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De menino rico a defensor dos pobres: conheça a história de São Francisco de Assis

No Brasil, país com o maior número de católicos do mundo, o flerte entre arte e religiosidade resulta em representações do santo

Por Bacuri Comunicação / Angelo Miguel 02/10/2024 14h02 - Atualizado em 02/10/2024 15h03
De menino rico a defensor dos pobres: conheça a história de São Francisco de Assis
Leonildo, artesão pernambucano, representa um santo festivo, cercado por andorinhas e de sanfona na mão. Já o santo de Elizabeth Marques, do MS, segura uma pequena onça pintada ressaltando seu título - Foto: Penellope Bianchi

Conhecido como defensor das pessoas em situação de pobreza e padroeiro dos animais, a devoção e dedicação de São Francisco de Assis aos vulneráveis nem sempre foi uma de suas características. Celebrado no dia 4 de outubro, por conta de sua morte em 1224, ele se tornou uma das figuras mais populares e emblemáticas da história da Igreja Católica por conta de seu histórico incomum de abdicação da riqueza para dedicar sua vida aos pobres.

No Brasil, país com o maior número de católicos do mundo, o flerte entre arte e religiosidade resulta em representações do santo que mesclam suas características tradicionais com elementos regionais da nossa cultura popular. “Embora ele seja um santo católico, por aqui foi se transformando numa figura que transcende a religião, passando a provocar apreço e identificação por conta das representações que dialogam com a brasilidade. Mesmo mantendo sua típica túnica marrom, com uma corda amarrada à cintura e sandálias simples de couro, alguns artesãos e artistas, a partir de uma mesma referência, imprimem características que remetem ao bom humor e à afetividade do brasileiro”, afirma o curador Lucas Lassen, responsável pela Paiol, marca que atua com artesanato e arte popular brasileira e conta com mais de 20 modelos diferentes do santo.

Ainda de acordo com Lassen, São Francisco é representado por diversos artistas de diferentes regiões do país e ganha adaptações a partir de técnicas e materiais distintos. “O São Francisco pantaneiro de Elizabeth Marques, do Mato Grosso do Sul, por exemplo, ganha uma das mais importantes características do estado, segurando uma onça pintada, em referência ao título de padroeiro dos animais. Já o São Francisco do pernambucano Leonildo, segura uma sanfona com as cores da bandeira do Pernambuco. No universo da ceramista alagoana Sil da Capela, ele está sentado debaixo de uma jaqueira, uma das marcas do trabalho da artista. O santo feito pela associação que homenageia o cearense Mestre Noza, é entalhado em madeira e já aparece um pouco mais tradicional”, revela Lassen, que ainda ressalta obras das Figureiras de Taubaté, no interior de São Paulo, com um arco florido que aparece em boa parte de suas produções, além da ceramista Néia, de Minas Gerais, entre outros.

A Alice, de São Paulo, usa sua técnica com palha. já a mineira Neia traz o santo em um altar adornado com flores - Fotos Penellope Bianchi


A história

Nascido entre 1181 e 1182 em Assis, na Itália, Giovanni di Pietro di Bernardoniera - seu nome de batismo - vem de uma rica e influente família da região. Filho de pai italiano e mãe francesa, acabou ganhando o apelido de Francesco (o francês), por conta das constantes viagens de negócios do pai à França dedicadas ao comércio de tecidos. A vida abastada e distante dos problemas da época o fez crescer como um jovem conhecido por esbanjar dinheiro em uma vida cercada de luxos, ambição e a busca por poder e reconhecimento.

Sem muito apreço pelos negócios da família e sem a intenção de seguir os passos do pai, por volta dos 20 anos de idade ele decidiu se tornar soldado para lutar em uma guerra interna de Assis contra a região da Peruggia. Em busca de fama e grande glórias, ele acabou sendo capturado e preso por cerca de um ano, no qual definhou, passou fome, contraiu doenças e passou a refletir sobre a vida que tinha levado até então. Ao retornar à sua casa, ele até tentou retomar a vida regada a festas e luxos, mas seu encantamento foi diminuindo em pouco tempo. De acordo com diversos biógrafos, é neste momento que ele começa a ter rompantes de caridade, doando dinheiro, roupas e até tecidos da empresa de seu pai aos pobres da região. Em uma de suas passagens mais conhecidas, ao encontrar um rapaz com lepra, embora sempre tenha tido uma aversão aos doentes, acabou tomado por compaixão e acabou beijando-o, o que mais tarde também o fez passar a fazer visitas regulares a hospitais e enfermos.

O chamado, a Ordem Franciscana e a relação com os animais

Foto: Penellope Bianchi


Segundo historiadores, o chamado para a servidão à Deus se deu por volta dos 25 anos, no momento em que ele rezava na Igreja de São Damião, em Assis. Ele contava que tinha ouvido o crucifixo falar com ele, repetindo três vezes a frase: “Francisco, repara minha casa, pois olhas que está em ruínas”. A ação o fez vender tudo o que tinha e levar o dinheiro para o padre de São Damião, pedindo ainda permissão para viver com o padre. Sabendo de tudo, seu pai foi buscá-lo contrariado, e lhe disse que se ele pretendia seguir com a decisão, deveria abdicar de sua herança. E assim ele o fez, renunciando à vida abastada e passando a se dedicar exclusivamente à vida religiosa, pedindo esmolas para obras de caridade.

Depois de conseguir a atenção de boa parte da cidade para seus atos de renúncia de bens em prol da caridade, Francisco decidiu escrever um manuscrito sobre a nova ordem, que viria a se tornar a Ordem Franciscana, com pilares baseados no amor, na humildade, na castidade e na obediência aos ensinamentos religiosos. Ao longo dos anos de peregrinação, ele passou a olhar também para a natureza e os animais como parte da obra divina, o que o fez ficar conhecido por defender, inclusive, a presença de animais nos cultos religiosos. Hoje, este é um dos motivos por ele ser tido como o padroeiro dos animais. O reconhecimento como santo foi feito pelo papa Gregório IX em 1126, dois anos após a sua morte, trazendo ainda mais força para seu legado, que tem se estendido ao longo dos anos e seguido inclusive pelo atual Papa Francisco, que escolheu seu nome por conta do santo.

No universo da alagoana Sil da Capela, o São Francisco (à esquerda) aparece sentado aos pés de uma Jaqueira. O santo feito pela Associação dos Artesãos de Mestre Noza é feito em madeira e tem imagem mais tradicional - Foto: Paiol(esquerda) e Penellope Bianchi (direita)