Câmara de Maceió que limitou para apenas cinco projetos de nomes de rua por vereador por semestre em Maceió. “Eu protocolei a Rua Marielle Franco e foi quando tudo travou na Câmara. Me perguntaram o que aconteceria se fosse proposto uma rua Olavo de Carvalho”, relatou a vereadora, sem citar nomes de quem fez o questionamento.

“É a primeira [lei] do Brasil, porque não existe limitação na constituição. Além disso, a Lei retroage, todos os processos que foram protocolados têm que ser arquivados porque nenhum deles segue a prerrogativa de cinco por semestre", completou Teca.

Bruna, no entanto, lamenta a rejeição enfrentada por Teca na Câmara, mas acredita que a pauta possa avançar e o número de homenagens possa ser mais equilibrado em Maceió. “Não é pra tirar os nomes dos homens que já existem, mas que ruas novas homenageiem mulheres", sintetiza.

Virou filme

A pesquisa da ONG não só virou projeto na Câmara de Maceió, mas também vai parar nas telas do cinema, com o filme "Se Essas Ruas Fossem Delas", dirigido por Ticiane Simões, também fundadora da Ateliê Ambrosina. Atualmente, o filme está em fase de pós-produção e deverá estrear na Mostra Sururu de cinema alagoano, em dezembro de 2024.