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O drama do empresário carioca que buscou sossego em Alagoas e agora vê sua casa ruir devido à mineração
Wanderson Almenara construiu uma casa para os pais aproveitarem a aposentadoria em Feliz Deserto, mas agora enfrenta rachaduras causadas pela mineração predatória
"É sobre eu estar com a sensação de que eu trouxe meu pai para ter sossego, mas na verdade achei um problema pra mim''. A fala é do empresário Wanderson Almenara (42), autor do abaixo-assinado que denuncia atividades de mineração que estariam provocando perturbações no solo e rachaduras em residências na cidade de Feliz Deserto, Litoral Sul de Alagoas.Nascido no Rio de Janeiro, o filho da Dona Neide e do Seu Sidney, Wanderson Almenara (42) é formado como tecnólogo em petróleo, possui pós-graduações em engenharia de petróleo, geologia e geofísica de poços de petróleo, MBA em gerenciamento de projetos, especialização mestre em ciência e tecnologia de materiais.
É com este vasto currículo, que Almenara se deparou com uma situação incômoda quando decidiu se mudar para a terra natal da mãe, em Alagoas. O carioca conta que trabalha fora da sua área de formação, atuando como empresário, justamente por ter optado pela liberdade geográfica e por ter uma vida essencialmente simples, perto de sua família.
Em Feliz Deserto, ele e o irmão compraram uma casa e quatro terrenos vizinhos para construir uma espécie de chácara na pacata cidade do litoral alagoano. Pouco tempo depois da conclusão da obra, o que tinha tudo para ser um local de sossego e paz, virou um recinto de tremor e constante preocupação sobre a segurança dos novos moradores. A vida pacífica do mestre em ciência de tecnologia e materiais, sua família e vizinhos passou a ser perturbada em função de uma causa que ainda inflige profundos estigmas ao povo alagoano: a mineração.
Almenara alega que a mineração de areia realizada na região, em uma área localizada a aproximadamente a 50 metros do loteamento Paraíso do Sul, têm causado tremores no solo e provocado rachaduras em pelo menos 7 das 20 residências do condomínio.
A empresa responsável pela extração de areia é a Geomineração que opera na região desde junho de 2024, após ser proibida pelo Ministério Público Federal de atuar na região de Marechal Deodoro.
Recentemente, Almenara criou um abaixo-assinado online, exigindo que as atividades sejam interrompidas até que sejam apresentados estudos que garantam a segurança das estruturas já construídas na região. O grupo de moradores também cobra ao município e autoridades como o Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal que acompanhem de perto a situação, a fim de evitar uma tragédia maior a exemplo do desmoronamento das casas.
Almenara já havia constatado os tremores há cerca de 40 dias, quando adquiriu a residência menor. Seus vizinhos, moradores a mais tempo no local, constataram os tremores a partir de dezembro. Outro ponto apresentado pelo mestre em ciências e tecnologia de materiais é que a empresa GeoMineração estava realizando atividades nas imediações do Rio Canduípe.
Com o intuito de gerar evidências acerca da natureza dos tremores, ele conseguiu acesso às instalações e, acompanhado dos responsáveis pela empresa, e solicitou informações sobre as máquinas utilizadas na operação e que fossem feitos testes com os rolos compactadores da empresa.
''Acho que eles perceberam que meio que não tinha como mentir pra mim'', observou o empresário. “No dia dos testes, nós colocamos baldes com água em cada casa, dessa forma foi possível comprovar os tremores e vibrações no exato momento em que as máquinas operavam”, completou.
As preocupações se intensificam uma vez que a região de Feliz Deserto possui historicamente uma propensão a enchentes do rio e alagamento e terreno arenoso e pouco consistente.
Após a publicação do abaixo-assinado, Almenara foi terminantemente impedido de acessar a mina, passando também a sentir certo abandono por parte do poder público. O empresário diz que chegou a ser visitado por membros da secretaria de obras e da secretaria de defesa civil do município de Feliz Deserto e solicitou um relatório com o resultado da inspeção.
Sem apresentar o documento aos moradores, o município e as secretarias garantiram à imprensa que não havia risco iminente de desabamento das estruturas.
Almenara diz inclusive que a GeoMineração tentou provocar um desvio de foco na denúncia, ao projetar as construções no loteamento como impróprias, e feitas com materiais indevidos.O empresário diz que o envolvimento da Geomineração com os tremores foi a causa do avanço precipitado das rachaduras, como foi constatado e informado por um dos engenheiros da prefeitura de Feliz Deserto durante uma das visitas.
A casa recém-construída de Almenara apresenta 22 rachaduras, com menos de um mês desde que foi levantado o muro.''Essas rachaduras só apareceriam daqui a alguns anos e eles conseguiram adiantar precipitar o processo'', disse, em alusão a um comentário feito pelo engenheiro da prefeitura que foi ao local e constatou a situação.
Ele conta que somente após ter se envolvido com o caso, com o intuito de proteger os pais e a casa recém-construída, foi que ficou sabendo, através de matérias jornalísticas, do que foi chamado de “Máfia da Areia”, com um grupo de empresários atuando com a extração predatória de areia na região, para vender o material para que a Braskem faça o tamponamento das minas abertas em Maceió.
''Estou chocado com a magnitude e maldade de tudo que tem envolvido nesse assunto [...] fico com medo até de falar algo que eu não deva”, teme o empresário em tom de preocupação.
Visitas à prefeitura e protagonismo
Professor de materias de engenharia, Wanderson Almenara, mudou-se para Alagoas em busca de sossego e encontrou uma realidade devastadora: sua casa, construída com anos de esforço e planejamento financeiro, para abrigar os pais durante a melhor idade, começou a ruir 20 dias depois de construída. e
"Meu pai acabou de tirar um rim. No Rio de Janeiro a sensação que tive é que ele ia definhar. Vim para Feliz Deserto para ter um quintal, criar galinhas, plantar. Foi a forma que encontrei de salvar meu pai", relata Almenara.
Para concretizar o sonho, ele precisou de uma organização financeira rigorosa e junto com os muros hoje rachados, começou a plantar os primeiros frutos da nova vida. "Estávamos colhendo os primeiros ovos, o primeiro maxixe, e, de repente, tudo isso começou a ruir."
Apesar das dificuldades, o professor destaca que sua luta não é individual. "Não estou competindo com ninguém, não quero protagonismo, apenas desejei sossego", afirma. Sua preocupação maior é com a comunidade do loteamento Paraíso do Sul, afetada pelo problema. "Fui três vezes ao gabinete do prefeito, acompanhado do meu vizinho de frente. Fiz questão de deixar claro: 'Prefeito, não estou aqui para nenhum pedido pessoal, político ou financeiro. Estou aqui pelo coletivo."
“Sinto muito pelo protagonismo que está sendo feito, apenas tinha interesse em oter sossego, e o protagonismo se deu em função da responsabilidade civil, da sensibilização que tive com meus vizinhos, da responsabilidade técnica com minha formação, com os juramentos que fiz, e com a decência que tenho”, garantiu.
Respostas
Em nota, a Geomineração – Exploração Mineral Ltda. informou as alegações associando suas atividades a supostos danos ambientais e estruturais em imóveis da região são infundadas. A empresa já ajuizou ação judicial para produção de prova pericial, a fim de demonstrar que:
Não há relação entre suas atividades e as rachaduras em residências;
Não há qualquer dano ambiental decorrente da extração mineral realizada.
“A empresa reforça seu compromisso com a comunidade local, esclarecendo que a utilização do rolo compactador ocorreu apenas em 13 de janeiro de 2025 e, diante da preocupação manifestada por moradores, foi imediatamente interrompida. Ressalta-se que essa decisão foi tomada por respeito à população, sem qualquer implicação técnica”, diz trecho do documento.
A empresa disse também que as atividades da Geomineração são regularmente fiscalizadas por órgãos como a Agência Nacional de Mineração (ANM), IBAMA e CREA, sem que tenha sido constatada qualquer irregularidade. Relatórios oficiais das fiscalizações foram encaminhados à reportagem, confirmando a conformidade da operação com a legislação vigente.
“A exploração mineral ocorre em propriedade particular, com todas as autorizações necessárias, conforme evidenciado pelas licenças afixadas na entrada do empreendimento.
Sobre as rachaduras observadas em algumas residências, a empresa destaca que tais danos estruturais são anteriores ao início de suas atividades na região. Estudos técnicos indicam que a causa principal está na má qualidade das construções, incluindo o uso inadequado de materiais, como seixo de quartzo em substituição à brita, o que reduz a resistência do concreto em até 40% (ALMEIDA & SOUZA, 2023). Além disso, o solo arenoso da região, sem compactação adequada, contribui para a instabilidade das edificações (SILVA & COSTA, 2022)”,